Um dia Mariana abandonou Roberto, sem explicações e rituais. Apenas foi-se embora de sua vida, sem que mesmo fosse para ir viver com outro homem, foi-se de tédio. Revoltado, magoado, diminuído, ele passou dias remoendo a raiva, impotente.
Por fim rendeu-se à paixão: ligou para o auxílio à lista e descobriu seu novo telefone. Sem pensar duas vezes, ligou para fazer juras de amor, na esperança da volta. Debalde, quem atendeu foi uma secretária eletrônica:
— Aqui é 3666–4545. Por favor, deixe seu recado após o sinal.
Mesmo ouvindo a voz metálica, suspirou e deu seu recado:
— Meu amor, preciso de você. Por que me deixou assim? Você me ignora agora… Se foi algo que disse, algo que fiz, pelo menos me diga para que possa tentar consertar. Não tenha receio de mim, abra seu coração. Preciso de você. Me responda, por favor…
Disse sem muita esperança, sabendo que estava sendo desastrado — e, Deus, como estava! Mas como escolher as palavras certas se o coração está quente e o sangue sobe com força pela carótida? Disse o que lhe vinha à mente, na esperança de funcionar.
E não funcionou, lógico. Isso o irritou razoavelmente. No dia seguinte tentou de novo, pela manhã:
— Aqui é 3666–4545. Por favor, deixe seu recado após o sinal.
— Meu amor, sei que não deve achar isso certo, mas preciso falar com você. Entender por que me rejeita. Por favor, me ligue.
Não esperou que respondesse: foi trabalhar. Ligou de novo na hora do almoço, ouvindo outra vez aquela saudação maquinal. Outra vez protestou juras de afeto perdido, implorando respostas, murmurando esperanças vãs. Declarando um amor total.
Voltou ao trabalho e só tentou de novo à noite. Então demorou bem mais, quase meia hora de suaves palavras entrecortas pelos intervalos de rediscagem. Chegou a tocar música, mesmo sabendo que apenas a secretária eletrônica ouvia e que quando Mariana voltasse apagaria suas mensagens sem as escutar.
Assim foi pelos dias seguintes, várias vezes. Nunca recebia resposta, mas continuava ligando, pela manhã, à tarde e à noite. Duas semanas durou essa rotina de lamúrias telefônicas. Durou até os créditos da sua conta telefônica pré-paga com limitador de custos chegarem ao fim. Ainda voltou a ligar mais umas vezes, usando o telefone móvel, mas não foi a mesma coisa. Detestava. Aparelho sem privacidade, desconfortável seu calor na orelha. Desistiu logo da primeira vez, nem chegou a dizer muita coisa.
Chegou um novo mês e novos créditos gerados pelo pagamento em dia da conta. Voltou a ligar, mas com menor frequência: somente à noite, quando a solidão batia forte. Por fim ligava apenas semanalmente e foi até que desistiu.
Ficou três semanas sem ligar. Lambia em paz suas feridas e já se sentia pronto para embarcar em outro relacionamento. Ocasionalmente até sentia um ímpeto de pegar o telefone e ligar outra vez, mas tomara a firme decisão de não nunca mais: “Sofrerei, mas não mais vou me ajoelhar diante de Mariana”.
Então chegou o sexto sábado desde o início de sua solidão. Estava em casa assistindo uma comédia, mamando leite condensado da lata, enrolado em um cobertor por causa do frio do inverno paulista, quando tocou o telefone, algo que não acontecia há vários dias.
Atendeu devagar, já se perguntando quem poderia ser. Do outro lado uma voz metálica familiar, porém com alguma coisa que parecia ter mudado, pronunciava entre chiados e estática:
— Aqui é 3666–4545. Por favor, deixe seu recado após o sinal.