Estou sozinho na casa vazia. Ando pelos cômodos assombrando a minha própria vida. Me distraio da morte que chega e da vida que vai comendo um queijo que amarga e se acaba e aumenta a sede. Bebi uma quantidade absurda de água e me sinto pesado como um odre, com uma sede ainda, uma que progride a passos de aranha na parede.
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Poesias escritas por mim.
Lamento da Musa Clássica
Poetas são artistas. Sensatos, sensíveis. Sensacionalmente incensados, mas simples- -mente pessoas que vivem, que mentem, que são aquilo ensaiam em sonhos, que sonham aquilo que ensaiam de dia. Alguns temem fantasmas, outros atacam moinhos. Alguns amam à morte, outros se acabam no vinho. Todos que escrevem se acham demais. Loucos demais, gênios demais, sofridos demais. Mas sobretudo, o poeta se acha o único a ter — ou pelo menos o que mais merece — a atenção do leitor. Isolado entre parede ou pensativo no […]
No Espaço Que Fica
O silêncio que fica no ouvido quando evapora o acorde final, a morna penumbra que corre nos olhos logo que a luz se apagou, a doce ausência que ocupa o corpo quando se extingue uma dor… nada disso faz sentido em si, mas tudo isso assobia no fundo da alma a confissão de uma imagem: pode ser que a tristeza não seja, pode ser que o espaço deixado ainda cheire ao que havia. O silêncio doído insiste insípido acinte, os olhos aos poucos se rendem, […]
Mensagem Negativa
> Em resposta a alguém que disse: “Se é mensagem positiva, me interessa.” Não há uma saída fácil, tua fé não vencerá os muros e a ingenuidade não lhe servirá de escudo quando vierem as botas e os rifles quando caírem as mãos sobre ti. Não há uma resposta fácil, tua força não dobrará as regras e os teus sorrisos não lhe comprarão simpatia quando os dedos apontarem para ti. Lá fora não jaz o cadáver de Deus: mataram-no com um tiro no escuro, mas […]
O Cãozinho Pequinês
Ao mesmo tempo oriental e desorientado o cãozinho deu no jardim e ficou parado pela morte que se apanha no mínimo tato. Deram-lhe bola ou a comeu por destino. A meia-noite chegou cedo, chegou dura com estrelas demais e sem promessas. Assoviaram de algum lugar no escuro, o silêncio dos olhos empoçados não se alterou nem de leve. O silvo passou no ar como uma outra pedra. Originalmente escrito em 1997. Direto do “Túnel do Tempo”
Como Ferir um Vampiro
a bolinha é de papel papel é de madeira de madeira é a estaca que mata o vampiro. mas como na bolinha resta pouco da madeira só causa um mal estar, uma vontade frouxa. a bolinha justiceira kriptonita improvisada bala de prata precisa matou a candidatura.
Pastoral aos Descrentes no Amor
Tudo bem, agora que a paixão esfarrapou e o perdão nos violou. Agora que temos a paz com as mentiras queridas. Se o amargo de antes não vem à tua boca, e nenhuma secura sobe de teu ventre vazio com acusações fatais. Agora que montamos com sobras e refugos de sentimentos falidos esse teatro de sombras. Compraram-te na quinta oferta que lhe fizeram e achaste meritório ter resistido devidamente às quatro primeiras. Agora estás vendida e satisfeita com o preço, ou pelo menos precisa crer […]
Réquiem para Projetos Esquecidos
Roubaram mais um mito e Lázaro descansa em paz. Não foi Jesus que veio — foi Francisco e sua proposta de aceitar. Escorreu a ilusão final, depredaram uma verdade aqui. O veículo da vida estacionou na paz da estante, a quietude dos campos inférteis. Estante, a entressafra. Estante onde afunda, inerte, a vida de mil homens e seus mitos.
Quando Provei de Tua Boca
Quando provei de tua boca, o que caiu foi claro como calmo ar sob o sol numa manhã tonta espremida entre um sonho e outro. Espargi palavras sem sentido, algumas atingiram teu ouvido. Contive-me, contudo, considerando minha covardia. Mudo, sonhava tua nudez. Quando eu senti tua presença, o perfume perto, o hálito denso, o toque tépido de dedos dóceis, a falsa frieza de uma carne aflita; o que pensei foi puro, foi místico e pousou como um pensamento antigo. Folhas secas farfalhando no silêncio, a […]
Comerciamante Triste das Horas Rasas
O amor de Noêmia é súbito e simples, alívio de dívidas e dúvidas que doem. Espera que açoitemos sua carne rude com nossas vontades incultas e cruas. Sua passagem aromática pela praça traz promessas e segredos aos jovens e somos expostos ao beijos que esparge, complexas gotas de trevas que escapam de seu sorriso assimétrico e rígido e escorrem por suas carnes estreitas pelas descontinuidades e curvas. O amor de Noêmia é nota de amargo e seu sorriso, incensado e insincero. Nota-se desespero no cálculo […]