É recorrente o aparecimento de jovens que dizem escrever seu primeiro «livro», muitos até prometendo continuações ou declarando que a obra é (ou será) uma trilogia. Não conheço a qualidade destas obras e nem destes escritores, embora suponha, com razoabilidade, que as primeiras são compatíveis com a idade, a experiência de vida e o nível cultural dos segundos. E quando digo isso, devo acrescentar, com algum eufemismo, que não é com muita frequência que nasce um Rimbaud ou um Radiguet.
Este desfile de obras de grande fôlego, inspirado nos best-sellers de sucesso, me faz pensar que alguns destes autores estão queimando etapas que não podem ser queimadas, estão ignorando lições do começo do curso e partindo para o final. Este sentimento me faz escrever esta breve apologia.
Escrever não é fácil. Se fosse fácil, todo mundo escreveria. Escrever não é nem «relativamente fácil». Se fosse, a maioria dos que escrevem produziria textos de qualidade. Há dificuldades por todos os lados. É difícil por razões intrínsecas: dominar as palavras, usar os recursos da língua, produzir a beleza, contar bem histórias, etc. É difícil por razões extrínsecas também, a principal delas é que só se destacam os melhores, então, à medida que aumenta a quantidade de bons autores, vai subindo a linha de corte. Para se destacar numa literatura pobre basta mostrar alguma qualidade. Mas para se destacar em uma literatura forte, é preciso algo maior. Entre as razões pelas quais o Brasil ainda não ganhou um Nobel de literatura está o fato de que nossa literatura não é tão densa.
Entre as dificuldades de escrever está o aprendizado. Que, para começar, muita gente diz que precisa partir de algo inato, o «talento». Mesmo supondo que o talento não exista, o aprendizado é algo tão complexo e indefinível que é praticamente impossível determinar o que é que faz um autor ser genial. Afinal, todos os autores relevantes tiveram colegas de classe, vizinhos, amigos, pessoas que tiveram mais ou menos as mesmas experiências e condições, que estudaram coisas parecidas. Mas ficaram para trás na poeira do tempo.
Em um aspecto, porém, todos os autores, exceto os gênios, os excepcionais, os milagres da natureza, estão de acordo: este aprendizado leva tempo e passar por certas etapas, que são muito claras na carreira da maioria dos autores: Eça de Queirós começou escrevendo contos para revistas. A primeira obra publicada de James Joyce foi a coletânea de contos «Dublinenses», por exemplo.
Também parece existir no Brasil um certo preconceito contra a ficção curta que vai além do fascínio dos jovens pelas trilogias da moda: em meus contatos com editoras muitas vezes eu ouvi que havia mais possibilidade de publicar romances do que contos. Aliás, eu só comecei a escrever romances porque editores me convenceram que eu jamais publicaria nada se ficasse «limitado ao conto», como se ele fosse um gênero menor em importância, além do tamanho. Não me arrependo de ter começado a fazer romances, mas me incomoda que tão pouco valor se dê ao conto, a ponto de o movimento blogueiro estar à morte porque ninguém mais se interessa em lê-los.
O conto precisa ser revalorizado.
Em primeiro lugar porque, acompanhado da crônica, ele é a principal escola de escritores. Não é à toa que os grandes autores começaram fazendo crônicas e contos: a ficção curta permite maior controle sobre a trama e os personagens, além de permitir um sentimento de realização mais imediata — o que serve de estímulo para continuar.
Digo isto porque não sei quantos desses jovens efetivamente realizarão a trilogia sonhada. Talvez se escrevessem contos eles mantivessem o estímulo até o fim. Além disso, a adolescência e a juventude são momentos na vida em que mudamos muito, de valores, de estilo, de filosofias, de tudo. O longo tempo gasto na escrita de uma obra de várias centenas de páginas pode fazer com que, ao chegar no fim do trabalho, o autor descubra que lá no começo o seu estilo ainda era cru, e tenha de reescrever. Ou pode descobrir, durante a escrita, que mudou de ideia sobre o sentido do enredo, e então terá que reescrever centenas de páginas. Tudo isto somado conspira contra a possibilidade prática de um adolescente efetivamente produzir uma trilogia, ou mesmo um romance longo ou, alternativamente, conspira contra tal trabalho possuir alguma qualidade, a menos que o adolescente em questão seja um de tais fenômenos raros da natureza.
Não gosto de recomendar o meu caminho, porque ele só me trouxe até onde estou, e não é um lugar onde muitos gostariam de estar (o lugar cobiçado é o dos autores de best-sellers). Mas quem se interessar saiba que eu comecei fazendo poemas, passei à crônica e logo ao conto, onde permaneci por muito tempo, até que em 2007 eu comecei um romance, que foi publicado em 2010. Quinze anos de minha vida eu passei sem escrever romances, apenas pensando que um dia tentaria escrever um. Minhas realizações podem não recomendar o meu caminho, mas eu segui os passos de gente que se deu melhor do que eu.
Acho que alguns jovens se beneficiariam da ideia de escrever contos.