Letras Elétricas
Textões e ficções. Tretas e caretas. Histórias e tramóias.
by J. G. Gouvêa

Desafio de Produção de Microcontos

Publicado em: 28/08/2010

No dia 13 de março de 2010, durante um debate no Orkut com alguém que tentava me convencer de que não há na literatura inteira nada mais genial do que o microconto (e citando como exemplo o famoso aforisma de Augusto Monterroso “Cuando despertó el dinosaurio todavía estaba allí”), eu me propus a produzir trinta microcontos em trinta minutos, concedendo a um grupo de “árbitros” escolhidos por mim a prerrogativa de desqualificar (“esse não é um microconto”) qualquer texto que desejassem, até o número máximo de dez.

Comecei então a escrever os microcontos, sem preocupação em publicar simultaneamente. O tempo necessário para fazer a postagem no próprio tópico estava incluído nos trinta minutos do prazo, razão pela qual preferi postar tudo no fim.

Infelizmente, não consegui cumprir o desafio por causa de um “bloqueio criativo” lá pelos vinte minutos. Quando o superei, lá pelos vinte e sete, não houve tempo para completar o desafio no tempo estabelecido. Mesmo assim, tendo perdido o tempo, acabei escrevendo quarenta e dois minitextos em quarenta minutos, dos quais doze (os que estão em itálico na lista abaixo) foram desqualificados pelos árbitros (cinco unanimemente).

Considerando que, afinal, eu tinha conseguido produzir trinta microcontos em quarenta minutos, os árbitros concluíram que eu teria conseguido produzir, proporcionalmente, vinte e dois em trinta minutos.1 Uma média tão alta que mesmo eu tendo perdido o prazo o meu argumento foi considerado vencedor.

Diante do acontecido, fui acusado de j́a ter os quarenta e dois textos prontos antecipadamente. A internet tem dessas coisas…

A seguir, a lista dos microcontos escritos naquele dia

  1. Ele dizia: “ama ao próximo como a ti mesma!” Ela disse: “o próximo!”

  2. “Amor, não precisa ficar assim só por causa dos últimos seis anos.”

  3. “Vinte anos de janela.” Epitáfio de um auxiliar de serviços gerais.

  4. Conheceram-se pelo Orkut. Desconheceram-se ao vivo.

  5. Os deuses devem estar mortos — pensaram. Então fizeram o sacrifício semanal.

  6. O guerreiro perdeu seu escudo num bordel. Homossexual. Diziam as más línguas.

  7. “7º — Não adulterarás” — ia dizendo Deus. Os israelitas inconformados pediram: “Corte o sete, corte o sete.” Por isso durante séculos o algarismo sete foi escrito com um corte.

  8. Passei a manhã na praia, o sol não veio, o mar sim.

  9. Manhãs de sol trazem brisas felizes — escrevia a suicida sentada à janela.

  10. Uma avezinha pousa em minha mão todas as vezes que a dor de escrever passa. Então ele me bica e diz: “Você passará, Quintana passarinho”.

  11. Aposentou-se por invalidez o fulano. Não valia nada.

  12. — Vamos à montanha? — Não quero estar perto dela, pois não a posso escalar. — Nós o levaremos. — De que adianta me levarem, se não podem sentir por mim?

  13. Ninguém nunca termina de escrever sua autobiografia.

  14. A maior mentira do mundo — pensava o editor — é quando eu pego o espólio de um autor e ponho num volume único intitulado “Obras Completas”.

  15. “Os antigos voltaram! Os antigos voltaram!” A cada verão alguém descobre isso e faz uma nova revolução.

  16. A carícia com afinco se parece com sevícia — desculpava-se Vlad.

  17. “Perdi metade do dia nisso, convém que perca a outra metade.”

  18. Há uma profunda responsabilidade em ser profeta. A vírgula mal posta hoje será a Inquisição do próximo milênio.

  19. Toda frase que começa tentando abranger tudo sempre termina como as outras, no ponto final…

  20. O muro ocultava o murmúrio dos moradores. Um silêncio suspeito ficava toda vez que algum chegava. Ruídos de alegria quando alguém saía.

  21. “A verdade dói, especialmente quando demora”.

  22. Não há tortura pior do que estar sozinho, especialmente se você está certo. Especialmente em uma ilha deserta. Pior ainda no deserto de si mesmo.

  23. Mesmo morcegos mal-humorados moram. Muitos meditam, mas mal.

  24. “Eu tenho um plano”. E abriu a porta.

  25. “Os tolos perdem no fim” — visão idealista. “Tolos são os que perderam” — visão prática.

  26. “Technically, a vampire is a sucker.” “Please, do not offend our guest.”

  27. “O carteiro me trouxe uma carta branca hoje,” disse o lunático que assaltou o banco.

  28. “É preciso estar feliz para ver a alegria dos passarinhos”. “É preciso estar alimentado” — disse o outro gavião.

  29. “Nasceu em 1943.” “Morreu em 1987.” “Morreu em 1989.”

    “Rápido, guri, volte para o carro porque está anoitecendo.”

  30. Os Antigos Gatos só ensinaram seu pulo aos gatos modernos.

  31. Acidentou-se com uma folha de papel-ofício. Usou-a para escrever as palavras proibidas, “eu te amo”.

  32. “Bad films suck! Porn stars suck!… er… sorry for my fingering… I mean, my thinking…”

  33. Homens e mulheres discordam num ponto. G.

  34. “Sou virgem,” disse ela. “Que bom, combinaremos bem, sou Libra,” disse ele.

  35. “Querido, só ontem descobri quem foi Lady Godiva. Se você não tivesse sido tão literato eu teria usado a fantasia para você há muito tempo.”

  36. O sábio chinês cochichou no ouvido do aluno: “nunca conte a um brasileiro que nem todos aqueles ditados são nossos”.

  37. Namorava uma russa. Ele deixou a barba crescer porque ela lhe disse que gostaria que ele se parecesse com Rasputin. Ela não gostou e terminou. Anos depois descobriu que as mulheres não gostavam de Rasputin por causa da barba.

  38. “Acho que perdi meu tempo com você”, disse Cronos a Réia.

  39. Quando acordou sentiu-se menos homem. Felizmente era mulher.

  40. Ganhou o apelido de Fênix porque aparecia bem-humorado nas quartas-feiras de cinzas. No resto do ano vivia esquentado.

  41. — Vou lhe dar três chances. — Ok, posso tentar a primeira? — Muito bem, então diga. — Dizer o que? — A respostas, bolas! — Uai, mas como… — Acertou!

    A pergunta do programa de televisão era “para que serve uma banana”.

  42. “Nunca mais vou querer saber o que é amor platônico”, disse, dolorido, o jovem discípulo de Platão enquanto voltava para casa.


  1. Na verdade, os árbitros poderiam ter desqualificado quase todas as tentativas, que eram de péssima qualidade, no geral. No entando, entre as 42 tentativas há pelo menos dez que ralmente se qualificariam como “microcontos” (as de número 1, 4, 9, 10, 21, 24, 29, 31, 39 e 40). Desta maneira, eu teria produzido dez microcontos válidos em um intervalo de trinta minutos — o que ainda teria sido argumento forte em favor de minha tese segundo a qual produzir microcontos não requereria nenhum esforço além de uma boa “sacada”.↩︎

Arquivado em: crônica