Gosto de textos que têm entrelinhas — que deixam na gente a expectativa de que há nas dobras das palavras um sentido oculto, um “apesar de você” que manda o governo à merda. Aprendi isso ouvindo Chico Buarque, percebi que na literatura isso é a carne que transformará o osso de uma história simples no corpo de uma obra que vale arte.
Mas não gosto de textos que querem que “eu” imagine a história. Imaginar eu sei sozinho, até demais: há ocasiões em que me pego conversando com ninguém, de tanta imaginação. Acredito que esta seja uma faculdade que muitas pessoas têm; apenas nem todas desenvolvem porque não aprenderam a dar valor, porque não conhecem nem praticam a leitura de livros “imaginativos”. Penso que nada estimula tanto minha imaginação quanto conhecer a de outra pessoa. Para isso que leio. Conhecendo outra imaginação, situo-me no mundo, aprendo coisas, adquiro referências para expandir meus horizontes. Posso me identificar com a imaginação do outro, ou desenvolver todo um sistema para rejeitá-la. O que não posso é ficar indiferente a uma ideia, seja porque me fascine ou porque me repila. Quando, por outro lado, leio um livro que não consegue transmitir a imaginação do autor de uma forma que consiga ter a experiência dela, tenho a impressão de que é uma obra fracassada ou, pior, rascunhada. Fracasso vem de incompetência, mas o rascunho permanece por desinteresse em fazer melhor, em terminar. O fracasso é heroico, o rascunho é tedioso. a leitura de livros “imaginativos”. Penso que nada estimula tanto minha imaginação quanto conhecer a de outra pessoa. Para isso que leio. Conhecendo outra imaginação, situo-me no mundo, aprendo coisas, adquiro referências para expandir meus horizontes. Posso me identificar com a imaginação do outro, ou desenvolver todo um sistema para rejeitá-la. O que não posso é ficar indiferente a uma ideia, seja porque me fascine ou porque me repila. Quando, por outro lado, leio um livro que não consegue transmitir a imaginação do autor de uma forma que consiga ter a experiência dela, tenho a impressão de que é uma obra fracassada ou, pior, rascunhada. Fracasso vem de incompetência, mas o rascunho permanece por desinteresse em fazer melhor, em terminar. O fracasso é heroico, o rascunho é tedioso.
Ler uma obra cheia de lacunas é frustrante. O autor incompetente ou desinteressado poderá dizer que deixou-as para “estimular a imaginação do leitor”, é uma desculpa da moda, mas quando o autor não dá suficiente valor à própria imaginação para querer apresentá-la ao seu leitor, como espera a consciência deste do valor de sua imaginação? Isso me soa como “faça o que digo e não o que eu faço”. Em termos literários sou adepto do “vem comigo”. Acho um convite mais interessante que o “vai lá”. Cheio de vitalidade, ação e aventura; em vez de uma vaga sugestão, cheia até de certo tédio.
Existe outro aspecto ainda que me enfastia nestas obras: uma vaga e incômoda sensação de que estou sendo enganado. Quando eu vou a uma apresentação musical, estou interessado no que os músicos vão apresentar. Cantar mal eu canto no banheiro, e faço isso de graça. Diante do palco, eu quero ver alguém que cante e toque melhor que eu. Se o artista que sobe ali começa a me pedir que cante eu começo a achar que ele não quer cantar e então o espetáculo que ele deveria me dar em troca do dinheiro do ingresso acaba sendo feito por mim e pelos outros que foram — não por ele que é pago para isso.
Eu acredito que a literatura sofre o mesmo tipo de empulhação quando o autor deixa lacunas “propositais” para que o leitor preencha com sua “imaginação”. Tal como o cantor maroto, que preserva a sua voz para dar mais três shows na mesma noite, sacrificando a qualidade do espetáculo, o escritor larápio subtrai trabalho à sua obra, deixando-a incompleta para que o leitor finalize. Assim poderá produzir mais obras em menos tempo, pois não precisará terminá-las. Os seus leitores gostarão delas assim mesmo, trapaceados pelo argumento do estímulo à imaginação, enquanto o escritor enche os bolsos produzindo em série obras que não precisam ser arrematadas.
Há quem aprecie esses autores, que usam a imaginação do leitor para cimentar os buracos que deixam na obra, por inépcia ou desinteresse, tanto quanto há quem goste de pagar o ingresso do show de um cantor da moda e ouvi-lo apenas “comandar” o espetáculo, mandando a plateia cantar no seu lugar. Só que não entenderei nunca a razão pela qual as pessoas pagam para fazer algo que elas poderiam fazer de graça, sem comprar livro ou ingresso. Reunir a plateia sem cantor é muito mais barato e, se o show vale apenas por encontros e paqueras ao som de música, certamente a “aparelhagem” teria um cachê mais barato e o mesmo efeito. Da mesma forma, imaginar sozinho não custa tanto e o dinheiro do livro sobra para um sanduíche…