Que critérios determinam que o positivismo é uma visão obsoleta da história? Esta pergunta foi feita por mim mesmo, no Quora, para ser respondida por quem se interessasse. A intenção, porém, desde o início era eu mesmo escrever uma resposta — motivada pelos comentários recebidos em minha resposta sobre as distorções da História do Brasil que me foram ensinadas na escola.
Confesso que fiquei inseguro se poderia fazer isso, mas não encontrei nas regras de lá nenhuma proibição de fazer perguntas a mim mesmo — apesar de que isso é incomum. É uma resposta muito longa e eu não espero que todos os trolls que andam patrulhando a internet tenham paciência para lê-la, mas, se você tem gosto pelo estudo da história, talvez considere interessantes essas observações que passo a fazer.
De qual positivismo falamos?
Temos de começar explicando a diferença o “positivismo” propriamente dito, uma corrente filosófica de origem francesa, e o “positivismo lógico”, outro movimento filosófico, surgido mais tarde entre pensadores de língua alemã.
- O positivismo comteano foi fundado pelo francês Auguste Comte na primeira metade do século XIX.
- O positivismo lógico surgiu na Áustria e da Alemanha entre as guerras mundiais.
- Os grandes luminares do positivismo comteano foram, além de Comte, Henri de Saint-Simon, Pierre-Simon Laplace e Émil Durkheim.
- Os grandes luminares do positivismo lógico foram Ludwig Wittgenstein, Rudolf Carnap e Thomas Kuhn.
O positivismo comteano definia a ciência como “descrição” da realidade, enquanto o positivismo lógico a propunha como “explicação” da realidade. Só isto basta para negar que as duas escolas sejam a mesma coisa. Apesar do nome, o “positivismo lógico” ignora Auguste Comte.
Positivismo e Marxismo.
Os marxistas tendem a “denunciar” o positivismo, mas, na verdade, “positivismo” e “marxismo” estão no mesmo contexto filosófico e compartilham muitas semelhanças conceituais. Ambos tinham por objetivo desenvolver uma abordagem “moderna” do estudo da História, para substituir a visão teológica que prevalecera até então. Ambos, inclusive, reivindicam como antecessores os históriadores do Iluminismo, como Edward Gibbon (autor de Declínio e Queda do Império Romano).
Embora se baseiem em pressupostos semelhantes, logo de saída surgiram divergências conceituais e metodológicas irreconciliáveis entre os dois:
O positivismo é uma filosofia “monista”, para a qual todas as ciências devem seguir métodos baseados em um método comum (o “método científico”). Nele há uma preocupação relevante com o conceito de “demarcação” entre as “ciências”, vistas como campos separados do conhecimento que não devem contaminar-se reciprocamente. O históriador, por exemplo, deve preservar a sua independência metodológica.
O marxismo é pluralista: ele concebe que, no mínimo, existam três diferentes métodos científicos, correspondentes às ciências exatas (que produzem conhecimentos amplamente testáveis), as ciências “históricas” (que produzem conhecimentos testáveis pelo estudo dos registros de observações) e as ciências “humanas” (cujos métodos são desenvolvidos conforme a necessidade de produção de conhecimento). Apesar de conceber os diversos métodos científicos como diferentes, o marxismo os vê como complementares. A demarcação estrita é um obstáculo ao entendimento do fenômeno observado. O históriador deve recorrer, sempre que seja necessário, ao apoio de outras ciências.
O positivismo é “fixista”, ou seja, concebe o fato como algo imutável e finito, de que só temos conhecimento incompleto porque temos registros incompletos. O marxismo é “dialético”, ou seja, concebe os fatos como dinâmicos e abertos, e seu estudo sob diversos ângulos pode produzir interpretações divergentes. O foco do positivismo é obter o conhecimento perfeito de um passado determinado. O foco do marxismo é compreender o processo das mudanças no passado: o “fato histórico” é, na verdade, apenas um aspecto de uma evolução.
Por esses motivos, o positivismo nega a possibilidade de interpretação dos fatos históricos, pois isso seria cometer anacronismo: os fatos do passado pertencem ao passado e somente no passado podem ser encontradas as explicações sobre eles. Desta forma, um autor do passado, contemporâneo aos fatos, tem mais autoridade para explicá-lo do que um autor do presente. O marxismo, por sua vez, considera que o históriador tem não só a possibilidade mas a obrigação de interpretar os fatos que estuda, porque, mesmo estando afastado temporal e espacialmente deles, beneficia-se do distanciamento e pode ter acesso a documentos, informações e conhecimentos que não estavam ao alcance de um contemporâneo.
Podemos resumir as divergências dizendo que o históriador positivista se apresenta como um erudito independente que trabalha com suas fontes de maneira neutra, enquanto o históriador marxista se apresenta como um pesquisador multidisciplinar que tem uma abordagem crítica das fontes.
Nesse contexto, “neutralidade” é um termo enganoso, porque abordar acriticamente os textos do passado significa aceitar sem questionamentos a versão produzida pelos autores do passado.
O marxismo antecipa, então, a atitude moderna diante da história, enquanto o positivismo é a própria epítome do academicismo da época clássica.
O Marxismo e a História Nova.
Apesar dessa modernidade, por todo o século XIX, a visão marxista ficou à margem do pensamento histórico porque não tinha uma metodologia própria. No máximo, havia históriadores com uma “visão marxista”, que se debruçavam sobre os mesmos documentos usados pelos positivistas. Só começou a se falar em um “método marxista” para o estudo da História nos anos 1930, quando a URSS, já consolidada, implantava um currículo próprio para o ensino superior. Essa “história marxista”, porém, nunca se constituiu num método de todo independente. O marxismo está na filosofia da história e não propriamente na “práxis”.
A oposição que o positivismo enfrentou não foi dos marxistas, mas a dos próprios acadêmicos da Europa, e mais tarde dos Estados Unidos, que passaram a denunciar a esterilidade do positivista comtiano. Esta oposição começou ainda na virada do século XX, com a Revue de Synthèse, de Henri Berr, para quem o positivismo cometia “excessos de erudição” e deixava as diferentes áreas do conhecimento demasiadamente separadas.
Mesmo pouco reconhecida no começo, a Synthèse atraiu colaboradores de peso, como o antigo positivista Durkheim. No pós-guerra, começou a ganhar influência e deu origem à “História Nova”, criada por discípulos de Berr, Marc Bloch e Lucien Febvre, que fundaram, em 1929, em Estrasburgo, Les Annales d’Histoire Économique et Sociale. Esta revista já contém em seu próprio título um desafio aberto ao positivismo, por acrescentar à história (que Fustel de Coulanges considerava uma disciplina “pura”) elementos econômicos (derivados, principalmente, do marxismo) e sociais (derivados do marxismo e do positivismo renovado de Émile Durkheim, entre outros).
Porque o positivismo comteano entrou em crise.
Por volta da primeira década do século XX o ressentimento com o positivismo já era difundido, porque o positivismo era visto como uma vertente do academicismo, que começava a ser questionado em diversas frentes.
O abandono do positivismo ocorreu gradualmente e por diversos motivos, sendo um dos mais fortes a tese do esgotamento da história, segundo a qual “toda a história fora escrita” a partir dos limitados documentos do passado que havia. Ocorre que, como bem observou Marc Bloch, ainda continuaram a ocorrer descobertas de documentos, que traziam novos elementos para a revisão do conhecimento estabelecido. Se o positivismo fazia parecer que tudo já fora escrito, qualquer tentativa de reescrever a história passava a ser em oposição ao positivismo.
Nesse momento, tornou-se problemático o aspecto tradicionalista da Igreja Positivista e suas relações com os conservadores. A revisão dos conhecimentos históricos a partir de novos dados era uma ameaça às instituições estabelecidas, ameaçando, portanto, a posição dos positivistas e seus aliados políticos.
À luz da filosofia, positivismo e marxismo padecem, ambos, do vício da linearidade. O positivismo nega, por princípio, que os fatos históricos possam ser conectados de qualquer forma não sequencial. Cada evento histórico é único e contextualizado. O marxismo afirma, por princípio, que existe um mecanismo geral na história (a luta de classes) e que os fatos históricos não são únicos, mas seguem padrões. Daí agruparem as sociedades segundo “modos de produção” econômica e estágios de desenvolvimento cultural. O positivismo vê a história como uma evolução do passado rumo ao presente. O marxismo a vê como um processo que terá um fim predeterminado: a revolução comunista.
Os marxistas reivindicavam bases científicas e propunham que o históriador devia aproximar-se das demais ciências para obter elementos que embasassem sua análise dos fatos históricos. Com isso, quaisquer que fossem os vícios originais de sua filosofia, eles se viam obrigados a manter uma mente aberta a novos conhecimentos e fontes, e também a contribuir com outros campos do conhecimento. Friedrich Engels, por exemplo, escreveu sua obra A Origem da Família, da Propriedade Privada e do Estado a partir de sua leitura de um antropólogo americano Henry Morgan.
Enquanto isso, apesar de reivindicar neutralidade conceitual, Auguste Comte havia constituído não um partido político, nem uma escola, mas uma Igreja. A fundação desta apresenta um caráter muito simbólico da real atitude positivista diante da necessária revisão do conhecimento a partir de novos dados. Partiram para a atividade política no campo conservador e tentaram “sacralizar” seu método.
A longo prazo, este isolacionismo passou a ser visto como uma postura intelectualmente castradora, relegou a filosofia comteana ao largo do pensamento científico geral, e transformou a influência positivista em uma espécie de obscurantismo reacionário — exatamente o oposto da Religião da Razão que Comte havia planejado. Todos os defeitos normalmente apontados no marxismo existem em grau triplamente maior naquilo em que o positivismo degenerou no século XX.
As contradições internas do positivismo comteano.
Analisemos por que razão o positivismo está equivocado e obsoleto em seus próprios termos. Para entender isso, precisamos de uma definição feita por um históriador incontestavelmente positivista. Para isso recorremos a Fustel de Coulanges:
A História é uma ciência pura(…). O históriador não deve ter outra ambição que a de ver bem os fatos e compreendê-los com exatidão. Não é em sua imaginação ou lógica que ele os procura, mas sim na observação minuciosa dos textos, da mesma maneira que o químico encontra os seus em experiências minuciosamente conduzidas.
Isso significa que a história deve ser entendida como uma ciência natural: sua compreensão estaria apenas na observação dos registros pelo históriador, sem qualquer análise. Analisar é opinar. Opinião é algo subjetivo. Uma opinião moderna é anacrônica em relação à época em que os fatos ocorreram. Portanto, para o positivista, tentar explicar fatos é mentir sobre eles, que falam por si e são auto-evidentes, bastando ao históriador descobrir os documentos e trazê-los ao conhecimento do público. O históriador não produz conhecimento, ele é um mero transmissor do conhecimento que há nos textos históricos.
Observe que Coulanges se refere a “textos”, não a documentos. Foi somente com a Escola dos Annales que se difundiu o conceito de que as fontes históricas poderiam estar em documentos, monumentos ou resquícios materiais.
Tanto os marxistas antigos quanto os positivistas tinham obsessão por documentos escritos. Isso os levou a cometer a primeira grande besteira do historicismo eurocêntrico: a afirmação de que os povos desprovidos de escrita não possuíam história, afirmação muito usada como justificativa para a dominação e a destruição cultural dos povos africanos e asiáticos durante o neocolonialismo. Contribuiu, também, para que o estudo desses povos fosse relegado à antropologia, negando-lhes a possibilidade de terem sua história.
Não é esse, no entanto, o maior dos problemas do positivismo, embora seja muito, muito grande. O que torna o positivismo absurdo é que ele não questiona a validade dos documentos históricos.
Os nossos pais costumavam ter um provérbio segundo o qual “papel aceita tudo”. Diziam isso sempre que alguém usasse algum livro como argumento para uma discussão. Os positivistas, porém, não conheceram esse provérbio em sua infância, pois a sua análise dos documentos históricos se limitava à autenticidade destes. Isto é, lhes interessava saber se o documento não tinha sido forjado e se o seu conteúdo estava de acordo com o conhecimento estabelecido. Uma vez que o documento era verdadeiro e incontroverso, consideravam válido o seu conteúdo, porque questionar esse conteúdo seria um anacronismo. O confronto entre os documentos era feito unicamente pelo aspecto quantitativo: a verdade histórica seria aquela expressa pela maior quantidade de fontes, pura e simplesmente.
A dependência do conteúdo textual leva a um problema: o conflito de versões. Ora, sabemos que cada país escreve suas próprias histórias e produz as suas lendas. O que se deve fazer quando dois povos vizinhos narram de maneira divergente a mesma história? Deve a versão de um país mais populoso prevalecer porque ele pode produzir mais fontes para amparar suas afirmações? Segundo o positivismo, sim! Desta forma, a versão eurocêntrica da história (baseada em muitas fontes) prevalecia sobre narrativas confrontantes, porque careciam de fontes. Que os próprios europeus, em suas guerras coloniais, haviam tratado de destruir bibliotecas inteiras a fim de suprimir as fontes discordantes? Isso não vinha ao caso!
O mais grave de todos os problemas, no entanto, é que o positivismo “esteriliza” a história. Como os fatos são considerados únicos e irrepetíveis, a história não tem um “mecanismo” subjacente, o que o positivista nos diz é que os fatos do passado são desconectados. Isso leva ao estudo de datas e nomes, sem que se saiba por que, criando aquela história sem sal que todos detestamos na escola.
Desse problema ainda deriva o seu corolário: se a história é autorreferente e depende totalmente do contexto, os fatos são inexplicáveis, a consequência disso é que não se produz conhecimento. Esta história não nos ajuda a refletir, ela não nos traz lições nem sobre quem realmente somos, nem sobre os riscos que corremos. Isto torna a história uma mera literatura.
Um exemplo disso é a visão positivista sobre o indígena brasileiro. O canibalismo, traço cultural encontrado entre vários povos das Américas, é mostrado de maneira acrítica, o que permite que se construa, paralelamente à “neutralidade” aparente, uma visão deste como um hábito bárbaro e cruel, que apoia a narrativa de selvageria e de indigência moral dos nativos. Essa visão, porém, não ajuda a entender porque o canibalismo existe e certos povos o praticam, mas outros não. Para o positivista, a questão do canibalismo é assunto para a antropologia, não para a história. Ora, como não temos aulas de antropologia nas escolas, um conhecimento muito significativo para a compreensão de nosso passado fica restrito aos círculos acadêmicos, enquanto a apresentação “fria” dos fatos relativos ao canibalismo indígena deixa espaço para o desenvolvimento e a perpetuação de explicações preconceituosas (ou simplesmente falsas, ou irrelevantes).
Isto nos leva a um corolário bastante deprimente: uma visão estritamente positivista da história sonega informação útil, enquanto enumera séries de nomes e datas que pouco significam para o estudante.
Desse corolário ainda podemos extrair um segundo: a história positivista fornece os argumentos de sua própria irrelevância, justificando aquele que diz que não se deve estudar história. Afinal, mesmo a necessidade de estudá-la não pode ser explicada, tudo é um eterno “porque sim” que se alterna com um “só sei que foi assim”.
Finalmente, ao isolar a história como uma forma de literatura sem finalidade prática, o positivismo impede o diálogo interdisciplinar, o que acaba por dificultar o desenvolvimento de outras ciências.
O problema metodológico.
O monismo metodológico, a ideia de que todas as ciências deveriam seguir paradigmas idênticos, ou tão semelhantes quanto isto fosse possível, era uma obsessão dos positivistas, mas o monismo não se sustenta como método.
Filosoficamente falando, o monismo seria a crença de que todas as coisas possuem a mesma essência, enquanto o pluralismo defenderia que existem diferentes essências. Em filosofia da ciência, podemos dizer que, em um nível bastante básico, a realidade é monista, porque tudo que existe se baseia em partículas elementares.
A controvérsia do positivismo é que ele acredita que os mesmos princípios que governam reações químicas e órbitas planetárias se aplicariam aos acontecimentos da história. Os fatos das ciências naturais obedecem a “leis”, que explicam seu funcionamento e permitem fazer predições. Uma vez calculada a órbita de um corpo celeste, é possível saber em que ponto ele estava em qualquer momento dado no passado.
Ao pretender uma abordagem monista da história, o positivismo deixa aberta uma brecha para a visão teológica: caso venham a ser conhecidas as “leis” que governam os fatos históricos, será possível prevê-los. Esta concepção deriva de uma frase de Heródoto, segundo a qual se estuda o passado a fim de melhor compreender o presente, para estarmos preparados para o futuro. Você, marxista, deve ter sentido um estranho incômodo ao ler isto, porque a ideia de que haveria “leis” nos processos históricos e de que seria possível idealizar os fatos futuros se parece desconfortavelmente com a visão marxista. Por isto eu disse, lá no começo, que o marxismo e o positivismo partilham semelhanças conceituais.
A superação do positivismo exigiu a aceitação de que não se pode estudar ciências sociais empregando somente métodos quantitativos e análises impessoais das fontes. Com o tempo, firmou-se a ideia de que as ciências sociais precisavam criar seus próprios métodos. No caso da história, a ideia de que os históriadores poderiam trabalhar a história segundo seus próprios termos, sem ter de recorrer a “leis” atemporais e sem a ideia de um “sentido” externo ao processo histórico.
Por que o positivismo permaneceu influente.
A influência positivista sobre o ensino de história demorou a se dissolver porque esta ideologia foi abraçada pelos reacionários e conservadores do mundo todo.
É fácil entender por que o positivismo ganhou a atenção dos conservadores: a aridez do estudo de nomes e datas facilita a interdição do debate sobre o passado e o presente. Sob a pretensão da neutralidade, o positivismo repassa como verdades inquestionáveis os elementos que foram selecionados para preservação por aqueles que detiveram o poder no passado. Se você é daqueles que criticam a história dizendo que ela é escrita pelos vencedores, você está criticando o positivismo.
Essa fidelidade ao documento oficial permite aos detentores do poder utilizar uma abordagem positivista para perpetuar a própria lenda nacional, escondendo aquilo que não interessa porque, segundo as palavras de Heisenberg, “para o positivismo, a realidade é apenas aquilo que pode ser conhecido com clareza”.
Rui Barbosa, um positivista, comandou a destruição dos documentos sobre a escravidão no Arquivo Nacional, para, segundo ele, “apagar a mancha” que este passado deixava na História do Brasil. Somente um positivista teria tal devoção pelo documento que suporia que a queima dos registros equivaleria ao cancelamento da existência de suas consequências.
O marxismo foi a primeira escola de filosofia das ciências sociais que se insurgiu contra o eurocentrismo, o formalismo e o reacionarismo; encontrados no positivismo comteano. Ao longo do tempo o marxismo se esgotou também, mas nunca chegou ao estado de degeneração do positivismo, que migrou do terreno da filosofia da ciência para o das ideologias políticas.
Ao cabo de tudo, devido à rivalidade entre socialistas e conservadores, não foi o marxismo que destronou o positivismo, mas a Escola dos Annales. Ainda bem que foi assim, porque, por mais bem intencionados que tenham sido os marxistas, foi esta que conseguiu efetivamente substituiu a abordagem positivista. A tal ponto que os próprios marxistas parecem ter concedido a derrota. Quando fiz a faculdade de história, a minha professora de História Antiga, marxista “roxa”, dizia que era perfeitamente adequado um históriador trabalhar segundo os métodos da Escola dos Annales, mesmo tendo uma visão marxista. Segundo ela, a visão marxista se aplica ao geral, enquanto a “História das Mentalidades” (segundo ela a chamava) forneceria as bases para a pesquisa e os elementos estruturais para a construção da narrativa.
Diferente do positivismo, que advogava uma espécie de “fim da história”, no contexto da “História Nova”, o conhecimento histórico nunca é conhecido em sua totalidade, sempre pode ser reinterpretado, sempre podem surgir novos elementos, sempre podem ocorrer “insights” que o revalorizem. Principalmente pode ser que cada época tenha interesses específicos. Portanto, a história não pode ser genérica e impessoal.
Portanto, sim, no terreno acadêmico, a dicotomia entre marxismo e positivismo está superada há pelo menos quarenta anos no Brasil. É espantoso, portanto, que um movimento como o Escola Sem Partido apareça justamente propagando a mesma ideologia segundo a qual Auguste Comte um dia criou o positivismo e sua igreja.