Letras Elétricas
Textões e ficções sem compromisso
by J. G. Gouvêa Atualizado em date: 2021-05-05

Razões para ser seu próprio editor

Publicado em: 11/01/2009

Existem as mais variadas razões pelas quais você pode querer editar autonomamente um livro, revista, catálogo, calendário ou qualquer outra coisa. Ao que parece, um número suficiente de pessoas no mundo tem o mesmo interesse, o suficiente para criar uma indústria para a satisfação de tal desejo.

As razões mais comuns são:

  1. Desejo de ter um livro personalizado, de baixa tiragem, com conteúdo exclusivo;
  2. Necessidade de editar um livro não-comercial a baixo custo;
  3. Produção rápida de material como apostilas;
  4. Desejo de controlar todo o processo de edição;
  5. Preparação de um exemplar para fins de apresentação.

No meu caso específico, as razões 1 e 2 são as mais importantes e a número 4 apenas marginalmente importante, mais como conseqüência da segunda.

Tipografia e Qualidade

Realmente é muito natural que os autores não se envolvam na qualidade tipográfica da impressão de seus livros. Eles apenas os querem publicados e, se tiverem poder de barganha, “bonitos” (de forma subjetiva, sem saber como alcançar esta beleza).

Obter tal beleza não é fácil: todos temos visto livros feios por aí. Seja pela escolha equivocada de fontes, seja pelo excesso de ornamentação, seja pela paginação incorreta ou pelo excesso de peso do texto. Um livro feio é um livro difícil de ler, um livro que repele o leitor e que, portanto, não será tão bem vendido quanto um livro bonito. As pessoas, por mais que queiram o livro pelo seu conteúdo, na hora de comprar levarão em conta o conforto de lê-lo.

Não importa como você vai publicar o seu livro, você quer que ele seja “bonito”, no sentido de que sua qualidade o ajudará a ser mais legível. Boa parte das editoras é capaz de obter este efeito, mas entre as editoras menores são muitas aquelas cujos profissionais não sabem muito mais de tipografia do que eu ou você.

Fazer um livro não é apenas digitar a esmo o texto que você quer publicar e depois mandar imprimir de qualquer maneira. Isto até um imbecil é capaz de fazer ― e a julgar pela qualidade de certos livros que vemos, especialmente edições eletrônicas, este deve ser o nível de conhecimento dos que preparam alguns livros. Fazer um livro envolve uma série de escolhas que como tamanho, cor, gramatura e textura do papel; tamanho, estilo e tipo da letra; tipo de impressão; ilustrações, etc. Envolve também uma série de pequenas “especialidades” hoje meio esquecidas, tal como o emprego correto dos sinais de pontuação e de ornamentações, o tamanho da mancha de texto na página, localização e preparação de índices, numeração de seções e notas, etc.

Quando você tem bastante dinheiro e nenhuma paciência você entrega seu livro digitado em algum formato editável (Word, na maioria dos casos) e uma editora lhe cobrará algumas centenas de reais pela “revisão”, que nada mais é do que fazer por você aquilo que normalmente deveria ter sido feito por você mesmo: a digitação correta do texto. Depois da “revisão” a editora lhe cobrará mais algumas centenas de reais pela “diagramação”, algo que, assim dito, parece um ritual de magia negra, mas que, na verdade, é algo relativamente simples de se fazer se você tiver alguma paciência e certa vontade de economizar centenas de reais.

Limitações do Desktop Publishing

Quando foram vendidas as primeiras impressoras de custo mediano e os primeiros computadores pessoais falou-se que havia sido tornado possível que os próprios autores se tornassem os editores de seus livros. Desktop Publishing seria o escritor, do alto de sua escrivaninha, preparar tudo que fosse necessário para a edição de seu livro, eventualmente imprimindo-o e encadernando-o em casa ou enviando-o para impressão em uma gráfica.

Nada disso se concretizou, pelo menos não no Brasil. As gráficas de nosso país, por certas razões que não especulo, embirraram e ainda teimam em não aceitar originais em PostScript ou PDF, formatos eletrônicos que, no exterior, onde as pessoas costumam ser tratadas como pessoas e não como fontes de dinheiro fácil, são considerados formatos padrão da indústria gráfica. Nossas gráficas e editoras exigem a submissão de originais no formato Word e cobram pela “revisão” e “diagramação” desse texto que recebem.

Tudo estaria muito bem se estes serviços pelo menos fossem prestados com algum diferencial interessante. Não é o que se vê, no entanto. Ainda que bem revisados e bem diagramados, os resultados oferecidos pela indústria gráfica e editorial não são muito superiores ao que uma pessoa razoavelmente “descolada” conseguiria obter do alto de sua própria escrivaninha.

A questão aqui é que as gráficas e editoras têm uma fonte garantida de recursos cobrando por estes serviços aos candidatos a escritor. Com preços tabelados lá em cima, quando chegam a efetivamente imprimir o seu livro elas já asseguraram pelo menos boa parte da recuperação do custo real envolvido. A parte restante será recuperada, com sobras, quando você comprar a tiragem inicial (que vai ficar encalhada em sua garagem) e a partir de então, qualquer livro que ela venda já será lucro.

Na Europa e nos Estados Unidos os autores que desejam fazê-lo podem publicar a partir de sua escrivaninha, tal como sonhado nos primórdios do Desktop Publishing. Podem fazer isso porque as gráficas e editoras de lá oferecem um método alternativo que atende a quem não tem dinheiro e nem prestígio, mas quer fazer um livro para testar o mercado. Como sabemos, suprimir alternativas não é uma prática de mercado muito idônea, especialmente considerando que a maioria das gráficas nacionais possui o mesmo tipo de equipamento que as gráficas da Europa e dos Estados Unidos. As impressoras DocuTech e outras assemelhadas já estão no mercado há mais de dez anos e seu custo se torna cada vez menor, possibilitando a existência de serviços como a Lulu.com.

O Modelo de Impressão Sob Demanda

Atualmente existem impressoras digitais de alta velocidade e qualidade que são capazes de realizar o sonho da publicação doméstica (Desktop Publishing). Estas impressoras começaram a ser disponibilizadas no mercado há cerca de dez anos quando a Xerox lançou sua DocuTech. De lá para cá quase todas as fabricantes de impressoras lançaram modelos concorrentes, barateando ainda mais a tecnologia.

Com estas impressoras surge a impressão sob demanda, um novo modelo de negócio no mercado gráfico para atender às necessidades específicas de empresas que desejam produzir material gráfico personalizado ― como manuais, calendários, blocos de notas e cartazes ― mas também de escritores amadores ou autores de livros técnicos de duração efêmera.

Para os escritores amadores, a impressão sob demanda é um achado. Afinal, não é todo escritor que tem condições de se profissionalizar e enfrentar os prazos, custos e padrões do mercado editorial convencional. Através da impressão sob demanda é possível ao escritor amador produzir uma baixa tiragem (de até um único exemplar, se quiser) sem necessidade de ISBN, para desta forma realizar o seu sonho de pôr o próprio livro na estante e de enviá-lo para algumas pessoas certas que, potencialmente, o iniciaram no mercado profissional.

Infelizmente, para as editoras brasileiras, isto ainda não é uma realidade. Elas ainda insistem em tratar todos os escritores que as procuram da mesma forma: tentam impôr-lhes um pacote fechado de serviços que resulta em um lote de centenas de livros compostos e impressos segundo os padrões da editora, com um ISBN e um registro pagos por intermédio dela. O custo deste pacote é geralmente alto, da ordem de alguns milhares de reais, quando em muitos casos o que o autor deseja são apenas alguns exemplares para sua biblioteca pessoal e para distribuição a alguns amigos.

Desta forma, somos forçados a recorrer a serviços localizados no exterior, já que as editoras e gráficas do Brasil se recusam a explorar o mercado da impressão sob demanda para pessoa física. De acordo com as alegações destas empresas, é realmente muita sorte minha que a Lulu.com, uma empresa que já existe há oito anos, esteja disposta a perder dinheiro para fazer os meus livros…

Sendo Seu Próprio Editor

Trabalhar com impressão sob demanda requer que o candidato a autor assuma uma série de responsabilidades que ele normalmente delega à sua editora: revisão, diagramação, registro legal, leiaute de capa e distribuição.

No caso da revisão, é possível fazer uma boa revisão ortográfica e gramatical usando programas normais de edição de texto, como o MS Word e o OpenOffice (com as extensões Vero e CoGrOO). Um escritor, artífice da língua, não deve ser o tipo de pessoa que tem dificuldades em discernir, dentre o que é marcado pelo corretor, o que é erro mesmo do que é falha do programa de correção. Revisão estilística, naturalmente, só será possível se você pagar a alguém que o faça por você.

Diagramação é a parte mais fácil, desde que você esteja disposto a aprender a mexer com alguns softwares novos. Se você tem dinheiro sobrando, talvez queira gastar alguns milhares de reais no Adobe InDesign, o programa que 9 entre 10 editoras brasileiras usam para criar seus layouts de texto. O problema é que, por esse preço, vale mais a pena pagar à editora… A alternativa então é usar um programa gratuito e, felizmente, há dois que fazem a mesma coisa, com razoável grau de qualidade: o Scribus e o TEX. O primeiro é para quem já está acostumado com edição eletrônica usando o InDesign ou outro software equivalente. O segundo é para quem não tem o benefício de tal experiência e deseja uma solução mais rápida, com menos curva de aprendizagem. Embora assustador à primeira vista, o TEX se revela, aos olhos de quem não tem rejeição automática ao novo, um programa surpreendentemente elegante e fácil de usar, com duas vantagens: ser gratuito e oferecer um resultado muito profissional.

O leiaute de capa é a parte mais espinhosa, porque envolve o cálculo da largura da lombada. Presentemente, a facilidade oferecida por seus “assistentes” é o principal argumento pelo qual acho o serviço da Lulu.com o ideal para o autor que deseja publicar seus próprios livros. No site da Lulu.com o autor pode criar um leiaute com o tamanho correto da lombada e usá-lo como modelo para desenvolver sua própria capa.

Tendo ultrapassado estas etapas, você poderá encomendar dois exemplares de seu livro: um para prova e outro para registro na Biblioteca Nacional. Obtido o registro, confeccione uma ficha catalográfica e você já estará a 3/4 do caminho para editar seu livro. A partir de então você deve obter um ISBN via Lulu.com mesmo ― e aqui você fará o seu primeiro investimento de grande porte. Tendo um ISBN você já pode distribuir o seu livro pelas livrarias virtuais (onde ele, provavelmente, não venderá nada) e colocar os exemplares que adquirir nas livrarias onde conseguir negociar ― e é aqui que você começa a entrar no negócio.

Conclusão

Ser o próprio editor está longe de ser a solução ideal, mas é uma solução adequada para os casos em que você quer pôr em sua estante um livro que sabe não ter potencial comercial. Este é o caso, por exemplo, dos oito volumes de minha Obra Poética completa. Quem compraria tais livros? Certamente ninguém. Então eu vou fazer alguns exemplares deles para pôr em minha estante e talvez distribuir para algumas bibliotecas, e só.

Outro caso em que a impressão sob demanda se torna interessante é quando você quer exemplares de prova, seja para fins de registro na Biblioteca Nacional ou para submeter originais com qualidade tipográfica superior. Um livro impresso sob demanda é também um bom livro-presente, já que é um exemplar único.

Seja qual for a razão que você encontre para trabalhar com impressão sob demanda, você deve ter o direito de fazê-lo e é um absurdo que tenha de recorrer a uma empresa americana para tanto. Esperemos que um dia surja no mercado brasileiro uma empresa que atenda a este nicho específico de mercado que delineei aqui.

Arquivado em: incompletos
Assuntos: publicacao