Dizer que nacionalismo não é uma boa coisa é praticamente um artigo de fé da esquerda e da direita. Pelo lado esquerdo, ele é visto como o grande monstro que causa as guerras, desune a humanidade e aliena o povo da luta por condições de igualdade. Pelo lado direito ele é visto como um entrave à livre movimentação dos interesses e dos capitais. No entanto, enigmaticamente, elementos nacionalistas estão presentes em ambos os discursos.
Se existe um campo onde o nacionalismo ainda encontra terreno livre para expressar-se, este é o da cultura, no qual cada país tenta defender-se do “estrangeiro” e assegurar a continuidade de sua própria herança cultural. Para o nacionalista cultural não existe, de fato, a troca de ideias e elementos entre as diversas culturas: o que há, em vez disso, é a influência assimétrica de línguas hegemônicas (como o inglês, globalmente falando). Eu tendo a acreditar que isto é verdade.
Dificilmente você encontrará muitos vocábulos de origem portuguesa, por exemplo, em qualquer outra língua do mundo. Em inglês eles praticamente não existem, e os que existem têm sentido muito específico, sendo em alguns casos herdados de séculos passados. No entanto, existe uma abundância de anglicismos em uso no português. Como acreditar na livre troca das ideias diante deste quadro. Não existe “troca” quando o movimento é num sentido único.
Claro que o tema dos anglicismos pode ser exagerado. No caso do futebol, por exemplo, houve um tempo em que todos os termos relacionados ao esporte eram importados: goalie, back, half-back, center-forward, corner, penalty, free kick, goal kick, foul, jersey, trunks, referee, linesmen, scratch… Hoje todos estes termos foram substituídos por termos em português ou então adaptados, na medida do possível: goleiro, zagueiro, volante, centro-avante, escanteio, penalidade, cobrança de falta, tiro de meta, falta, camisa, calção, árbitro, bandeirinhas, escalação. Não é, portanto, impossível que em um futuro não muito distante vejamos a substituição de termos hoje “insubstituíveis” da informática, por exemplo: mouse, driver, notebook, webcam… A substituição até já começou: placa-mãe, disco rígido, teclado, gabinete, porta, etc.
Então, devemos supor que o nacionalismo linguístico é uma besteira, certo? Talvez seja. Mas há muitos casos nos quais uma ideia parece equivocada não por estar errada, mas por identificar o alvo errado. No caso, eu acredito que o alvo do nacionalismo linguístico não deveria ser a introdução de anglicismos, que pode ter um efeito temporário, mas sim a subalternização do português diante do inglês no imaginário da juventude.
Digo isso porque é cada vez comum, os jovens recorrerem ao inglês para efeito estético. Eles querem dar nomes em inglês aos textos que escrevem, provavelmente porque acham que fica “mais bonito”. Eles querem dar nomes ingleses aos seus filhos, porque chamam mais a atenção. Eles querem usar expressões inglesas em sua fala porque elas dão um “diferencial”, uma distinção pessoal. Pelo menos é o que imaginam eles.
Então fica claro que não estamos diante da supressão de lacunas pela introdução de termos estrangeiros, mas de uma relação linguística na qual o português é visto como insuficiente e o inglês se apresenta como o elemento definidor de um discurso superior. Algo não muito diferente do que ocorria, na antiguidade, em terras sob o domínio romano. E lá se foram o gaulês, o helvécio, o púnico, o celtibero, o turdetano, o etrusco, o falisco, o volsco, o sabino, o britânico…
Não ouso afirmar que o português será suprimido pelo inglês, como o gaulês o foi pelo latim. Afirmar isso seria esticar demais os fatos, possivelmente até a lógica arrebentar. Mas é certo que isso, a longo prazo, tem tido efeitos negativos sobre a preservação de nosso léxico, sobre a auto-estima de nosso povo e sobre o processo de inclusão social.
Até que ponto, bem, um dia, metido em um curso de mestrado ou doutorado, eu vou tentar avaliar. Até lá, me reservo ao direito de supor, com base nos dados parciais que tenho, que a coisa certa a fazer é trabalhar em prol da preservação de minha língua. Entre outras medidas neste sentido, tento evitar o quanto possível empregar palavras de origem estrangeira.