Tenho levado uma vida normal, terrivelmente normal até. Meus dezoito anos têm sido pontuados por experiências bem comuns e eu jamais fui à praia. Desde que nasci tenho sido uma típica criatura do interior, com uma vida que ressoa a árvores e regatos. Mas mudei-me para a Cidade Grande com meus pais há uns cinco anos e desde então muito rolou. Meu jeito tranquilo tem sido sacudido e aos poucos, suavizado pelas experiências comuns de um adolescente de minha idade e minha época: estudo, trabalho […]
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Tio Gumercindo e o Horto
Tio Gumercindo morreu. A notícia chegou pelo telefone, casual como uma chuva na manhã de sábado. Há pessoas que vão morrer na linda manhã de um sábado de inverno: não é uma escolha. Há pessoas que preferem as madrugadas chuvosas e quentes do verão. Tio Gumercindo morreu, e fazia dois anos e meio que eu não o via, mesmo ele vivendo a menos de trinta quilômetros de onde vivo. Saí de casa com outra desculpa. Tinha de fazer tanta coisa na rua, no mundo. Mas […]
Lendo
Ler é prazer, é busca, encontro. É satisfação, inquietude e desencontro. Leio porque preciso De um jeito impreciso Sorver antônimos e cores Nas formas das letras e nomes. Lendo me abro portas, quando fecho os olhos E me abro a mente para outros modos, Dissonantes, alheios, diferentes. Quando a porta se abre na alma A mente se desprende E meu olhar se transforma. Lendo conheci países, Bebi de fontes desconhecidas, Estranhas, fascinantes. Não leio por qualquer coisa: Leio apenas porque preciso, Porque livros são o […]
Cruzar a Ponte
Quando passo pela ponte sinto uma vertigem que me atrai em direção à água. É um instante de terror em que quase me imobilizo. Não posso correr, pois isso me desequilibraria. Tenho de ir devagar, medindo os passos e ignorando o rio ao mesmo tempo em que mantenho o olhar fixo em suas águas regurgitantes. Cruzo a ponte todos os dias para ir ao trabalho. Se não me causasse tanta vergonha minha vertigem eu poderia encontrar algum meio de evitar cruzar a pé, mas de […]
Pode-se Viver
Pode-se viver de amor, mas principalmente morrer. Não faz bem pensar assim, mas é uma verdade que treme quando o homem se consome pensando em pesos contrários e sentimentos marcados. O amor foi uma verdade durante séculos de mito, hoje é um amargo apenas la língua de quem beijou. Fala-se dele como do morto parente que um dia se amou. Pode-se viver de amor, mas principalmente está morto o amor de que se vivia no tempo em que era fácil morrer. Por isso apague aquele […]
De Improviso, a Alma
De improviso, a alma lembra algum rastro de um livro que passou pelos sonhos de um dia que senti como outro dia dentro de uma vida que passa de improviso e se arrasta quase livre, mas ainda aqui retida. Na estante do passado existe espaço em um corredor imerso em penumbra, pelas prateleiras pulsam páginas propelidas por pequenos pensamentos e abortos de pensamentos, que caíram antes de serem inseridos em projetos. Cada livro que é largado sem ser lido na biblioteca do profundo esquecimento, cada […]
Qual de Vocês É o Pink?
The band is just fantastic That’s really what I think — And by the way: which one is pink?1 O dia 15 de setembro de 2008 fica na história como o dia em que o sonho musical chamado Pink Floyd definitivamente acabou. Poucas bandas mereceram um lugar tão nobre na história do rock’n’roll, poucas tiveram fãs tão fiéis, poucas deixaram um vazio tão enorme no universo do pop. Poucas tiveram uma carreira tão conturbada e cheia de tragédias. A morte de Syd Barrett enterrara um […]
Confesso que Não Creio
Sim, sou ateu. Você deve estar perplexo ao ler isso porque não é comum alguém admitir esse defeito em público. Garanto que se estivesse diante de mim você provavelmente me interromperia com pregações ou maldições (dependendo de seu grau de fanatismo e capacidade de argumentação). Mas deponha sua bíblia sobre a mesa e confabulemos. Vou contar como desde criança eu me bati contra minha dificuldade de acreditar em Deus, até que perdi. Ser ateu não é ser um cão sarnento, é apenas descrer da existência […]
Coisas Novas
Tenho saudades de coisas tolas, de pequenos sonhos que tive, de coisas simples que passaram cedo e deixaram uma falta, uma ausência, uma forma de pesar só manifesta em lágrimas que pendem sem cair e pensamentos que pensam sem surgir. Foram pequenas coisas que vivi, sentimentos que não me alegraram, migalhas de emoções que me serviram mas depois levaram e eu não comi. Essas saudades de coisas belas, são pequenas provas de que antes — mesmo estando só e sendo infeliz — eu conhecia uma […]
Quando Morreu Minha Poesia
Quando morreu minha poesia passei a viver sem uma alma e tenho estado assim, semi-cadáver, faz tantos anos que nem lembro se fui completamente humano, como pude saber sorrir. Tornei-me alguém sem sentido, abdicando de prazeres e formas e esta hemi-pessoa que fiquei suporta mal sentimentos, próprios e alheios, sustenta mal ilusões de feitos que nunca passarão de projetos. Há tanto tempo que acostumei-me e tenho feito isso sem querer — suavemente abandonando sonhos, sinteticamente assaltando signos e deixando tudo atravessado, deixando tudo me deixar, sorvendo […]