Letras Elétricas
Textões e ficções. Tretas e caretas. Histórias e tramóias.
by J. G. Gouvêa

Eu Encontrei o Amor

Publicado em: 19/08/2010
Poema em prosa escrito em setembro de 2002

Eu encontrei o amor de passagem por uma cidade estranha. Não fui ingrato de não lhe dar um sorriso, mas não estou conseguindo pensar direito mais desde aquele fatídico instante em que ele me rendeu como um assalte à sua vítima e levou de mim o único juízo que eu tinha. Margarida também percebeu, mas não tinha no bolso arma com que se defender do sorrateiro e acabamos terminando a noite dizendo bobagens um ao outro. Fizemos promessas que agora teremos de cumprir, despedimo-nos com votos de felicidades mas não pudemos seguir separados os nossos rumos porque eu tive de ser educado e oferecer-lhe uma carona de volta à sua casa em meu carro. Foram mais duas horas de convivência e nós não fomos fortes o bastante para resistir.

Agora estou com dificuldades para chegar ao final da semana porque sei que serei obrigado a ligar-lhe na sexta-feira e sei também que ela espera, horrorizada, que eu o faça. Logo agora que eu estava começando a ser um profissional bem-sucedido e tinha dinheiro para pagar mulheres. Logo agora que ela tem oportunidade de subir profissionalmente e poderia usar sua beleza para isso; eis que estamos presos um ao outro e impotentes diante dos demais. E temos de encontrar-nos na sexta-feira e no sábado. E temos de viver juntos tantos minutos quanto pudermos até finalmente esgotar-se o fim-de-semana em uma segunda-feira.

Não demorei quase nada para reconhecer os sintomas porque não estou enferrujado em minha perspicácia, apesar de me julgarem um tonto. Só que minha frieza não me ajudou e estou apaixonando-me.

Não posso me enganar: foi exatamente igual ao que sentiu o rapazola magrinho e de pernas grandes quando viu Adriana, parecido ao que atingiu o poetinha ingênuo que convidou para sair uma falsa Beatriz, idêntico ao que cegou um idiota que rendeu-se aos abraços e ao beijo íntimo de Elza.

Tendo, portanto, consciência do que estou fazendo, dedico-me a seduzir ainda mais essa jovem sorridente, enquanto eu próprio sou amarrado e amordaçado por suas mãozinhas frágeis e seus dentinhos que parecem querer comer-me.

Quando me der por mim, serei uma rês laçada. Que pena que só tomei tino de minha desgraça quando já era tarde para que fugisse ou gritasse que tentassem me impedir. Infelizmente ela não era uma garota de lá, alguém que o tempo me faria esquecer. E de novo delinqui contra meu credo pessoal.

Da próxima vez eu espero ter mais cuidado.

Arquivado em: poesia
Assuntos: monólogo niilismo