As comunidades literárias estão mortas em todas as redes sociais. Quanto mais pareçam estar vivas, mais seguramente mortas todas estão. Sua vida é uma ilusão cruel, uma sobrevida víciosa, como um liche revivido pelo poder das trevas. Justamente porque parecem tão vivas é que estão mais tragicamente mortas.
A vida das comunidades literárias nas redes sociais sempre dependeu do diálogo entre. Desde o fim do Orkut tudo o que as redes sociais têm insistido em fazer é criar obstáculos ao diálogo. Nisso são ajudadas pelo comportamento dos participantes de todas as redes sociais: todos querem falar, ninguém quer ouvir; todos querem ser notados, ninguém quer dar biscoito a ninguém.
Não vale a pena entrar em comunidades literárias para trocar ideias: ali não haverá troca. Haverá, no máximo, lurkers em busca de ideias vadias. Os escritores sabem disso e não estão mais compartilhando. Todo bom contéudo está atrás de alguma barreira. Só os tolos, como eu, não conseguem proteger o que escrevem.
Todas as comunidades em que entro estão cheias de gente que acabou de produzir o novo futuro best seller. Como ainda não achou editor capaz de torná-lo um fenômeno mundial, ou qualquer editor, essas pessoas buscam validação. Então estão ávidas por spamar, digo, compartilhar sua “obra”, mas somente com os que se disponham a elogiar. Esses escritores das redes sociais escrevem para um misterioso ente invisível chamado “público”, que não inclui ninguém que realmente leia ou comente seus escritos. O “público” sempre ama aquilo que o jovem padawan escreve. Então o leitor crítico tem que se colocar no lugar desse “público” e encontrar um jeito de explicar porque aquele texto é bom e agradável. A primeira ressalva que todo leitor tem que fazer é admitir que não faz parte do “público” das obras de que não gosta.
O principal motivo pelo qual o “público” gosta da obra em tese é que obras “parecidas” já fizeram sucesso. Um argumento tão correto quanto dizer que só porque uma mulher já beijou um cara moreno, ela certamente quererá beijar qualquer cara moreno que se assanhe pro seu lado. Como esse argumento é imbatível, temos de concluir que fazer obras derivadas do que está na moda agrada ao “público”. O “público” sempre quer mais: nunca ninguém conseguiu descobrir um nicho ou trazer uma ideia original.
Talvez por estar tão obcecado em agradar ao caprichoso “público”, o escritor das redes sociais não tem paciência para os demais. Ele precisa urgentemente de elogios, ou pode cortar os pulsos. Caso seja um autor profissional, depende de elogios para exibir e conseguir contratos, ou pode ficar sem ter o que comer.
A principal razão pela qual se exige tanto o elogio é que criar demanda “esforço” (mesmo que sua criação tenha recorrido a vários ghost-writers e chupado centenas de ideias de gente que escreve bem melhor). Por causa do grande esforço dispendido, o autor espera um salário metafórico em termos de palavras gentis. Não lhe ocorre que reivindicar o esforço é justamente confessar sua incapacidade: os artistas se esforçaram aprendendo e agora são capazes de criar com menos esforço. Esforçar-se muito costuma ser uma demonstração de falta de método e esforço não tem valor.
Arte não é mãe nem professora. A vida não recompensa quem merece, mas quem excede. O “mercado” não se importa se você ferrou com a coluna sentado diante de uma escrivaninha e se cada letra de sua obra tem o cheiro de uma gota de seu sangue. Se o seu produto não funciona, você não tem o direito de precificar a sua dor. O que mais há nesse mundo são sofredores nunca recompensados, porque vivemos no capitalismo. “De cada um conforme a capacidade, a cada um conforme a necessidade” é um lema do marxismo, mas não há nenhuma ideologia que diga que cada um deve ser pago conforme seu esforço.
Com esse tipo de atitude predominante, as comunidades literárias se tornaram vitrinas de sonhos frustrantes. Toda semana vemos mais um jovem que gastou dinheiro em autopublicação e ficará com um lote de livros empilhados em um canto de casa. Toda semana vemos outro financiamento coletivo de uma obra que poderá até ter compradores, mas não terá leitores. O mundo gira e os sonhos se sucedem. Sempre novos nomes, raros reaparecem. Poucos teimam.
A verdade é que esses jovens são o “público” de um mercado inverso. Eles escrevem porque querem ser publicados e estão prontos para pagar. No capitalismo, há prestadores de serviços para atender a todas as necessidades. Temos hoje milhares de editoras a mais do que tínhamos em 1970, mas o que será que isso significa? Quantas dessas têm penetração? Quantas das obras que elas publicam sobrevivem a um segundo verão?
Comunidades literárias são os lagos onde os pescadores de ilusões jogam suas tarrafas. Ali a pescaria nunca decepciona. Eu mesmo já fui um desses peixes — e isso num tempo mais antigo, em que havia bem menos tarrafas voando em direção às águas.
Para esses peixinhos, porém, é um caminho até melhor: não ter leitores é mais confortável do que encontrar alguém que leia sem carinho e avalie ✭✭✭✰✰ no texto que você escreveu com tanto amor… Um dia todos superamos isso, um dia também você deixará de se preocupar e amará a bomba.