Enquanto fazia uma pesquisa sobre os “erros gramaticais de Machado de Assis”, deparei-me com uma afirmação importante de um filólogo conhecido, mas cujo link acabei perdendo: não é só a orthographia que mudou nos últimos séculos (no caso Brasileiro, aliás, quatro vezes), mas também a gramática e a análise sintática. As obras da literatura luso-brasileira dos séculos XVI a meados do século XIX (anteriores a Herculano, Garrett e Castelo Branco) estão cheias de “desvios” em relação à gramática padrão. O que houve? Talvez em uma […]
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A Qualidade Não É uma Roupa
Alguns críticos de arte costumam detectar a decadência da arte helenístico-romana (e por conseguinte da civilização mediterrânea antiga) justamente no momento em que acontece a separação entre o a construção e o ornamento. Pois aí, a arte deixou de ser vista como uma expressão para se tornar um opcional. O pragmatismo acabou triunfando sobre a beleza, favorecendo escolhas menos estéticas para favorecer maior funcionalidade. O resultado, a longo prazo, é o fim da bela arquitetura, substituída pela arquitetura grandiosa e resistente, não necessariamente bela. O […]
A Gramática dos Dialetos Brasileiros Merece Respeito
A leitura de *Preconceito Linguístico: o que é e como se faz* — obra seminal de Marcos Bagno — me abriu os olhos para algo que eu intuía, mas nunca articulava: o viés de luta de classes que está presente na concepção da língua como algo que precisa ser ensinado ao povo *ignorante*, ao povo que *não sabe falar*. Na visão da gramatiquice tradicional, já devidamente desancada por Monteiro Lobato em sua *Emília no País da Gramática*, o povo é uma espécie de primata pelado que não se humaniza, pela linguagem, se não for à escola, esse laboratório do saber onde o tosco bípede é amestrado naquilo que serve aos objetivos da sociedade capitalista.[…]
Porque Desprezar o Português
Onde algo é sacralizado, é natural que surjam os contestadores. O iconoclasmo é uma espécie de rito de passagem para os jovens e uma marca de “independência” dos mais maduros. Provocar essa irreverência é uma maneira eficaz de manipular as pessoas: tendo um judas para chutar o indivíduo acredita que é um contestador, e obedece aos comandos, subreptícios ou explícitos, e segue mais ou menos na direção que interessa ao provocador. Identificado um alvo tido por muitos como sagrado, é muito fácil reunir uma turba de pessoas para cuspir nele, com a desculpa de que estão fazendo a revolução.
Uma Brevíssima e Amadora Análise do Conto Medieval Português «A Dama Pé de Cabra».
Incluído nos “Livros de Linhagens” da nobreza lusitana está um breve relato sobre a família de Diego Lopes, que inclui uma personagem que ficou célebre: a misteriosa mulher montanhesa com pés de cabra. Tata-se de uma história interessante por envolver profundamente as fantasias populares lusitanas (e estas fantasias, claro, ecoam na nossa própria cultura). Aspectos culturais Como se verá, a deficiência física (um pé deformado) era um sinal de deficiência moral. A Dama Pé de Cabra é apresentada como uma espécie de bruxa, e o […]
Sobre Preconceito Linguístico — Parte 3 de 3
É difícil compreender as razões pelas quais tantas pessoas rejeitam de forma tão ríspida um ensino progressista do português, baseado nas descobertas da Linguística e da Pedagogia. Certamente as razões disto envolvem ideologia, pois um ensino que não discrimine os falares populares ameaça uma estrutura de humilhação das classes oprimidas. Então, por se oporem à inclusão social e ao progresso do ensino, erguem bandeira de guerra contra qualquer indício de que se está buscando uma abordagem não Preconceituosa do fenômeno linguístico. O caso recente do […]
Sobre Preconceito Linguístico — Parte 2 de 3
Na semana passada comecei a falar sobre o preconceito linguístico que grassa em nosso país de uma forma particularmente intensa. Lembrei que a Linguística é uma ciência estabelecida solidamente há mais de duzentos anos, com copiosa produção de conhecimento, mas que persiste uma profunda ignorância sobre seus aspectos mais básicos, ignorância alimentada pelos meios de comunicação, que somente dão espaço ao discurso retrógrado e pseudocientífico daqueles que rejeitam o conhecimento científico por razões ideológicas. Perguntei também por que razão pessoas que são céticas de várias […]
Sobre Preconceito Linguístico — Parte 1 de 3
Nos últimos anos tem estado muito em evidência o debate sobre o “preconceito linguístico”, notadamente desde que um homem do povo (e por isso xingado de “apedeuta” por uma mídia preconceituosa e elitista) chegou ao poder. Tal debate é, porém, feito por leigos e para leigos, nunca, jamais, em hipótese alguma permitindo que os especialistas tenham o mesmo destaque que os palpiteiros. Fala-se sobre a língua, sem nunca sequer mencionar que existem linguistas. O que é mais ou menos como conversar sobre doenças sem mencionar […]