Os professores brasileiros odeiam livros. Desde pequenos os alunos são ensinados a odiar livros e revistas. Não existe uma classe sequer de primário na qual os alunos não sejam ensinados, quase diariamente, a destruir revistas e livros “velhos” para fazer cartazes. Esses pobres livros e revistas são sacrificados como cobaias em nome do conhecimento. Crescem as crianças acostumadas a meter a tesoura no papel impresso. Ao mesmo tempo, temos a apostila, essa descartável publicação que todo ano se renova. A apostila é o conhecimento compactado, […]
Author Archives: José Geraldo Gouvêa
Dadaísmo Para Todos: O Apocalipse da Literatura Vem Aí
Talvez você nunca tenha ouvido falar da Máquina Dadá (“The Dada Engine“), mas este curioso software feito por um grupo de adolescentes americanos é uma das coisas mais revolucionárias em termos de literatura nos últimos cinquenta anos. O impacto de sua existência ainda não foi percebido porque ele ainda é relativamente difícil de configurar e de usar, mas no dia em que escrever uma gramática e um dicionário para um programa análogo à Máquina Dadá, metade da produção literária e musical do século XX deixará […]
Criminosos em Fuga
Foi numa tarde quente e ensolarada de janeiro que os dois amigos resolveram agir. José e Paulo estavam desesperados pelo calor do sol e pela óbvia ausência de praia e cerveja ao alcance de suas mãos. Como bons mineiros pobres nascidos a centenas de quilômetros do mar, nunca haviam se banhado em águas salgadas. Esta circunstância nunca tivera nenhuma importância, mas naquele dia específico de verão em Santa Maria da Mata esta constatação ressoava em suas mentes como um sino incômodo que interrompe o sono […]
A Vampira de Leopoldina
Estamos tomando uma cerveja no Maneira Mineira quando a figura aparece outra vez, envergando o mesmo sobretudo negro de ontem. Tem os olhos mergulhados numa poça disforme de maquiagem borrada, as orelhas pontiagudas adornadas por alguns brincos de prata, a face pálida parece uma tela virgem perdida no meio da cabeleira solta, esvoaçando, de cor morta e penteado inexprimível. Ela não sorri, parece incomodar-se com o ruído selvagem desta praça animalesca onde se acasala a juventude, mas mesmo assim tão deslocada ela está aqui. Ninguém […]
‘Tá Dominado, ‘Tá Tudo Dominado!
Em 2003 já era difícil ter paz sonora neste mundo em que o ruído supre a carência de atenção do indivíduo face à indiferença de uma sociedade numerosa e apática. Sete anos depois, mesmo o horrendo sucesso «musical» tendo sido esquecido, as ideias e os sentimentos continuam atuais como nunca: O meu vizinho de frente comprou um toca-discos. Seria um acontecimento banal se hoje em dia este simples eletroeletrônico não se tivesse transformado num equipamento perigoso que pode ser usado para o mal. E infelizmente […]
Queridos Filhos da Pátria Amada
Vão dizer que sou viúva da Ditadura só por eu dizer isso, mas a verdade é que tenho saudades dos antigos desfiles do Sete de Setembro, dos desfiles que havia quando eu era moleque de escola lá em Cataguases. Eram os tempos da Ditadura, sim, e muita gente sofria, mas eu era criança e não tinha que saber disso. O que me importa nessa saudade é que, naquela época, o Sete de Setembro era algo bonito de se ver, e não esse espetáculo desorganizado e […]
A Uma Poetisa
Isso não é nem literatura, mas desabafo de amargura de que será capaz todo ser vivo. Falta beleza, falta um motivo que me prenda as linhas, curioso. Não que tenha sido horroroso: apenas ausente de um dedo que é preciso para ser poetisa, não basta ter raiva, falta medo falta alguma coisa imprecisa que se ganha com a dor dos anos e nos faz, no fim, seres humanos. Não se faz poema triste tendo tanta alegria, nem quando você insiste. Se quer tomar poesia tome […]
Pensando o Futuro
Dois escribas, preocupados com o futuro, discutiam à sombra de um juncal, à beira do Rio Nilo: — Imhotep, tu que és tão sábio, diga-me: Crês que um dia a arte dos hieróglifos terá sido abandonada? — Merhemptah, querido, temo que sim. Ela está a se perder: não vês que os sacerdotes de classes inferiores já os abreviam e corrompem, que já não se importam mais como antes com a exatidão da semântica, preferindo recorrer aos símbolos fonêmicos? Oh, temo que um dia a expressividade dos hieróglifos […]
O Lobisomem Brasileiro
Já que ontem eu escrevi sobre a mula sem cabeça, resolvi aproveitar o embalo, enquanto os dados ainda estão frescos na memória, e escrever sobre o lobisomem, com que ela possui na tradição luso-brasileira, uma relação muito próxima. O lobisomem luso-brasileiro não é o mesmo lobisomem que é visto nos filmes de terror americanos e que passou a fazer parte da tradição literária europeia. Na cultura pop de hoje a comparação mais próxima que se possa fazer com ele seja a do professor Lupin, da […]
Mula Sem Cabeça
A mula sem cabeça é um mito de origem ibérica que existe por quase todo o território nacional, e também por toda a América Hispânica (embora com menos intensidade). Um dos mitos mais ricos e complexos de nossa tradição, é também um dos mais internamente coerentes: é possível explicá-lo de forma coesa, do princípio ao fim, sob o prisma da história das ideias: essencialmente falando, a mula sem cabeça é um mito que pretende inculcar na mulher a submissão ao homem através do casamento. A […]