Letras Elétricas
Textões e ficções. Tretas e caretas. Histórias e tramóias.
by J. G. Gouvêa

Vale a Pena Manter um Blogue Literário?

Publicado em: 07/01/2012

Esta foi uma pergunta que me fiz durante um bom tempo. Esta postagem pretende esclarecer a resposta, com números frios e inquestionáveis. Mas antes de passar aos números gostaria de, primeiro, colocar na mesa as cartas que vou jogar, para que fique clara a linha de raciocínio que pretendo seguir.

Tipos de recompensa que o blogueiro pode esperar

Entendo que há três tipos de recompensa a que pode aspirar quem publica conteúdo na internet, a saber: notoriedade, remuneração e autossatisfação. Acredito que os termos são de uso corrente e é quase desnecessário defini-los para o público em geral. Mesmo assim, para que não reste sombra de dúvida de meu caminho, vou defini-los segundo o meu entendimento.

O blogueiro busca notoriedade quando pretende que o conteúdo de seu blogue repercuta e lhe franqueie acesso a editoras, imprensa ou algo assim. Quer remuneração quando pretende ganhar os caraminguás do AdSense ou fazer contratos de publicidade. Estas são as duas principais formas de recompensa a que um blogueiro aspira. Ambas estão interligadas, unha e carne entre si, embora não de forma automática. Quem atinge notoriedade costuma obter remuneração. Não necessariamente ocorre o mesmo na situação inversa: blogue pode render dinheiro e ser irrelevante. Não necessariamente ocorre uma coisa como consequência da outra: blogues relevantes podem não render dinheiro, ou render menos do que o blogueiro espera. A relação que ocorre é que dificilmente se ganha dinheiro com um blogue irrelevante, desconhecido.

Sobre a terceira forma de recompensa eu não vou falar porque ela já está superada para mim. Já não faço coisa alguma pensando em apenas “mostrar para os amigos” ou obter algum tipo de prazer narcisístico em “estar na web”. Desta forma, deixo claro aqui que minha análise sobre “valer a pena” se refere exclusivamente aos dois primeiros aspectos.

Os blogues não são todos iguais, nem os blogueiros

Não pretendo me comparar livremente com qualquer outro cidadão da blogosfera. Tenho consciência de minhas limitações, inclusive geográficas. Não espero ter o mesmo tipo de repercussão que um blogueiro da moda que frequenta as festas das capitais, tem amizades em jornais e está perfeitamente antenado com o momento. Especialmente tenho consciência de que blogues de literatura não são como blogues de humor, de informática ou mesmo de contos eróticos. A literatura atinge um público menor e específico. Obviamente não criei meu blogue esperando ter vinte mil visitas diárias e ganhar três mil reais por mês só com AdSense. Suponho até que casos assim — no Brasil — são invenção de blogueiro boquirroto que gosta de se gabar.

Existe um segundo aspecto de diferença envolvido: o já citado elemento geográfico. Uma vez que a maior parte do público da internet se localiza nas grandes cidades, especialmente Rio de Janeiro e São Paulo, parece-me natural que blogueiros ali também localizados tenham mais facilidade de acesso ao público, por falarem de assuntos que dizem respeito a esse público. Reza a lenda, porém, que a internet tem o poder de derrubar estas barreiras culturais e apresentar o nosso trabalho ao mundo, e que blogues são úteis para isso. Meu blogue foi, de certa forma, um experimento nesse sentido.

O que eu realmente esperava obter

Sendo verdade a ideia de que a internet remove barreiras culturais e franqueia acesso ao mundo para quem está isolado no interior — e eu acredito que isto seja verdade — meu objetivo era avaliar em que medida este efeito se sente, e se vale a pena confiar nele para, através de um blogue, romper a casca de indiferença com que a capital olha para o interior. Então, de forma simplista, poderia dizer que meu objetivo era, com o blog, obter um público, pequeno que fosse.

Delimitação do experimento

O blogue “Letras Elétricas” foi criado em 19 de agosto de 2010 a partir de um blogue anterior, no qual eu escrevia sobre a utilização de ferramentas específicas de linha de comando, como o LaTeX, para produzir lay-outs profissionais de livros e revistas. Com o tempo foi rareando meu interesse no tema e, com os problemas que meu antigo sítio estava tendo desde que o serviço de hospedagem fizera upgrade dos servidores, comecei a postar textos literários nele. Então, no dia 19 de agosto de 2010, mudei o nome e a URL do blogue, acrescentando-lhe também contador de visitas (oculto) e AdSense do meu sítio anterior.

Os dados utilizados para as estatísticas que vou analisar foram coletados entre 01 de setembro de 2010 e 31 de dezembro de 2011, um total de 487 dias. Optei por não considerar os dados referentes ao mês de agosto de 2010. Não apenas por ser um mês incompleto, mas também porque acredito que não havia, ainda, tendências estabelecidas que valesse a pena analisar.

Resultados

Ao final do artigo há um gráfico contendo uma visualização dos dados que passarei a analisar. Você pode consultá-lo para compreender melhor as tendências que detectei. Eis uma tabulação dos dados coletados junto ao Analytics:

Meses | Visita | Visitante | Perfil das visitaçõe | Ganhos
Adsense Dia
Totais Diárias Totais Diárias Rejeição Página
09/10 553 18,43 254 8,47 64,01%
10/10 380 12,26 206 6,65 70,26%
11/10 292 9,73 168 5,60 73,63%
12/10 404 13,03 237 7,65 65,10%
01/11 501 16,16 217 7,00 57,49%
02/11 438 15,64 228 8,14 69,86%
03/11 434 14,00 222 7,16 70,51%
04/11 562 18,73 298 9,93 70,28%
05/11 510 16,45 250 8,06 70,39%
06/11 579 19,30 340 11,33 71,50%
07/11 693 22,35 404 13,03 69,41%
08/11 640 20,65 335 10,81 62,81%
09/11 531 17,70 299 9,97 57,25%
10/11 536 17,29 321 10,35 69,59%
11/11 658 21,93 408 13,60 71,43%
12/11 571 18,42 411 13,26 74,61%
Total 8.282 17,01 4.345 8,92 67,55%
Média 518 287 $0,29

Inicialmente analisa-se a quantidade total de visitas por mês e a quantidade total de visitantes diferentes (identificados através de cookies pelo Analytics).

Considerando que quantidade média de visitas por mês foi de 518, observa-se uma forte variação ao longo do período. Tanto a menor (292) quanto a maior (693) quantidade de visitas ocorreram em meses de 31 dias e o mês de fevereiro, embora abaixo da média (438) situou-se no mesmo patamar dos meses anterior (501) e posterior (434). A quantidade média de visitas ao longo do tempo vem crescendo (ver gráfico), mas sempre que o blogue fica algum tempo sem atualizações a visitação cai, sugerindo que o maior atrativo de novas visitas é conteúdo novo.

Considerando que a quantidade média de visitantes é de 287 ao mês, observa-se uma tendência de aumento da quantidade de visitantes: os dois últimos meses considerados foram os dois meses com maior número de visitantes diferentes.

Considerando que a quantidade média de visitas por dia foi de 17, observa-se uma clara tendência de estagnação ou queda após julho de 2011 (que foi o mês de pico, com 22 visitas ao dia em média). Considerando que a quantidade média de visitantes por dia foi de 9, a tendência se mantém para este número. Em ambas as médias os valores foram arredondados para o inteiro mais próximo.

O número analisado a seguir é a taxa de rejeição, definida pelo Google Analytics como sendo a percentagem de visitantes que deixa o blogue sem clicar em nenhum link interno. Considerando a natureza de um blogue, é de se esperar que esta taxa seja significativamente mais alta do que para um site convencional, visto que o conteúdo é apresentado serializado e cronológicamente na própria página inicial. Para combater esta tendência, passei a incluir apenas os primeiros dois ou três parágrafos de cada postagem na página inicial, acrescentando um link para o visitante continuar a leitura caso lhe interessasse. Este expediente foi adotado em março de 2011 e não teve nenhum impacto significativo sobre a taxa de rejeição o que é compreensível, se considerarmos que a partir justamente daquele mês começou a aumentar a proporção de visitantes diferentes sobre as visitas totais.

Considerando uma taxa média de rejeição de 67,5% (arredondada para o decimal mais próximo), três dos cinco meses abaixo da média estiveram no início da primeira metade do período considerado. A taxa inicial de rejeição era de 64% e a taxa final foi de 74%.

O dado a seguir é a profundidade da visita, medida pelo Analytics através da quantidade média de páginas visitadas em cada visita (não por visitante). Considerando uma média de 2,34 páginas em todo o período, verifica-se não ter havido uma tendência clara de crescimento, estagnação ou queda. Porém, o mês com o dado significativamente mais alto foi março de 2011 e o mês com dado significativamente mais baixo foi dezembro de 2011.

O dado a seguir é o tempo dedicado a cada visita. Considerando uma média global de 4min 52s, verifica-se uma tendência de queda ao longo do tempo, com o mês de maior tempo dedicado sendo o primeiro, e o de menor tempo sendo o último. A tendência geral de queda foi ligeiramente revertida nos meses de agosto e setembro de 2011, para retomar a partir de outubro.

Interpretação dos Dados

A estagnação da média de visitas por dia, aliada ao crescimento da média de visitantes, indica que os leitores do blogue estão se tornando progressivamente menos fiéis. Além de menos fiéis, a taxa de rejeição indica que estão cada vez menos interessando-se em ler mais do conteúdo do blogue, abandonando-o, em geral, logo após caírem nele, vindos de algum lugar na rede.

A análise da profundidade da visita não oferece muita informação sobre o perfil das visitas, dando apenas a impressão de que a quantidade de páginas por visita aumenta nos meses em que ocorre maior quantidade de postagens.

Porém, o cruzamento do tempo médio de visita com os dados sobre porcentagem de novos visitantes e de visitas e visitantes ao mês, observa-se que os visitantes tem passado cada vez menos tempo no blog, tendência que se explica pelo fato de haver cada vez menor proporção de visitantes fiéis.

O resumo geral dos dados indica que, ainda que alguns visitantes tenham permanecido fiéis, o blog não tem conseguido atrair uma quantidade suficiente de novos seguidores que impeça a deterioração dos números gerais. Infelizmente o Analytics não oferece mais a funcionalidade de comparação com os demais blogues da mesma categoria, de forma que fica difícil estimar até que ponto esta é uma tendência geral ou um problema específico do meu blogue, ou dos blogues de literatura no Brasil, etc.

Remuneração via AdSense

Abstraindo-me da remuneração indireta, obtenível através da notoriedade e de possível publicidade contratada, uma maneira mais rápida e fácil para blogueiros obterem remuneração é através do AdSense, um serviço do Google que paga aos criadores de conteúdo pelos cliques dados por visitantes nos anúncios exibidos em suas páginas.

Ao longo de todo o período considerado, ganhei através deste método US$ 4,59. Deste total exorbitante, pelo menos a metade foi gerada por dois outros blogues, um deles desativado!

Conclusões

Dezesseis meses de manutenção do blogue me sugeriram que não vale a pena manter um blogue de conteúdo literário no Brasil, caso o blogueiro pretenda obter como recompensa os dois itens iniciais de minha lista. Pode ser que valha a pena para outras pessoas, e eu não pretendo tecer considerações sobre casos alheios, a respeito dos quais eu não tenho dados, mas para mim NÃO valeu a pena. Passo a explicar porque.

A grande maioria dos meus leitores fieis me acompanham desde o Orkut. A imensa maioria dos novos visitantes que tem chegado ao meu blogue não tem passado a segui-lo. Então, posso concluir que o blogue não está me notabilizando significativamente. Na verdade, se alguma lição pude tirar de tudo isso, foi que o Orkut, com todos os seus defeitos, projetou o meu trabalho muito melhor do que este blogue. Inclusive todos os meus contatos com editoras (dois dos quais vão frutificar em lançamentos de livros) foram obtidos lá, e não aqui.

Não tendo havido notabilização, não houve tampouco remuneração. As únicas pessoas que se interessaram em comprar o meu livro através da internet foram pessoas que eu já conhecia desde os tempos orkutianos. O grosso das vendas de “Praia do Sossego” ocorreu entre pessoas de minha região, em eventos de lançamento formal ou informalmente realizados. Isto se estende, inclusive, ao AdSense, pois nem estes caraminguás pipocaram no meu cofrinho virtual.

Em parte este resultado era esperado. Obviamente eu não imaginava poder me tornar um fenômeno de mídia em dezesseis meses, ainda que muita gente tenha conseguido isso em bem menos tempo. Mas eu esperava, pelo menos, que o blogue tivesse alguma influência decisiva sobre o perfil de meus leitores e seguidores. Isso não ocorreu. Ainda que a maior parte dos visitantes estejam pelo país afora (inclusive 7,3% no exterior), a maioria dos meus seguidores, e das pessoas que interagem comigo no Facebook, é de gente que eu conheci pessoalmente, ainda que atualmente estejamos afastados por distâncias até oceânicas (como o caso de uma amiga de infância que hoje vive no Japão). Apesar de meu blogue aberto ao mundo, a maioria de meus leitores regulares é de pessoas situadas na mesma esfera geográfica e afetiva em que eu estou. O muro não foi rompido: continuo tão isolado no interior quanto antes. Mais do que estava quando militava no Orkut.

O que fazer, então?

As férias do blogue serviram como um momento de reflexão. E o mau humor ocasionado por outra convalescença de cirurgia serviu de combustível. A ociosidade de uma licença médica de cinco dias forneceu o tempo para coletar e pensar os dados.

Obviamente que, se concluo que o blogue não vale a pena, devo deixá-lo em segundo plano. Ainda resta o terceiro tipo de recompensa, a mera exposição sem esperança. Mas para esta categoria não se faz necessária uma presença diária, ou mesmo semanal. Daqui para a frente o blogue terá postagens mais espaçadas, embora eu não o vá abandonar de todo.

Uma reflexão para o leitor

Uma das consequências diretas da revolução informática é o acesso quase instantâneo ao conteúdo, de forma até gratuita. Surge uma pressão pela redução dos custos que converge para zero. O conteúdo cultural agora se imagina como algo pelo qual não se deve cobrar: o artista expõe na galeria livre do mundo. Mas de que ele vive?

A grande maioria de meus leitores optou por não ler-me. O pequeno número de leitores regulares sugere que eu não devo priorizar tanto fornecer-lhes o que ler. É uma relação de oferta e demanda. Tendo detectado que há uma baixa demanda pelo que eu estou produzindo, produzirei menos ou, de outra forma, pelo menos divulgarei de maneira diferente. Ou está superado o blogue como plataforma para a literatura (algo que eu ainda não ouso dizer), ou preciso rever meus conceitos e aprender como usá-lo melhor. É momento, então, para sair de cena e voltar à escola da vida. Abandonar algumas certezas que tinha e ir buscar lições na realidade lá fora.

Gráfico explicativo das tendências de visitação

O que eu não posso é insistir em uma estratégia que obviamente não deu certo. Vencedores nunca desistem. Desistentes nunca vencem. Mas quem nunca vence e nunca desiste é apenas um idiota.

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