Pelo menos é isso que pensam os que se propõem a publicar versões “facilitadas” da obra de Machado de Assis para atingir a um público que não o leria por causa da dificuldade do vocabulário, supostamente. Evidentemente, a ninguém ocorreu que, para aqueles que não alcançam prateleira onde olimpicamente repousam os clássicos, existem outros autores, que não são clássicos e apresentam um vocabulário mais acessível aos leitores de hoje. Estou falando, claro, dos novos autores da literatura nacional, que, aparentemente, não servem para nada, nem para iniciar os jovens de hoje na leitura para que um dia alcancem Machado de Assis e outros ainda mais cascudos, como Guimarães Rosa, Bocage ou Olavo Bilac.
Pode parecer chocante o título, mas não encontro outra forma de compreender o motivo pelo qual uma editora, em vez de publicar novos livros, escritos por autores contemporâneos, selecionando-os segundo bons critérios de qualidade Algo que, digamos, é o que “editoras” costumavam fazer no tempo do Machado de Assis, e talvez explique porque os clássicos são tão bons, e a maioria da literatura de hoje não é.
Obviamente nosso país deve estar vivendo uma grande crise criativa. Deve haver muito poucos autores capazes de escrever histórias legíveis. A maioria não deve nem saber estruturar uma história direito, ou talvez pense que a gramática morde. Já que, na opinião de nossas editoras, a produção literária atual se confunde em um grande lixão, a única saída é publicar nomes famosos do passado que, além de terem escrito obras de qualidade aprovada pelo tempo, ainda têm a conveniência de estarem mortos e bem mortos, incapazes de cobrar direitos autorais ou reclamar da abordagem de açougueiro a que suas obras são por vezes submetidas.
Isso explica com sobras porque é preciso fazer uma versão “fácil” de um antigo autor que se considere difícil, em vez de fazer uma versão normal de um autor moderno. Nas horas de crise, é natural que o ser humano se volte para a tradição, mas sempre reinterpretada. Queremos a qualidade que o clássicos proporcionam, sem a sua dificuldade, mas não estamos dispostos a produzir hoje nada que se iguale em qualidade. Existe uma palavra muito adequada para expressar esta atitude: decadência.
No auge da decadência tecnológica e cultural da Alta Idade Média, os saudosos tempos romanos eram tão idealizados que qualquer coisa que parecesse antiga era venerável. E, esquecidos das funções de uma tecnologia que não mais compreendiam, os italianos pegaram uma “privada” romana e a enfeitaram de ouro e joias, transformando-a na cátedra papal. Na decadência, o lugar onde os imperadores cagavam foi usado como trono por homens que haviam esquecido a civilização e tinham voltado a cagar no mato.
Na nossa decadência de hoje nós também pegamos os destroços honrados de nosso passado cultural, aquele época antes do funk e do Paulo Coelho, e os reapropriamos, como possível, para engalanar o deserto da existência. Incapazes de produzir um novo Machado de Assis, ou pelo menos, no caso das editoras, sem paciência para achá-lo e/ou coragem para publicá-lo, contentamo-nos em abastardar o passado excelso.
Este é mais um dos sinais de que, se depender do mercado editorial nacional, os novos autores vão ficar a ver navios. Afinal, esse negócio de publicar obras desconhecidas envolve risco, e os donos de editoras não vão empenhar seu rico dinheirinho em uma geração de escritores que eles acham que não servem para nada.