Um artigo de polêmica cultural/política, não datado, mas provavelmente escrito entre 1998 e 2000, encontrado em um velho caderno que ia a caminho do lixo. Devido ao contexto em que foi escrito, este texto não se dirige ao público amplo que a internet alcança, mas a um público muito mais estrito e regional, alcançado pela imprensa escrita do interior. Lembro-me vagamente de tê-lo preparado para ser lido em um encontro de escritores que se estava tentando organizar na época. O centro-sul do Brasil nos é […]
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Coisas de Minha Terra
Apontamentos avulsos e incompletos encontrados datilografados sobre o verso de páginas contendo alguns poemas. Tanto os poemas quanto esses apontamentos haviam desaparecido de minha lembrança. A data (dos poemas) é 1994, a destes apontamentos deve ser um pouco depois (um ano, no máximo). Trata-se aqui do texto mais antigo cuja forma original não tem influência alguma de revisões posteriores. Uma verdadeira relíquia da época em que eu ainda estava aprendendo a tentar escrever. Mais do que isso, parecem ser apontamentos para um glossário que ficaria […]
Descobri que sou um caipira
Quando eu era criança, ser chamado “caipira” era praticamente um xingamento. Equivalia a ser chamado de “ignorante”, “abobalhado” ou “ingênuo”. Piadas de caipira eram muito mais fortes que as de português. Talvez isso se explique pelo fato de que nós, os habitantes da Zona da Mata de Minas Gerais sermos descendentes de colonos provenientes, principalmente, das terras fluminenses, gente mais ligada à “Corte” e ao exterior. Nós da Zona da Mata de Minas Gerais vivíamos de costas para Belo Horizonte e o resto do estado, […]
Fausto de Souza
Estava concluindo o terceiro volume da tetralogia épica sobre uma sociedade secreta maçônico-judaica-ocultista que se refugiara no Brasil durante a colonização portuguesa. Conceber e detalhar os rituais mesclando o Antigo Rito Escocês com outras influências cabalísticas lhe custara meses de pesquisa e o amor de Rafaela, que não suportara mais as longas horas de ausência perambulando por sebos e bibliotecas, não aceitara perder outro dos três quartos do apê para mais prateleiras de livros. Estava ali imerso em seu mundo particular e em contas a […]
O Lobisomem Brasileiro
Já que ontem eu escrevi sobre a mula sem cabeça, resolvi aproveitar o embalo, enquanto os dados ainda estão frescos na memória, e escrever sobre o lobisomem, com que ela possui na tradição luso-brasileira, uma relação muito próxima. O lobisomem luso-brasileiro não é o mesmo lobisomem que é visto nos filmes de terror americanos e que passou a fazer parte da tradição literária europeia. Na cultura pop de hoje a comparação mais próxima que se possa fazer com ele seja a do professor Lupin, da […]
Mula Sem Cabeça
A mula sem cabeça é um mito de origem ibérica que existe por quase todo o território nacional, e também por toda a América Hispânica (embora com menos intensidade). Um dos mitos mais ricos e complexos de nossa tradição, é também um dos mais internamente coerentes: é possível explicá-lo de forma coesa, do princípio ao fim, sob o prisma da história das ideias: essencialmente falando, a mula sem cabeça é um mito que pretende inculcar na mulher a submissão ao homem através do casamento. A […]
Horas Mortas
José Tranquilo não era chamado assim por escolha de ninguém. Era seu sobrenome, mas não sua vontade e nem o seu destino. Tinha sido metalúrgico em uma fábrica em uma grande cidade, ganhara algum dinheiro e vivera aventuras, mas tivera que voltar, com o rabo entre as pernas, justamente porque perdeu a calma — e por um triz não perdeu também a alma. Voltou para nossa cidade trazendo na bagagem um uniforme azul com o emblema da Volkswagen e foi ser mecânico de automóveis no […]
O Flautista
Amaralina tinha sido uma cidadezinha qualquer, com casas entre bananeiras, mulheres entre laranjeiras, pomares e amores para quem quer que soubesse vivê-los. Seguia sua vida besta bem devagar, entre montanhas bem altas, rios suficientemente traiçoeiros e solo providencialmente pobre de qualquer coisa que o bicho-homem pudesse querer arrancar à força de máquinas e dor. A gente de lá era arredia e desconfiada de estranhos. Colonos tricentenários, muito pouco acostumados a quem não tivesse o falar líquido que eles tinham aprendido com os índios e os […]