Minha vida de solteiro não faz anos, faz meses. Melhor assim. A vida é curta demais para a medirmos em anos, décadas, séculos. Melhor pensar em termos mais exíguos. Em termos coisas próximas, curtas, fáceis de levar no bolso da alma como lembrança durante nossas andanças.
Estou solteiro desde que recebi minha promoção. Aluguei um apartamento na cidade onde assumi meu novo posto e minha mulher insistiu em ficar para trás. Primeiro foi para terminar o semestre das meninas na escola, depois para concluir o contrato temporário do emprego que conseguiu, depois para terminar o outro semestre, depois não sei mais o que será. Ela foi ficando e eu venho vindo.
Hoje minha segunda vida de solteiro completou sete meses. Não contei à minha mulher: esta comemoração, obviamente, eu só poderia fazer estando sozinho aqui em casa. Como todos os fins de semana, eu a fui visitar, mas voltei para casa no fim, para trabalhar no dia seguinte e dar seguimento a esta experiência estranha, que eu não tive quando menino.
São muitas as descobertas desta vida. Tentar fazer a própria comida, descobrir qual tipo de produto de limpeza adequado para retirar a inhaca de cada tipo de piso, como montar e desmontar sozinho os móveis para mudá-los de lugar cada vez que cismo de reorganizar as coisas, que veneno jogar nos vãos e corredores para evitar que entrem baratas e outros bichos.
Pela primeira vez na vida estou em uma casa com garagem anexa. Saio pela porta da frente e olho à esquerda e lá está meu carrinho, seus faróis me contemplam tristemente quando saio, implorando-me que o lave. Da última vez que tentei eu molhei todas as paredes e a minha roupa, mas ele continuou misteriosamente empoeirado depois que a água secou. Acredito que os carros, como os gatos, possuem uma aversão à água, que só com alguma habilidade se pode superar. Vou tentar de novo qualquer dia desses quando chegar mais cedo do trabalho, ainda de sol quente, pois não quero me gripar aqui nesta casa solitária. Tenho que me vacinar contra as situações em que desejaria alguém para minha companhia.
Tenho um quintal, também. Por enquanto ele está apenas exibindo um crescimento majestoso de ervas daninhas. Minha sogra, quando veio aqui, detectou a presença de plantas úteis também: batata doce, erva cidreira, hortelã pimenta, alecrim. Tenho dó de jogar herbicida e matar tudo. Comprei botas e luvas de borracha e vou arrancar as ervas com a mão, para preservar as plantinhas boas. Provavelmente terminarei nunca, mas ninguém tem nada com isso. Espero apenas ter sorte de terminar antes que o IBAMA declare meu quintal como “mata nativa em recomposição”.
Eu andava preocupado com a quantidade de insetos que frequentava a casa. Mas eles diminuíram significativamente desde que espargi inseticida pelos corredores laterais, na varanda dos fundos e na parte de fora das janelas. Ou talvez tenha algo a ver com os camaleões que apareceram. Camaleões adoram insetos, e eu gosto de camaleões. Se minha mulher ou minhas filhas estivessem aqui hoje, o pobre bichinho já estaria morto. Eu deixei sobras de bolo para ele. Se até logo à noite ele não tiver comido, vou varrer e jogar na lixeira do quintal para não atrair baratas.
Como a casa está vazia, vou me estimulando a comprar coisas para enchê-la: um capacho para a porta de entrada, um tapete antiderrapante para o banheiro, um baú de ferramentas para pôr num canto, uma mangueira de jardim para a torneira da varanda, aquela com que me molhei tentando lavar o carro. Minha cozinha está cheia de inutilidades úteis: queijeiras, pegadores de macarrão, saca rolhas, abridor de latas elétrico, biscoiteira, lixeira com tampa móvel. Algumas dessas coisas minha mulher nunca quisera comprar, achava-as inúteis quando a gente passava pela ala de utilidades domésticas do supermercado. Mas eu estou comprando de todas, e descobrindo suas utilidades. Coloquei o álcool em um borrifador (tenho três), eliminei o risco de acidentes e descobri como limpar o chão sem precisar enxaguar. Desajeitado que sou, essas pequenas descobertas me poupam tempo e trabalho. Só não consegui ainda descobrir o que vou fazer com tantos adaptadores de tomada e lâmpadas de formatos vários.
Terei, infelizmente, de comprar outro jogo de ferramentas. Não sei aonde foi parar a bolsa de veludo com velcro onde guardava as minhas chaves de fenda e de boca. Estou reduzido a um alicate, uma trena, um estilete e um martelo. Com eles eu monto e desmonto, prego e desprego. Uma beleza.
Mas beleza mesmo foi a faca de açougueiro com cabo de madeira que eu comprei ontem. Cheguei aqui hoje com a belezinha e já fui experimentado. Fiquei quase vinte minutos embevecido com sua eficácia ao cortar queijos (tenho seis tipos diferentes na geladeira), goiabada (experimentei uma fatia com cada tipo de queijo e realmente fica melhor com queijo minas frescal), frutas e até um trapo de pano de chão. Acho que vou comprar outros tamanhos de faca, também. Afinal, se preciso de várias chaves de fenda, de boca e de estrela, é inconcebível que uma faca de tamanho único sirva para tudo. Minha racionalidade masculina me diz que isto não faz sentido.
Esta dificuldade com os instrumentos, aliás. Nunca consegui entender as pessoas que cismam em usar as coisas de forma errada. Colheres são para líquidos, sopas e molhos. Garfos são para comida sólida. Facas são para cortar. Pegadores de macarrão são para pegar macarrão. Minha mãe, porém, punha uma colher para retirar o macarrão. Eu, particularmente, nunca consegui entender como ela conseguia servir-se usando aquela colher. Em minha casa este problema não existe: tenho pegador de macarrão, escumadeira de arroz, colher de feijão, queijeira, boleira, biscoiteira, saleiro, pimenteiro, azeiteiro, bule. Para cada coisa seu vasilhame ou utensílio. Um mundo ordenado, onde as coisas funcionam. Apenas se acumula lixo pelos cantos, copos sujos na pia e sujeira no tampo da mesa enquanto eu não resolvo varrer, lavar e limpar.