Este post foi escrito originalmente no sábado, mas agendado para hoje, domingo, para não encavalar com o outro que já havia sido escrito ontem. Mas tive de escrevê-lo logo após porque o assunto era urgente, não podia ficar para hora melhor, não havia hora melhor. Ontem, sábado, assisti de novo uma peça perdida de meu passado: o dia em que entrevistei Andy Latimer.
Vamos por partes. Andy Latimer, para quem entende de rock progressivo, é um dos nomes mais queridos e importantes da história do gênero. Guitarrista, flautista, vocalista principal e único membro permanente do grupo “Camel”, ele é uma lenda viva da música, embora não seja tão famoso quanto outros que tiveram mais sucesso nas paradas. Andy Latimer esteve em turnê no Brasil no ano 2001 e uma das paradas da turnê foi em Cataguases. Sim, você leu certo. Cataguases recebeu um show de um dos maiores grupos de rock progressivo de todos os tempos, lá no Cine Edgard. E eu entrevistei Andy Latimer. Se você consegue acreditar que o Camel esteve em Cataguases, talvez consiga crer que eu fiz mesmo a entrevista.
A loucura foi responsabilidade de Rodrigo “Nômade” Rocha, empresário cataguasense, proprietário da Voltage, extinta loja de discos onde, por muito tempo, eu deixava meu dízimo (mínimo de 10% do salário gasto comprando obras primas da música). Rodrigo descobriu que trazer artistas de rock progressivo renomados não era difícil: além do cachê ser razoavelmente barato, eles em geral eram pessoas acessíveis e dispostas a aventuras, como encarar horas de estrada para ir tocar em lugares obscuros no interior do Brasil.
Infelizmente pouca gente acreditou na época. Sei disso porque ajudei a divulgar o evento e quando eu começava a falar muita gente achava que eu estava brincando. Mas Latimer veio a Cataguases, hospedou-se no Bevile Hovel com a banda, andou a pé pela rua desfilando seus famosos pés tamanho 46 (motivo do apelido “Sasquatch”). E na noite de 22 de março, às 21h00, subiu no palco do Cine Edgard para mais de oitenta minutos de puro delírio musical na presença de uma platéia de cerca de 100 pessoas mais ou menos (que nem chegou a dar metade da lotação).
Acredito que se Rodrigo morresse sem ter feito mais nada na vida ele já teria deixado algo para ser lembrado: levar o Camel a Cataguases foi uma realização estupenda. Feita na base do puro amor à música, sem pensar em ganhar dinheiro, na base do amadorismo mesmo. Isso é algo que deve dar orgulho. Eu, por exemplo, tenho orgulho de minha pequena parte desempenhada: fiz o cartaz, o fôlder (cuja frente, contendo um autógrafo de Latimer, ilustra esta postagem) e fiz uma entrevista com Latimer, que tenho agora transcrita em DVD a partir do surrado VHS que guardei por onze anos na gaveta — e que um dia vou postar no YouTube.
Claro que a entrevista ficou uma porcaria. Eu não tenho boa dicção (nem em português, quanto mais em inglês), não sou repórter, não tinha nenhum roteiro prévio e jamais aparecera na televisão. Então, de repente, eis que me aparece uma equipe da TV Minas que ia fazer uma reportagem sobre o evento. Eles tinham vindo sem intérprete e precisavam de alguém para fazer o programa. Alguém me indicou como um “carinha que manja muito de inglês” e eu, num acesso desses de insanidade que tenho de vez em quando, topei a parada. Não havia roteiro, havia quinze minutos para o fim da passagem de som. Rabisquei algumas perguntas em um pedaço de papel qualquer, com sugestões de pessoas que estavam por perto, passei o pente no cabelo mal e mal e me sentei ao lado de Andy para a entrevista, tentando parecer natural, tentando ignorar a luz forte dos refletores e a presença incômoda daquela luzinha vermelha da câmera, que indicava que estavam me gravando.
Andy percebeu o amadorismo da situação e deve ter se perguntado onde, diabos, estava com a cabeça quando topara aquele show, mas mesmo assim concedeu-nos vinte e cinco minutos, respondendo a perguntas que já devia ter respondido cem vezes ou mais em toda a vida. Mas algumas pessoas me disseram que eu fui bem, apesar de gaguejar várias vezes e ter congelado por dez segundos em certo momento. Fui bem porque resisti a tietar e consegui interagir com Andy, mudando as perguntas de acordo com o contexto das respostas. No fim, apertei a mão de meu ídolo e fui pedir autógrafos.
Esta é uma das histórias que levo pela vida toda, como demonstração inequívoca de que temos de estar preparados para as oportunidades que aparecem, sem medo da luzinha vermelha acesa, sem medo de parecer ridículo como o meu cabelo despenteado.
Naquela noite o Camel tocou com:
- Andy Latimer: guitarra, vocais, flauta
- Colin Bass: contrabaixo, vocais
- Guy LeBlanc: teclados
- Dennis Clément: bateria
Não tenho o set list, mas sei que o bis foi “Lady Fantasy” (vídeo compartilhado abaixo, com muito medo do ECAD).