Quando eu estudava, ainda não existiam essas pequenas maravilhas eletrônicas que hoje caracterizam nosso dia-a-dia. Pesquisas eram feitas em bibliotecas empoeiradas — o bibliotecário era tido como um depositário de saber, reverenciado. Os trabalhos eram penosamente manuscritos, depois transcritos à máquina ou simplesmente passados a limpo por quem tivesse letra bonita. E o trabalho de rascunhar era ainda mais dificultado pelo tipo de material com que tínhamos de trabalhar.
Há vinte anos, não existiam mais que quatro marcas de caneta esferográfica (Bic, FaberFix, Compactor e Pilot). Se haviam mais, eram encontradas só em cidades maiores. As canetas vinham em três cores: preto, azul e vermelho. As pretas eram raras, na maioria das papelarias só havia canetas azuis ou vermelhas. As verdes, quando apareceram pela primeira vez foram uma sensação, prontamente banida pela intolerância de alguns professores que as julgaram inadequadas para qualquer coisa além de rabiscos e desenhos.
Nós que eramos pobres e comprávamos nosso material escolar na Fename tínhamos de nos contentar com canetas Compactor, que eram mais baratas, os corpos feitos de um plástico opaco e quebradiço e a tinta fedorenta e mais clara. As Bic também eram baratas, compradas na padaria da esquina quando as canetas da Fename, atendendo ao seu princípio de design, deixavam de funcionar após algumas semanas. Usar canetas FaberFix, e principalmente Pilot, era marca de status.
Os cadernos de noss época também não eram nenhuma maravilha comparados aos de hoje. As folhas eram de pautas simples — cinza ou azul — sem esses desenhos, essas marcas d’água coloridas, esses calendários, essas papagaiadas todas. Eram simplesmente folhas pautadas onde se podia escrever. Com alguma sorte havia um margem esquerda, feita de uma linha vermelha ou preta. E só. Em sua maioria eram brochuras de 48 ou 96 páginas. Cadernos de várias matérias com espiral eram coisa de filhinhos de papai. Só fui ter meu primeiro caderno espiral quando já estava no segundo grau. Eram caros e os pais não gostavam porque os filhos podiam facilmente subtrair folhas para usos escusos, tais como desenhar, escrever cartinhas de amor ou jogar adedanha?. Alunos mais esnobes, filhos de pais ainda mais esnobes, usavam cadernos Caderflex, encadernados cuidadosamente em capas revestidas de nylon (azuis ou vermelhas, quase sempre).
Borrachas, réguas, tudo era simples, com poucas opções de marcas. Quase todas as borrachas eram brancas e borravam as folhas dos cadernos, especialmente os cadernos dos alunos menos higiênicos que não lavavam as mãos antes de estudar. Quem usava borrachas verdes ou verdes/vermelhas da Mercur também tirava onda. As réguas eram quase todas transparentes, de plástico frágil e invariavelmente tortas. Descolar uma régua melhor, de madeira ou de alumínio, era um triunfo. Um de meus traumas de infância foi justamente me terem roubado uma régua de alumínio que ganhar de presente de minha tia.
E não é preciso nem dizer que o material escolar se limitava a isso. Poucos comprávamos livros. Quando o governo passou a fornecer, eram livros horríveis, impressão monocromática e texto péssimo. Nenhuma das tecnologias hoje comuns, tais como iPod, celular, agenda eletrônica, Palmtop, etc. estavam disponíveis. A coisa mais parecida com um iPod era o walkman, um toca-fitas portátil que tocava sessenta minutos de música em cada fita cassete (que ocupava individualmente mais espaço que um mp3 player que toca horas de música).
Por isso é que tenho esse meu fascínio por papelarias até hoje. Entrar numa dessas lojas é uma espécie de passeio para mim. Gosto de percorrer os corredores olhando as inúmeras marcas de canetas, nacionais e, veja só que coisa, importadas! Folhear os cadernos dos mais diversos tipos, pegar em minhas mãos as réguas de precisão, as caixas-arquivo, as pastas dos mais diversos modelos, os grampeadores (só os professores os tinham!), os perfuradores de papel (você ia numa papelaria e pagava para que encadernassem o seu trabalho, o que consistia em perfurar e colocar numa pasta-trilho!).
Esse fascínio que sinto pelas coisas inimagináveis no meu tempo (como por exemplo estar usando esse computador para escrever essa crônica) é muito menor do que o fascínio de poder ver a realização dos sonhos que eu tive em menino, essa fartura de opções e de coisas que fazem as papelarias parecerem parque de diversões.
Não, não existe nada mais fascinante que isso. Realizar o impossível é surpreendente sim, mas é meio melancólico também. Nos dá a impressão de que nem sabíamos sonhar. A realização do desejado é que nos enfeitiça mais, porque é como se o destino andasse perguntando às pessoas para que lado deveria ir.