Depois de chegar ao hotel com oito horas de viagem nas costas, ninguém queria mais saber de praia. Ainda bem, porque estava chovendo pacas. Descarregamos o mais rápido que pudemos e fomos nos adaptar ao quarto.
Como sempre ocorre quando vou à praia, os primeiros minutos foram de enjoo e nojo. Não consigo me assimilar com facilidade ao cheiro de maresia, ao odor horrível das fossas sépticas e à impressão irritante de que existe areia em todo lugar. A chuva não ajudou, apenas me fez passar a tarde deprimido, imaginando que o esforço todo da viagem tinha sido em vão. A previsão do Climatempo não era nada animadora.
Felizmente o sábado amanheceu sem chuva, embora ainda nublado. Demos uma caminhada até a praia mais próxima, a Costa Azul, e tentamos aproveitar alguma coisa, apesar do vento forte, do mar ligeiramente encapelado e da água antártica. Para piorar as coisas, a Maria Eduarda, do alto de seus quatro anos, sentiu um pavor abissal quando percebeu que o ribombo de trovão que ela estava ouvindo era do mar quebrando na praia. Chorou de babar grosso e me fez pensar, mais uma vez, que o passeio tinha sido perda de tempo.
Fomos ao centro da cidade, ou o que achávamos que era o centro, para fazer umas compras. Tomamos um café com pão de queijo em uma padaria e voltamos para o hotel, ainda debaixo de chuva. À tarde o tempo abriu e fomos à Praia do Centro, onde almoçamos uma comida muito cara, mas com uma paisagem que valia o preço. No fim da tarde fomos brevemente ao píer e ao mirante da Praia da Costa Azul. À noite, para não ser uma perda total, resolvemos visitar o amigo +Mateus Gomes em Macaé, que nos convidou para uma pizza em um lugar perto de sua casa.
Macaé me pareceu uma verdadeira sucursal do inferno, apesar de dizerem que se pode ganhar muito dinheiro lá. Pode até ser, mas de que adianta ganhar dinheiro e não investir em beleza? Eu achei Macaé ainda mais feia do que eu a conhecera em 1995, quando fui lá assistir o show da banda Pendragon no Brasil. Macaé pode ter muito dinheiro, mas tem a cara da Donatella Versace.
O melhor dia de praia foi no domingo, que foi também o melhor dia de aventura. Começando com um lindo passeio pelo píer, com direito a fotos com o mar ao fundo e a contemplação do romântico acasalamento de duas tartarugas marinhas. As crianças inocentemente jogavam pão e alguns adultos ignorantemente jogavam peixinhos. Creio que ficamos uns quarenta minutos no píer, se muito, mas o dia começou a ficar interessante quando saímos.
Logo de cara vimos que havia algo errado com o carro, cuja porta me parecia ligeiramente empenada. Minha mulher deu falta de sua bolsa, que ela deixara escondida sob o painel e eu logo chequei se a minha carteira estava no esconderijo onde eu a deixara, por não ter bolsos na roupa que usava. Não estava, o que significa que o meu esconderijo era óbvio. Começamos a entrar em pânico porque junto com a bolsa fora levada embora toda a nossa roupa de praia, os documentos do carro, minha carteira de habilitação, vinte preciosos reais e três cartões de crédito. Meu celular fora deixado para trás, testemunhando que ele realmente não vale nada.
Enquanto ficávamos abobados sem saber o que fazer, apareceu uma viatura da Guarda Civil Municipal, com cinco idiotas uniformizados dentro. Já estava se formando uma aglomeração em torno de nós, com várias pessoas lamentando o ocorrido, mas toda aquela gente não sensibilizou os guardas, que apenas nos orientaram a prestar queixa na delegacia e foram saindo para continuar sua ronda da praia. Para que, eu não sei, visto que não tomam nenhuma atitude quando a roda descobre que algo aconteceu. Tive vontade de chamar os cinco de inúteis, mas sei muito bem que a ineficiência policial deixa de existir quando nós a questionamos: polícia pode não prender quem nos roubou, mas nos prende por reclamar. Ademais, estávamos em outro estado, e como diz o prudente ditado mineiro: no terreiro alheio, peru de fora não se manifesta.
Saímos de lá arrasados, a caminho da delegacia para uma formalidade sem sentido, quando, ao virar a esquina, minha mulher reconheceu sua bolsa no ombro de uma mulher que subia a rua, acompanhada de duas crianças e uma adolescente, todas chupando picolés. Quando ela dise “olha a minha bolsa lá”, eu suavizei o pé no acelerador e usei a técnica ninja da direção silenciosa para me aproximar delas sem chamar a atenção. Em meus melhores dias, com um carro bem regulado e um calçamento liso, dá para dar susto em desavisados. Quando estava quase emparelhando com as mulheres, a +Daniele abriu a porta, mantendo um pé dentro do carro, e foi perguntando à filha da puta da ladra “onde você achou a minha bolsa?”.
A mulher deve ter levado um susto tão grande (pois devia ter menos de dez minutos que ela roubara a bolsa de dentro do carro) que nem teve reação racional. Disse que a achara “perto da praia” e estava levando para “entregar à polícia”. Enquanto dizia isso, não conseguia esconder um riso de cadela vagabunda, que evitava cuidadosamente a gargalhada. A adolescente, afastada uns dois metros, falava rapidamente ao telefone. Minha mulher, nem bem terminara a pergunta, já puxara a bolsa para dentro do carro, praticamente arrancando-a do ombro da bandida. Dentro estavam, previsivelmente, a minha carteira e as nossas roupas. Os vinte reais deviam ter sido investidos em picolés.
Logo que percebi isso, tratei de acelerar e sair dali o mais rápido possível, embora não soubesse exatamente porque. Posteriormente racionalizei que, instintivamente, eu temia que a adolescente estivesse usando o telefone para chamar comparsas.
Mesmo assim fomos à delegacia prestar queixa, e descobrimos, para nosso espanto, que o sistema estava fora do ar e por isso não poderíamos registrar nossa queixa. Nos disseram que voltássemos depois. Eu devia ter seguido o conselho.
Fomos para uma praia próxima à Praça da Baleia, desta vez pus o carro em um estacionamento, alugamos barracas (vinte e cinco reais por cinco cadeiras e uma sombrinha, mais cinquenta por um almoço) e tentamos curtir o dia o melhor possível. +Mateus apareceu por lá, felizmente, porque eu não teria dado conta sozinho de vigiar duas crianças tão elétricas. Maria Eduarda ainda estava com medo do mar, mas a Gabriele parecia ter nascido dentro d’água.
Durante esse dia tivemos a oportunidade de ver novamente as tartaruguinhas tentando acasalar, atrapalhadas por turistas voyeurs. Eu peguei alguma cor, apesar do filtro solar FPS 50, e almoçamos um peixe na telha. Não me pergunte qual peixe, porque eu entendo tanto disso quanto de física de partículas. A telha era do tipo curvo, feito nas coxas. Disso eu entendo melhor. O peixe, porém, estava ótimo. Quando acabou, deu vontade até de comer a telha.
O final da tarde passamos na praia exatamente em frente à Praça da Baleia, onde a água estava ainda mais fria. Rio das Ostras fica perto de Cabo Frio, e imagino que lembraram de ostras porque tiveram receio de chamar a cidade de Cabo Gelado. No fim do dia fomos ao hotel tomar banho e arrancar um pouco da sensação de salmoura no corpo. Dei uma carona ao Mateus até sua casa e comemos de novo da excelente pizza que ele nos apresentara. Mas da segunda vez eu não achei tão boa quanto no sábado.
No fim do dia, todos exaustos de tanta água, fomos dormir pesadamente, já planejando a volta na segunda. E se você acha que o domingo já foi cheio de aventuras, você nem imagina o que aconteceu na volta!