Guilherme construíra a sua casa sobre as ruínas desconhecidas que ocupavam um excelente terreno urbano. Doze trabalhadores com suas máquinas removeram os restos, arrancaram os arbustos e aplainaram cada metro de chão. A construção teve percalços porque havia quem achasse certa importância histórica no lugar, mas não foi longe a questão: a casa estava esquecida, parecia impossível de recuperar e tinha uma fama de assombrada.
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A Morte da Escrita É a Falta de Tempo
Quando eu era estudante, deparei-me certa vez com uma trova portuguesa, cuja autoria se perdeu nas trevas, que dizia o seguinte: “o tempo não me dá tempo/ de bem do tempo fruir / e nessa falta de tempo / não vejo o tempo fluir”. Como sempre ocorre quando nos deparamos com verdades que ainda estamos verdes para comer, demorei trinta anos para começar a digerir estes quatro versos singelos. A tristeza do escritor é a de não ter tempo para escrever, não poder desenvolver as […]
Inversão da Terapia
Eram ainda sete e meia da manhã quando a faxineira deu o grito e os seguranças apareceram no corredor do terceiro andar do Edifício Atlante. Havia um homem sentado no chão diante da porta do consultório do Dr Jair Lima, psicólogo relativamente obscuro e fama duvidosa. Um homem bem vestido e limpo, mas de aparência transtornada, que gaguejava quase sem conseguir falar.[…]
Os Melhores Momentos Acontecem Depois
Fernando Pessoa escreveu em 1914 um poema chamado “Uns Versos Quaisquer”, que pode ser interpretado como um breve ensaio sobre a saudade, ou ainda melhor, sobre a “saudade falsa”, este sentimento que tanto faz parte da minha poesia (nem tanto da dele). Vive o momento com saudade dele Já ao vivê-lo… Barcas vazias, sempre nos impele Como a um solto cabelo Um vento para longe, e não sabemos, Ao viver, que sentimos ou queremos. A ideia de que o momento já deva ser vivido com […]
Pequenas Manias Inofensivas
Frequentemente me pego repetindo em cochicho o que acabei de dizer em voz alta, se a pessoa a quem disse não continua por perto. Porque se ela estiver, então, costumo dizer a mesma coisa duas vezes, com poucos minutos de intervalo, para enfatizar o que estou dizendo. Geralmente uso uma frase para conectar, e então repito o que havia dito antes, com palavras ligeiramente diferentes, com poucos minutos de intervalo, só para enfatizar o que dizia.
As Diferentes Velocidades do Mundo
Ninguém vivia muito tempo para prestar atenção ao tempo, que era sempre o presente, cada vez que amanhecia. Significava que a noite terminara sem o encontro de uma fera, sem as garras gélidas da terra rasgarem. O passado só existia através do mito, das coisas acontecidas ninguém sabia quando, nem onde, nem com quem. O mito também era uma espécie de tempo coagulado, cíclico, interminável. Alguém poderia pensar que era horrível ser um deus, e ter que refazer a criação do mundo sempre, ter que viver sempre a fazer as mesmas coisas.
O Tempo no Caminho
O velho relógio bate nove e quinze no peito sorrindo para um piano que tocou meu lábio como o som áspero da morte que vem perto. Como ando provisoriamente vivo, e vivo reto, procuro um desvio que retarde a sorte certa que aguarda os relógios, lábios e pianos. Quando achar um caminho errado destes, escondo minutos da espera que não quero. Aqui comigo nesta sombra, nesta névoa, a ilusão feliz de que tudo ainda é e nada era.