Na vida existem aqueles momentos que se tornam definitivos, para o bem ou para o mal. Olhando em retrospecto, você identifica: antes daquele dia eu ainda era um bobão, desde esse dia eu mudei para melhor, descobri naquela semana que eu amava aquela mulher, etc. Na maioria das vezes essas mudanças acontecem sem que consigamos acompanhar: é como uma lenta subida de enchente, que só o assusta quando a água vem à soleira da porta e você não sabe de verdade quando foi que começou. É muito fácil saber que o rio veio à porta, difícil é dizer quando o rio começou a subir.
Existem, porém, algumas mudanças que são mais rápidas, mais pesadas. Você não precisa esperar pela sabedoria dos anos para olhar o passado e notar o desvio. Basta, nesses casos, ter alguma sabedoria para notar que uma mão invisível o está entortando para determinado rumo, irresistivelmente. Tive a oportunidade de sentir isso em quatro oportunidades durante a minha vida. Duas destas oportunidades são coisas pessoais demais para que eu ouse mencionar aqui, mas duas delas eu posso discutir.
A primeira destas circunstâncias (na verdade a segunda, considerando as outras duas que não vou mencionar) foi em 1997. Não lembro a data exata e não vou consultar meu diário poético desses anos porque esta pesquisa me faria perder o fio do pensamento que me conduz nesse momento. Sei que coincidiu com uma forte cólica renal, que me deixou prostrado na emergência de um hospital em Cataguases durante horas, tomando anti-inflamatórios, analgésicos cavalares e calmantes. Ao despertar, finalmente expelindo um cálculo negro, espinhoso e duro, notei que o cheiro de meu corpo era diferente. Sim, o cheiro. Existem muitas coisas sutis que mudam em nossas vidas e não nos ligamos, não percebemos. Eu tenho alguma sensibilidade para estas pequenas coisas, talvez por isso me achem tão estranho. Naquele dia, ao despertar de horas de sedação e de dor, eu notei que meu suor mudara de natureza. Eu tinha meus vinte e três ou vinte e quatro anos e naquela manhã de inverno eu percebi que meu corpo já não exalava o tênue cheiro de leite que eu sempre havia sentido nele, mesmo quando suava, mesmo quando sujo. Em vez do cheiro adocicado e leve que me havia caracterizado antes, eu sentia um odor azedo e desagradável, que não saiu nem com os banhos que tomei. Naquele dia, refletindo sobre a mudança, eu identifiquei que havia biológicamente chegado à idade adulta.
A última destas mudanças súbitas ocorreu ao longo deste ano, entre janeiro e ontem. Foi neste ano que eu percebi o avanço inexorável dos pêlos brancos pela minha barba (especialmente nas três últimas semanas) e no ressecamento da pele de meus pés. Sim, estou envelhecendo. Se a mudança do cheiro de meu corpo sinalizou a idade adulta, estes dois outros sinais indicam que chegou ao fim o “planalto da juventude”, que se estende entre meados dos vinte e meados dos trinta. Cheguei à beira dele e agora devo descer rumo ao vale da velhice.
Que me seja longa a descida. E que eu chegue lá.