Perguntaram-me por que eu aconselho a todo mundo que queira se aventurar com literatura que comece com textos curtos. São duas boas razões, uma é que eu comecei escrevendo textos curtos e por isso acho que funcionou comigo. Todo bom ou mau escritor ensina seu caminho para quem o queira seguir. A segunda eu explico neste texto.
Quando a gente está começando a fazer qualquer coisa nova, nada nos motiva mais do que completar etapas. Quando estudava música, eu padeci horas de treinamento sem ver nenhum sentido ou futuro, até que um dia me deparei tocando “Desordem”, dos Titãs, em um contrabaixo. O meu sentimento foi inexprimível. Sim, é uma música ridiculamente simples, que, mais do que dois acordes, empregava duas notas no contrabaixo. Mas eu consegui tocá-la sem erros, e isso me motivou. Pouco depois toquei o riff de “Soul Stripper” do AC/DC e me senti um deus.
Infelizmente eu tive que parar com a música por causa da tendinite mas gravei muito bem estas sensações e as coloquei em perspectiva da minha carreira literária.
Quando comecei, eu fazia poemas. Eu gostava de terminar cada um deles, contemplá-lo no papel, passá-lo a limpo, lê-lo.
Quando resolvi passar à ficção, eu gostava da sensação de terminar um conto ou crônica e ter algo a mostrar para alguém, algo para revisar ou analisar. E como eu revisava, como reescrevia.
Eu estava inseguro, não sabia se estava fazendo bem, precisava de opiniões. É muito mais fácil achar quem se disponha a ler um conto do que alguém que se disponha a ler uma trilogia.
Além do que o conto é uma obra fechada em si, que pode ser avaliada autonomamente, sem desculpas. Uma trilogia deveria ser avaliada no todo. E você sempre usará a desculpa de que o texto não funcionou para o leitor porque ele depende da leitura de outra parte que você não pode revelar, etc.
O autor é um trapaceiro e não quer ser criticado. Procura desculpas para desqualificar quem lhe critique e é muito fácil achar quando você começa com obras grandes, divulgando trechos pequenos. O trecho que divulgou é sempre o dedo feio do pé machucado, o dente cariado do fundo da boca.
E enquanto tem essas dificuldades para ser avaliado corretamente, você ainda não teve a sensação de terminar a obra, de contemplá-la fechada, de poder avaliá-la em seu íntimo.
Ess falta de perspectivas faz com que você tenha dificuldades para se manter motivado.
Quando está correndo no asfalto você se sente oprimido pela distância, mas nos trechos onde as pessoas costumam correr estão pintadas no chão marcos a cada 100 metros, que você vai contando e se sentindo mais animado a continuar. Mais cem metros, mais cem metros, estou chegando ao quilômetro, mais cem metors, mais cem metros.
Escrever uma trilogia é entrar no asfalto sabendo que são quilometros até a proxima cidade, sem marcas de cem metros para apreciar. Escrever contos é correr o mesmo trecho, medido em pedaços de cem metros. A distância é a mesma, mas o prazer de percorrer é diferente. Mais tarde, quando você se acostuma, os quilômetros se tornam como trechos de cem metros.
Sei que é uma metáfora incompreensível para quem vive em grandes cidades, que se espraiam por dezenas de quilômetros, mas funciona para mim, que vivo neste interior de Minas, que é um arquipélago de cidadezinhas entre as montanhas.
Aprenda a correr trechos pequenos, realizando-se em cada um deles. Deixe que as obras cresçam à medida que você cresça, não tente atravessar o oceano a nado antes de conseguir atravessar uma piscina, ou um rio.