Neste exato momento, em alguma caverna do Oeste dos Estados Unidos, um idoso senhor está fazendo “facepalm” dentro de casa. O nome do homem em questão é Harold Camping, ele tem 89 anos e tem sido há décadas o presidente e o guru de um movimento cristão fundamentalista chamado “Family Radio”. Se você ainda não sabe do que estou falando, saida da sala de descontaminação, tire seu traje de viagem espacial, tome outra dose de café quente com queijo minas para botar as ideias em ordem e senta aí para conversar, que muita coisa aconteceu desde que você foi abduzido pelos alienígenas de Andrômeda.
Harold Camping se tornou, no sábado, dia 21 de maio, o responsável pela profecia mais extraordinariamente furada de todos os tempos. Evidentemente, como você deve saber, a menos que seja uma pessoa ingênua e supersticiosa do tipo que crê que a Xuxa viu mesmo duendes, que todas as profecias são furadas e só acertam na base da pura coincidência, quando não são feitas empregando o que os romanos chamavam de vaticinium ex post facto, ou seja, previsão depois do fato acontecido. Mas esta profecia do Pastor Camping teve algo especial: ela reuniu uma quantidade extraordinária de ingredientes de desastre e por isso ela não falhou como o fósforo que queima o seu dedo, mas como o botijão de gás que explode no porão e derruba o seu prédio.
Foi uma vergonha universal, pública, inquestionável. Foi como entrar peidando dentro de casa e descobrir que no escuro havia uma festa de aniversário surpresa organizada pela sua amada e pela turma inteira da faculdade. Ao contrário de todas as profecias falhadas ao longo de toda a história da humanidade, esta teve testemunhas demais para que o responsável possa fazer cara de paisagem e fingir que não é com ele, teve provas materiais demais para que ele possa esperar tudo passar, teve detalhes demais para que ele possa inventar alegações para esconder o próprio fracasso.
Camping previu a data com o que chamou de previsão matemática e forneceu as bases dos cálculos. Autores mais sensatos, como Bob Thiel explicaram muito bem porque o Pastor Camping estava terrivelmente enganado, partindo da própria Bíblia. Ainda que eu concorde que Camping estava errado, não é preciso nem abrir a Bíblia para saber disso, afinal eu estou aqui ainda, ou não estou?
O problema da profecia do dia 21 de maio não foi apenas estar magnificamente errada, mas sim o fato de ter sido tremendamente divulgada. Nos Estados Unidos e em outros lugares foram gastos milhões e milhões de dólares fazendo cartazes e publicando anúncios sobre o dia do Juízo. Isto significa que dezenas, ou centenas, de milhões de pessoas ficaram sabendo da profecia e do dia e hora exatos. Estes milhões estão agora morrendo de vontade de rir, alguns talvez não estejam rindo por pena dos que acreditaram e largaram tudo (inclusive “carreira, dinheiro e canudo”). Até o Richard Dawkins, que não é nenhum exemplo de amor cristão, visto que é ateu, procurou exortar seu rebanho de gatos[^1] a ter um pouco de respeito pelas pessoas inocentes que foram enganadas pela profecia.
Pensando bem, não faz nenhum sentido divulgar uma profecia de fim de mundo, pelo menos não uma que vai acontecer tão cedo. Se o mundo realmente acabar, não haverá ninguém a quem você possa se gabar de ter feito a previsão corretamente. E se o mundo não acabar, evidentemente, você terá centenas de milhões de pessoas rindo na sua cara. Precisamente isso é o que está acontecendo agora, e é a razão pela qual o Pastor Camping não vai nem à janela ver se o sol nasceu. Tem medo de que o sol tenha se tornado como aquele desenho sorridente dos desenhos infantis e esteja, também ele, o astro-rei, rindo da falha clamorosa do profeta.
tentar pastorear gatos, ou algo assim, aludindo ao fato de que os felis cattus caracterizam-se justamente por não serem gregários.