O Jardim Secreto

Na minha cidade havia uma casa enorme, mansão dos tempos dos barões do café, que estava abandonada e tinha um jardim também impressionante. O jardim ficava detrás de altos muros e estava tomado já de ervas, depois de décadas de esquecimento. Mas quando olhávamos pelas gretas do portão, víamos lá dentro aquelas árvores exóticas, aquelas fontes onde já não jorrava água, cobertas de mato. Havia uma dignidade, uma disposição artística ali. Algo que o descuido não apagava. Era um desafio comum em minha infância saltar […]

Considerações sobre a ingenuidade

É preciso ter a ingenuidade que só a ignorância permite. Somente assim é possível a coragem de dizer certas coisas que, mesmo necessárias, permaneceriam caladas na boca do sábio que as reconhece ditas por outras bocas, de outros sábios. Lá fora brilha um sol de versos e de flores e os sorrisos denunciam que morreu o inverno. Outro poema aberto jaz diante dos autores E ninguém consegue expressar sua certeza nele. Porque esse poema ecoa outro poema que nasceu de outro numa genealogia infinita de […]

Alguns Clichês

Este texto foi escrito nos tempos em que eu ainda não era persona non grata em certos círculos pseudo literários do Orkut, numa época em que ainda havia quem achasse que eu tinha conselhos a dar. Como nunca fui de bancar o padre e nem de fazer análise do sonho alheio, eu costumava usar de bom humor para provocar as reflexões que me interessavam. E de quebra, para justificar que lessem, eu botava de entremeio algum conhecimento extraído de minhas leituras ao longo da vida. […]

O Charuto de Freud

E disse Freud à multidão de seus discípulos: — Não percebeis que o hábito de fumar é uma sublimação? O homem que fuma nada mais faz do que compensar sua libido adulta por uma frustração sofrida durante a fase oral de seu desenvolvimento psíquico! A personalidade do adulto é influenciada pelo que viveu enquanto menino. Um fariseu junguiano infiltrado entre os discípulos o interpelou: — Mestre, o senhor fuma! Sofrestes também uma frustração em vossa fase oral de desenvolvimento? E disse Freud a esse fariseu: […]

Improviso

O poema nasce, às vezes, como uma necessidade dos dedos. O toque deles contra as teclas, o prazer de ver as palavras formarem-se das letras, tornarem-se negras e deitarem-se na página. A frustração de retornar a apagar, o apego apertado de saber que o cursor retorna implacável condeno o erro a não ter havido. E aquele eterno temor de talvez haver algum perigo à espreita que destrua o arquivo, que delete inapelavelmente o esforço despencado em um verso. O poema, às vezes, nasce uma necessidade […]

Não Me Acusem

Não me acusem de saber muito, só porque tenho as mãos lisas. Não é que eu estudei a fundo, é que eu tenho tido outra vida. Porém não pensem que ignoro tudo que um homem deve. Minha vida inteira eu estudo, para algo certamente serve. Uns saem de casa, certos do saber e acham modos de moldar o mundo ao que Deus lhes disse antes. Eu saí ignorante e andei entre abismos e vazios. Quando cheguei aqui me estranharam. Não porque ensinasse, mas porque sonhava. […]

Confissões de um Sonhador

Sou um dos sonhadores derradeiros, talvez o último a fazer sentido, embora seja o que menos me interesse e o que tem menos horas ou motivos. Tenho tentado dormir pouco, mas as imagens me alcançam acordado: lembranças de lugares a que não fui, pessoas que nunca conheci. Sou do tipo pior dos sonhadores, os que dedicam seu sonhar unicamente a espécies de sonhos que sempre fenecem diante do dia claro, a espécies que só sobrevivem no silêncio da cama e nem são perfeitamente transpostas ao […]