Há uma percepção generalizada de que o mundo ficou menos seguro e os espertalhões se sofisticaram, esta seria a explicação para que tanta gente perca dinheiro em golpes praticados na “internet”, um espaço selvagem e cada vez mais perigoso. Muitas pessoas vivem em pânico por causa disso e se privam de experimentar os confortos e oportunidades que a tecnologia oferece — mesmo assim, às vezes, ainda são atingidas, o que não as fará questionar se o isolamento é a resposta. Em vez disso, ficarão ainda mais receosas.
Esse medo exagerado da tecnologia e seu “perigo” não surge apenas da percepção dos riscos das novas relações de negócios e trabalho propiciadas pela informática. As invenções novas tem seus riscos, mas os inventos não ficam mais seguros só porque ficam envelhecem e nos acostumamos a elas. Os golpistas também se acostumam. Ter seu dinheiro dentro do colchão não é mais seguro, apenas lhe dá o conforto subjetivo de tê-lo à mão. Os perigos são diferentes, não necessariamente maiores ou menores, porque o risco costuma nascer de atitudes, não de meios.
A grande causa de tantos prejuízos em relações digitais não é que a tecnologia seja insegura. Tudo é inseguro. Respirar é inseguro! Esses golpes acontecem, na grande maioria das vezes, porque muita gente, em relação à tecnologia, age com pouco ceticismo. Há menos de trinta anos ainda era comum os nossos pais e avós zombarem das notícias dos jornais dizendo que “papel aceita tudo”. A música de minha geração para trás era cheia de menções a isso. Raul Seixas, nos anos oitenta cantava: “Eu nao preciso ler jornais / mentir sozinho eu sou capaz.” Hoje todos, mesmo nossos pais e avós, se jogam de cabeça em notícias e boatos que vêm “pelo ar” através de seus aparelhos móveis. Nem é mais necessário que o papel aceite o boato impublicável. Todas as mamadeiras de piroca vagam pelo éter e pousam nas mãos de toda a gente — e a maioria crê.
A mamadeira de piroca (e outros boatos mais ofensivamente falsos) explica a razão de tantos golpes e prejuízo: a grande maioria dos brasileiros é crédula, tola e autoconfiante. Disso decorre também ser vulnerável. Um povo que se educou na crendice, na superstição e na espera do milagre não tem ferramentas mentais para lidar com o fato de que há pessoas capazes de mentir de maneira crível. Não fosse assim, como pagariam dízimos absurdos a cultos exploradores e seus líderes corruptos? A mamadeira de piroca surge diretamente dos lotes comprados no Céu e das imagens que choram.
Mas surge, também, da autoimagem “malandra” que o brasileiro quer ainda cultivar. Muitos de nós ainda não nos conformamos com todas as dificuldades do mundo adulto, ainda esperamos milagres e ainda cremos que podemos mentir eficientemente para nossos “pais”. Esse brasileiro presa do pensamento mágico se vê como um escolhido e o mundo diante de si é uma cadeia de oportunidades que Deus oferece em contrapartida à sua fé. Aquele que crê contorna as cercas e os buracos do mundo, deixando os outros para trás. É uma religião de síntese “malandra”, o fiel que deseja bater as carteiras do mundo com a permissão de Deus.
Mas a fé não parece um dos melhores conselheiros quando sopesamos o fato de que ela nos induz a fazer escolhas com base no que mais queremos, em vez do que temos. Fé é comprar casa sábado esperando o sorteiro da loteria de domingo à noite.
Tudo isso serve para lembrar que a principal maneira de se evitar prejuízos é agir com racionalidade em vez de fé. Pobres não devem se guiar pela intuição. Pobres não são investidores, que aceitam uma medida de riscos. Nós, pobres, precisamos decidir com a razão em vez da fé porque não temos um plano “B”: para nós, fracassar o investimento pode significar que perdemos tudo.
Para evitar prejuízo, precisamos abandonar a crença na esperteza. Se fôssemos espertos realmente, seríamos ricos. O pobre precisa deixar a ideia de que é um “malandro” entre “trouxas”, procurando seu próximo “negócio da China”. A verdadeira malandragem é não se achar mais esperto que realmente é. Acreditando ser muito esperto é que o esperto não percebe alguém mais esperto.
Por isso recomendo que todos comecemos o dia recitando isto:
Eu sou ignorante de muitas coisas e pareço um paspalho aos olhos de alguns. Hoje alguém me confundirá com um otário e tentará fazer-me de tolo. Se eu não estiver atento, agirei como tal, essa pessoa terá razão e poderei ser o próxima a cair no golpe mais imbecil do mundo.
Aquele que teme ser tolo sempre será mais sábio que aquele que se crê o maior dos espertos. Sigo este mantra desde o dia em que caí num golpe bastante imbecil e tive ódio de mim mesmo por ter agido como um otário. Para não ter essas decepções, não é preciso muita filosofia, os conselhos de valor são simples. Eis alguns que dou, gratuitamente. Conselhos de alguém que trabalha em banco há quase trinta anos e raramente passa uma semana sem conhecer a vítima de algum golpe:
- Se é “bom demais para ser verdade”, não é verdade.
- Se é muito complicado para explicar, quem explica não entendeu ou está querendo esconder alguma coisa.
- Ninguém dá dinheiro sem um motivo e o motivo raramente é bom.
- Por mais que o negócio lhe pareça excelente, antes de fechar a compra, diga que não quer (não que “vai pensar”) e saia. Tome um sorvete e volte só no dia seguinte, depois de refletir bem, com a cabeça fria (o sorvete ajuda nisso).
- Se um estranho num telefonema lhe disser “não desligue agora”, desligue imediatamente.
- Se fez uma transação e o destinatário pedir mais dinheiro para concluir, não o envie. Você já perdeu o que enviou antes e perder ainda mais não vai mudar isso. Será sempre melhor perder o que já perdeu, do que também perder o que ainda tem.
- A maior habilidade “hacker” é convencer a vítima a contar tudo o que é necessário para “hackear” suas finanças. Quase nunca será culpa do “sistema”, geralmente é do usuário.
- Suas senhas bancárias só devem ser partilhadas com um grupo de quatro amigos: Pai, Filho, Espírito Santo e o Anjo da Guarda.
- O fato de uma pessoa afirmar ser de confiança é prova bastante de que não é de confiança. Confiança é conquistada com o tempo, a partir de atitudes.
- Salve o número de seu banco nos contatos de seu telefone, para saber quando realmente é ele que lhe mandou o SMS. Se o seu banco tem vários números diferentes para lhe enviar SMS, não é um banco que merece ter a sua conta.
- Não envie a ninguém fotos de seu cartão bancário. Menos gente se arrependeu de enviar fotos das partes íntimas do que de enviar foto do cartão bancário.
- Na internet sempre há alguém tramando um golpe contra você.
- Cartões de crédito devem ficar na mão de quem paga a fatura.
- Se o seu melhor amigo precisa de seu cartão de crédito, deixa de ser seu melhor amigo.
- Se você não pode dar uma geladeira de presente a um amigo, ou parente, não pode comprá-la para ele em seu nome.
- Não empreste dinheiro ao seu amigo que ficou negativado. Você pode lhe dar dinheiro, se quiser, mas não espere receber.
- Se seu amigo está com o nome sujo porque não pagou a um banco (que tem do seu lado o SERASA, o SCPC e o telemarketing), o que o leva a pensar que ele lhe pagará?
- Não deva dinheiro a pessoas físicas. Aquele que deve dinheiro “na praça” não tem moral e nem amigos (ninguém busca ser amigo de quem pode pedir empréstimo ou fiança).
- Seu telefone precisa ter senha numérica, impressão digital e, se possível, reconhecimento facial. Isso não é proteção para sua “privacidade” (quem tem telefone móvel já abre mão disso), é para que uma pessoa aleatória acesse seus arquivos.
- Os dados de seus cartões não devem nunca ficar vinculados ao Google Pay, Apple Pay ou semelhantes. Se é realmente preciso ter um cartão vinculado, crie um cartão virtual com exatamente o limite de dinheiro que se dispõe a perder eventualmente. Vincule esse cartão. Um dia você vai perder esse dinheiro. Hoje, amanhã ou depois, mas fatalmente vai.
- Crie um cartão virtual para cada loja virtual onde compra. Se ocorrer uma fraude você sabe de onde ela veio de quem reclamar.
- Tenha um horário típico para fazer suas transações bancárias, de preferência sempre no mesmo local, com o GPS ativado. Assim, o banco pode detectar com mais facilidade quando alguém tentar usar de madrugada as suas credenciais para fazer compras.
- A quase totalidade dos golpes cometidos contra pessoas idosas ou de meia idade é cometida por familiares ou pessoas próximas.
- Na maioria das vezes em que a vítima voluntariamente efetua uma transferência para o gopista, isto aconteceu porque a vítima se deixou pressionar. Pessoas grossas e impacientes costumam cair em golpes mais dificilmente do que pessoas polidas e calmas.
- Não se envia dinheiro para liberar transferência de dinheiro.
Sempre que surge uma nova tecnologia, há um temor de que seja usada para “dar golpes”. Mas não é a tecnologia que cria o golpe, ela apenas muda a sua forma. Antes de haver golpes com PIX, havia golpes com TED, transferências, depósitos em envelope, boletos… A matéria prima do golpe não é a tecnologia, é o tolo que se acha “malandro”.