Você já deve ter ouvido falar que vivemos atualmente a “Era da Informação”. Esse termo é usado, desde pelo menos 1980, por causa das transformações sociais, econômicas, políticas e culturais que vêm ocorrendo sob o impacto da difusão dos computadores. Mas duvido que você já tenha se dedicado a refletir sobre as transformações geopolíticas que surgiram e surgirão diante da onda tecnológica que nos vem tragando há quarenta anos.
Pudera! Esse tipo de reflexão costuma estar nas mentes e nos livros mais especulativos. Uma dessas mentes foi a de Alvin Toffler, um escritor americano especializado em “futurismo” — a tentativa de prever o futuro. Para ele, a evolução das sociedades humanas teriam passado por três estágios: agropecuário, industrial e tecnológico.
O primeira começou na pré-história e resultou na criação das civilizações e da cultura letrada. O segundo surgiu há cerca de trezentos anos e produziu a sociedade de massas e os intercâmbios comerciais globais.
A transição entre um estágio e outro não é um processo instantâneo e nem se caracteriza por um corte definitivo. Cada “era” resulta do acréscimo de conhecimentos novos e tecnologias, transformando e ressignificando os elementos característicos da era anterior. Por isso, Alvin Toffler não se concentrava tanto nas eras propriamente ditas, que eram difíceis de delimitar, mas nas “ondas” de transformações que produziam a transição de uma era a outra. Assim, a “primeira onda” demorou dezenas de milhares de anos para impactar (não sabemos quanto) e consistiu nas descobertas do pastoreio e da agricultura. A “segunda onda” levou milênios para impactar e consistiu nas descobertas da metalurgia e do método científico, que permitiram o desenvolvimento de ferramentas e máquinas. Alguns dos elementos necessários à segunda onda foram criados há mais de dois mil e quinhentos anos e poucos deles foram inventados no século XVIII, época em que o ritmo das transformações se intensificou. Então, a “terceira onda” consiste do impacto da invenção do computador e de outros meios para armazenar e tratar a informação. Embora o computador seja uma invenção recente, antecessores seus, os “autômatos”, existem há séculos e alguns elementos necessários à sua existência, como a escrita alfabética e as propriedades de certos materiais, já são conhecidos há milênios.
A ideia de Toffler, segundo a qual o armazenamento e o tratamento da informação consistiriam em uma “terceira onda” de transformações culturais, econômicas e sociais data de 1979 e é um testemunho da genialidade do autor. O livro foi publicado em 1980 e traduzido no Brasil em 1984. Antes de “A Terceira Onda”, Toffler já havia escrito uma obra também muito instigante, intitulada “O Choque do Futuro”, que argumentava que, no futuro, as pessoas viveriam sob permanente tensão diante das rápidas transformações que presenciariam, resultando em um estado comparàvel à situação dos soldados das trincheiras da Primeira Guerra Mundial, que tinham sido afetados pelo que, na época, se chamou de shell shock, hoje conhecido como Transtorno de Estresse Pós-Traumático. A combinação desse estado de choque diante do futuro com as transformações novas geradas pela Terceira Onda poderia levar a uma desagregação cultural e institucional do mundo.
Nada isso é teoria de conspiração, tudo isso são análises frias, feitas por um homem extremamente inteligente, cujos livros fizeram predições bastante razoáveis, que ainda são válidas quarenta anos depois.
Na primeira onda o grande valor econômico era a terra, que produzia alimentos e permitia sustentar grandes populações. Países populosos podiam ter exércitos numerosos e eram militarmente fortes. A epítome dessa primeira onda se encontra no trabalho dos economistas fisiocratas franceses, como Quesnay e Turgot, que escreveram no século XVII, menos de cem anos antes do começo da segunda onda, da Revolução Industrial. Essa foi uma era de grandes impérios territoriais antigos e do colonialismo moderno. Nessa era as civilizações urbanas, surgidas pelo poder da agropecuária, expulsaram todos os povos caçadores e coletores para as zonas marginais dos territórios, quando não os incorporaram e subjugaram diretamente.
Na segunda onda o valor econômico estava nas jazidas de minerais (metais, carvão, petróleo e elementos radiativos, por exemplo), que podiam ser tranformados em máquinas, ferramentas e armas. Países dotados de uma indústria forte podiam não ser muito populosos e ter exércitos pequenos, mas suas armas eficientes permitiam trucidar multidões de bravos guerreiros. A epítome dessa segunda onda se encontra no trabalho dos economistas clássicos, categoria que inclui os liberais (Smith e Ricardo) e os socialistas (Marx, principalmente). Essa foi a era dos impérios comerciais e das guerras mundiais. Nessa era as nações possuidoras de tecnologia dominaram completamente as nações que ainda estavam no estágio agrícola, ou as subalternizaram de alguma maneira indireta.
Na terceira onda o valor econômico não reside mais na terra, porque a subsistência se considera um problema resolvido para a elite endinheirada e pensante (ela não se importa se a maioria da população tem ou não o de comer). O valor econômico não está nas jazidas minerais porque elas não se transformam sozinhas em armas e equipamentos. Tampouco está na indústria, esta sim capaz de fazer essa transformação, porque armas e ferramentas manipuladas pela mão humana não conseguem transformar a realidade com a rapidez necessária. O valor está no conhecimento e na informação, porque esses constroem ferramentas e armas de grande sofisticação, através dos quais as ferramentas e armas mais simples, restantes da segunda onda, se tornam ineficazes. Assim, com as armas superiores construídas pelo conhecimento e pela informação, é possível controlar as jazidas de que armas e ferramentas são feitas e também a terra, de onde surge o sustento para as populações. Desta maneira, a civilização da Terceira Onda adquire o poder de não apenas assegurar plenamente a própria sobrevivência, retendo para si os recursos necessários (alimentos e matérias-primas), mas determinará o extermínio das nações periféricas, ao controlar os recursos que estas poderiam usar para o próprio sustento.
Toffler ainda não tinha previsto esta parte, mas é a consequência natural, se pensarmos no que as duas ondas anteriores causaram aos povos que ficaram para trás.
Os celtas, que ainda estavam no início da primeira onda, foram assimilados ou exterminados de toda a Europa em um intervalor relativamente curto na perspectiva da história: entre os séculos VI a.C. e VI d.C. todas as regiões célticas, exceto as Ilhas Britânicas e a Bretanha Menor, foram dominadas e aculturadas pelos romanos, gregos, germânicos e eslavos. Mesmo nas Ilhas Britânicas os celtas sofreram imensa pressão, de tal maneira que hoje suas línguas são faladas, no total, por menos de um milhão de pessoas.
As guerras da primeira onda se deram essencialmente em torno de terras agropastoris e do acesso à fontes permanentes de água. As guerras da segunda onda se deram em torno de recursos minerais e de posições estratégicas para o controle de recursos minerais ou do comércio marítimo. Territórios agropastoris continuaram importantes, mas não foi por eles que se travaram as grandes guerras. As guerras da terceira onda estão se travando em torno do conhecimento e da informação. Ainda há guerras por territórios, principalmente devido à escassez de recursos como água e petróleo, mas essas não são as guerras realmente “quentes” de nossa época. O que realmente está movendo o mundo são as guerras em torno de conhecimentos e tecnologias — os grandes jogadores são Estados Unidos, China, Rússia, Índia e Alemanha. Lamentavelmente, num episódio de burrice coletiva nunca visto na história universal, o povo brasileiro escolheu sair dessa disputa e voltar ao passado, o lugar onde os celtas se sentiam seguros com seus deuses e sua sociedade agropastoril matriarcal.
Na luta pela informação, existe uma frente de batalha que parece inocente — as redes sociais. Nessa frente os Estados Unidos parecem dominar sem contestação, a ponto de suas armas terem conquistado e derrubado países inteiros: Twitter e Facebook foram instrumentos evidentes em golpes de estado e revoluções por todo o mundo. Até mesmo contra China e Rússia essa artilharia poderosa fez certos estragos. Os demais jogadores não têm nada equivalente: Vkontakte, QQ, Yandex etc. São marcas de que você mal ouve falar.
Não se iludam aqueles que ainda estão iludidos. Esses serviços “gratuitos” não são realmente “serviços”. Como no antigo episódio de “Além da Imaginação”, em que um livro alienígena intitulado “Servindo a Humanidade” não era exatamente o que parecia ser, quando você se inscreve em um deles você não está recebendo um serviço, você está sendo servido. Sempre que você não está pagando, e muitas vezes até mesmo quando está, é você que está sendo vendido.
No banquete dos poderosos, o principal dos pratos é a informação que cada um de nós voluntariamente dá. Muita gente avisou, ninguém parece ouvir. A gente perdeu o trem do futuro, e foi mais de uma vez. Metrô Linha 743. Sou brasileiro, celta do futuro, assim como vocês. Metrô Linha 743.