Judah Stevens ganhou os primeiros trocados escrevendo discursos para políticos e anúncios de xaropadas curativas no jornaleco local. Tinha sido bom em redação na escola e por isso o haviam recomendado a um cargo na Prefeitura, por influência de sua família relativamente influente.
Com o tempo tornou-se o braço direito de ambos os partidos. Na calada da noite, como vampiros, homens de terno o procuravam com encomendas ilegais: “queremos discurso contra a privatização da rodovia”. No dia seguinte outros homens, de ternos iguais e voz idêntica encomendavam outra coisa: “queremos discurso contra a estatização da rodovia”. Não tinha vergonha, era divertido quando sua palavra causava desentendimentos, destruía alianças, construía esperanças, cimentava improváveis conluios.
Não era só para discursos que o queriam: logo os poetas descobriram sua incrível facilidade para corrigir pés-de-verso, os prosadores de indecisas orações queriam sua argúcia para remendar erros gramaticosos. Revisava romances, polia poemas, cortava contos, tratava de teatro e escrevia epístolas.
Um dia seu tio lhe deu um alerta, “cuida de tua própria horta, estúpido, e deixa dessa mania de se achar mórmon americano”. Ele se sentiu de novo Jairo Santos. Mas depois passou quando lhe pagaram patocentos reais por uma tese em filosofia. O tema, claro, foram os sofistas. Dotado de seu doutorado imaginário em eufemística, passou a cobrar mais caro.
Mas outro dia, voltando da missa regulamentar, aconteceu um apagão e o céu ficou vermelho escuro. Olhou para as nuvens pesadas e viu uma legião de esquálidos e míopes estafetas matraqueando máquinas de escrever entre as gazas.
“Estarei louco, o que é isso?” — perguntou a si mesmo. Uma voz em algum lugar, incorpórea, lhe respondeu. “Muda de vida ou serás um dia como eles. Estes são os ghost-writers amaldiçoados. Eles passarão a eternidade escrevendo roteiros encomendados e discursos de vereadores.”