Letras Elétricas
Textões e ficções. Tretas e caretas. Histórias e tramóias.
by J. G. Gouvêa

Tudo Seria Válido em Literatura?

Publicado em: 31/01/2015

A relatividade dos gostos literários vigora no presente, mas não no passado. Porque gosto é algo relativo, é verdade, mas o que define o valor absoluto de uma obra é aquilo que vai além do gosto.

As obras que se limitam a atender gostos presentes são esquecidas à medida que os gostos mudam. Mas há obras que, além de atenderem aos gostos, ou mesmo sem atendê-los, contêm elementos que são significativos para gerações posteriores. Estas obras permanecem. Não porque sejam perfeitas, mas porque ainda são interessantes.

Os clássicos são clássicos porque ainda são interessantes. Não há como negar isso. Se você quiser negar isso, terá que impedir Shakespeare e Dostoiévski de ainda serem lidos. Convencer todo mundo que eles não são interessantes. Mas não conseguirá, porque mesmo que convença a maioria, sempre haverá pessoas que se interessem por esses autores, porque eles oferecem coisas que são interessantes para pessoas de nosso tempo, embora em minoria.

Negar o valor dos clássicos é apenas dizer que você não se interessa por eles. Os clássicos estão cagando e andando para o que você acha: eles sempre serão lidos e não há nenhum sentido de superioridade nisso, apenas o fato de que há muitas pessoas que são imediatistas e focam na literatura como divertimento. Para estas pessoas, um livro publicado há cem anos não pode dizer nada de interessante. É uma posição a priori, preconceituosa portanto.

A cultura de massas, ao mesmo tempo em que se alimenta da cultura “clássica”, direta ou indiretamente, procura negar o seu valor. Em parte isto ocorre porque os praticantes da cultura de massa, quando inteligentes, têm consciência de suas limitações e precisam convencer as pessoas de que pedra é pau e pau é pedra para que eles possam vender o que fazem. Pessoas que tenham recebido uma educação abrangente e não tenham sofrido influência decisiva de cultura de massas não aceitarão elementos desse tipo.

Um bom exemplo é a forma como os ingleses reagem ao “funk carioca”. Embora eles próprios tenham sua “cultura de massas” (tão grosseira e imbecil quanto o funk), por estarem “fora da caixa” eles podem indentificar os vícios do outro e apontá-los.

Mas quando você está “dentro da caixa” você não consegue se libertar da lavagem cerebral e aceita que pedra é pau e pau é pedra. Você absorve ideologias imediatistas e aceita aquilo que você não aceita quando contempla no outro.

Um bom exemplo: boa parte dos fãs de telenovela brasileira zombam de novelas mexicanas. Novelas mexicanas são cultura de massas no México. Nós não percebemos como as nossas telenovelas são rasas, mas percebemos os excessos e artifícios da telenovela dos outros. Achamos que Manoel Carlos é um bom escritor, mas sequer sabemos quem foi o “otário” que escreveu “María del Barrio” (embora ele possa tere ganhado mais dinheiro e “prêmios” do que Manoel Carlos).

Argumentar em torno de gostos é uma argumentação obscurantista, portanto, porque os gostos não são livres. Você não gosta de coisas que escolheu gostar, mas de coisas que foi adestrada para gostar. Você é, como eu, produto do meio. Se meus valores são diferentes dos seus, não é porque eu seja superior, mas porque fui criado em um ambiente muito diferente.

Ocorre que todos nós temos duas escolhas:

  1. absorver acriticamente a cultura de massas e viver regurgitando-a e ruminando-a ao tempo em que afirmamos que ela é boa e que a escolhemos de bom grado

  2. tentar “pensar fora da caixa” e encarar a cultura de massas que nos é impingida sob um ponto de vista de alteridade, tentar encarar tudo isso como encaramos a cultura de massas “do outro”.

A primeira escolha envolve desvalorizar o que é diferente do consenso, envolve internalizar como seus os valores que lhe foram impostos pela família, pela vizinha, pela escola, pelos grupos de pressão, pela televisão, pelo rádio, pelo governo, etc.

A segunda escolha envolve questionar os valores e as qualidades, buscar paradigmas para definir o que é afinal bom e belo, mesmo reconhecendo que tais opiniões são precárias e relativas.

A primeira escolha não produz nada de novo, pois te coloca numa posição passiva de consumidor.

A segunda produz conhecimento porque o questionamento das próprias certezas é o parto do conhecimento verdadeiro.

Em qualquer circunstância, as opiniões daqueles que fazem a primeira opção apenas refletem grosseria intelectual ou apego à ignorância.

As pessoas têm medo de mudar, tendemos ao conservadorismo. Tendemos a acreditar que vivemos no melhor dos mundos, e isso piora à medida que envelhecemos, porque detestaríamos admitir que andamos perdendo tempo. Que escolhemos errado.

Arquivado em: crítica