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Textões e ficções sem compromisso
by J. G. Gouvêa Atualizado em 2021-05-05

Blogs que Leio: Astromiau da Discórdia e do Atum

Publicado em: 27/07/2014

O “Astromiau” é o novo blog do Sérgio Ferrari, escritor paulista que eu leio desde os tempos do Orkutossaurus. Leio e gosto apesar do estilo dele ser muito diverso do meu e, por vezes, ser até contrário aos meus sentidos literários. É que ele é muito criativo, coisa que nem sempre funciona, mas quando acerta a mão ele se sai com textos excelentes, como os lendários “Croma Silvana e o Jantar Quadriculado” e “[Porcoso, Faminto e Perigoso](http://astromiau.blogspot.com.br/2013/06/porcoso-faminto-e-perigoso.html)” — que fizeram furor nos tempos da comunidade Novos Escritores do Brasil. Outros textos antigos e conhecidos também voltaram nesse blog, como [O Sorvete Pirata](http://astromiau.blogspot.com.br/2013/08/o-sorvete-pirata.html), [Zé de Lima, Rua Laura, Mil e dez](http://astromiau.blogspot.com.br/2014/07/ze-de-lima-rua-laura-mil-e-dez.html), [Puf!](http://astromiau.blogspot.com.br/2014/07/puf.html), [Por Causa do Buraco Negro, Lenise Virou Linese]), [Invasão ao Castelo do Papai Noel](http://astromiau.blogspot.com.br/2013/12/invasao-ao-castelo-do-papai-noel.html), [O Último Ingrediente](http://astromiau.blogspot.com.br/2014/07/o-ultimo-ingrediente.html), [Elas São Gemas](http://astromiau.blogspot.com.br/2013/04/elas-sao-gemas.html) e [Reinação dos Covardes](http://astromiau.blogspot.com.br/2014/05/reinacao-dos-covardes.html).

Em seu novo blog, Ferrari recuperou alguns de seus textos clássicos, incluindo os citados (notem que, lamentavelmente, “Croma Silvana” lá não está), mas o grosso do conteúdo é o seu trabalho com uma estética literária que ele descreve como… Contos Fantásticos, Discordianismo, Criptofuturismo, Surrealismo, Coisificação, Neo-Parnasianismo e Pinturas Escritas.

Embora estes elementos estejam presentes em *toda* a obra de Ferrari, inclusive nas que se manifestam como narrativas semi-convencionais (citadas arriba), existe uma classe de textos que predomina no blog, e na qual estes elementos estão claramente no centro do picadeiro.

São textos que eu considero menos legíveis porque se afastam da minha experiência literária ao longo da vida (que é muito “classicosa” e incluiu até Dante Aligheri e a Odisseia). Mas são textos que se assentam em tradições artísticas respeitáveis. O Discordianismo é descrito pela Wikipedia como uma religião que deu origem a uma filosofia centrada no conceito da deusa Discórdia (Éris) e que se manifesta no uso de um humor subversivo, que tem por objetivo atacar os conceitos estabelecidos e impedir que as próprias ideias se tornem dogmas. O Discordianismo tem pontos de contato com o Neoísmo, que é uma estética literária e musical que se baseia na total remoção do conteúdo, restando apenas a forma e a pose. Ambos decorrem do Dadaísmo (embora Ferrari cite o Surrealismo, que deriva deste, mas não se confunde com ele e não está na sequencia lógica do Discordianismo). A menção a um “Neo-Parnasianismo” se insere muito bem nesse contexto, pois o Parnasianismo original tratava justamente de estabelecer o primado da Forma em detrimento do conteúdo. Resumindo tudo isso, Ferrari cunha o conceito de “Pintura Escrita” (o termo “coisificação”, também usado na citação, me parece sem finalidade). Uma “pintura escrita” é um texto que produz determinado efeito, mas cuja interpretação fica aberta ao leitor — e é disso que se trata a obra não-narrativa presente no Astromiau, e que poderia ser definida como uma forma de poesia, ou de “proesia” (e seus textos, como “prosoemas”).

Uma das características desse tipo de texto é recorrer a títulos impactantes, que remetem às denominações fortes utilizadas pelos pintores abstratos para descrever seus quadros. Alguns de tais intrigantes títulos são [Melões quando estão maduros](http://astromiau.blogspot.com.br/2012/09/meloes-quando-estao-maduros.html), [Quase Creia em Tudo, Tanto Faz](http://astromiau.blogspot.com.br/2012/09/quase-creia-em-tudo-tanto-faz.html), [Não Existem Fantasmas na Chuva](http://astromiau.blogspot.com.br/2013/02/nao-existem-fantasmas-na-chuva.html), [Tapetes Felpudos e Coxas](http://astromiau.blogspot.com.br/2012/09/tapetes-felpudos-e-coxas.html), [Escola do Cervejismo Mágico](http://astromiau.blogspot.com.br/2012/09/escola-do-cervejismo-magico.html), [Cardápio de Risco](http://astromiau.blogspot.com.br/2012/12/cardapio-de-risco.html), [Disque Vigarista](http://astromiau.blogspot.com.br/2013/05/disque-vigarista.html) e [Intersexualidades Discognitivas](http://astromiau.blogspot.com.br/2013/06/intersexualidades-discognitivas.html).

Em resumo, Sérgio Ferrari oferece aos seus leitores dois tipos de texto: uma narrativa de forma tradicional que se beneficia de uma imaginação anárquica que se traduz em cenas que remetem ao surrealismo, e obras quasepoéticas que atacam o senso comum, seguindo a inspiração Discordianista. Eu particularmente acho que o primeiro tipo resulta nas melhores obras do autor, mas ele parece ter prazer em se dedicar ao outro como uma espécie de exercício.

Infelizmente, no caso do Ferrari, os textos mais antigos são mais anárquicos e surreais e são muito melhores. Ele parece estar em crise criativa, ou então está desestimulado pela falta de interação e de reconhecimento, como eu fico, às vezes.

Não deixem de conhecer este curioso e saboroso blog.

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