[Tradução] Abandonados em Andrômeda [9]

> [Original de Clark Ashton-Smith](http://letraseletricas.blog.br/lit/2013/05/traducao-abandonados-em-andromeda-clark-ashton-smith)

Roverton foi o primeiro a recobrar seus sentidos. Sentindo-se muito fraco e tonto, com os pensamentos e a visão turvados, tentou se sentar e caiu de costas, desamparado. Então, quando seus olhos e mente começaram a clarear, um pouco de força lhe voltou e um segundo esforço foi mais bem sucedido. Seu primeiro pensamento foi no seu camarada, a quem procurou, então. Deming ainda estava onde caíra, em uma posição prostrada e espichada no chão.

Muitas horas deviam já ter passado, pois o sol estava então pouco acima da borda da planície e as altas colunas de vapores estavam tingidas como as chamas de uma aurora. O próprio solo, úmido e brilhante, ganhara os reflexos de tons prismáticos. Ao se virar, Roverton viu atrás de si, a uma pequena distância, a temível selva de onde ele e Deming tinham sido tão sumariamente ejetados pelas plantas carnívoras. A selva estava comparativamente quita naquele momento, mas os seus galhos e bulbos ainda oscilavam um pouco, e um som baixo e sibilado surgia de dentro dela, como o chiado de um exército de serpentes.

Roverton conseguiu se pôr de pé. Ainda cambaleava como um paciente febril e mal podia evitar cair. Sua boca estava ressequida e queimava com uma sede avassaladora e sua cabeça ribombava como um tambor. Vendo uma poça de água não muito longe, andou em sua direção, mas foi forçado a terminar a jornada de quatro. Bebeu se sentiu maravilhosamente refrescado pelo fluido escuro e amargo. Enchendo seu boné (que conseguira reter, apesar das vicissitudes dos dois dias anteriores), voltou ao seu companheiro, conseguindo então andar de pé, e espargiu um pouco da água em seu rosto. Deming se mexeu e abriu os olhos e logo pôde beber o resto do conteúdo do boné e então teve sucesso em também ficar de pé e dar uns passos.

— Bem, qual é a atração seguinte no programa? — ele perguntou. Sua voz estava estridente e instável, mas ainda indomavelmente corajosa.

— Não tenho ideia — deu de ombros Roverton — mas eu voto por nos afastarmos o mais que pudermos dessa selva bestial.

Nem ele e nem Deming suportavam pensar no destino de Adams, ou nas coisas abomináveis que tinham visto, ouvido e sentido. Toda a experiência fora insuportável aos nervos humanos e a repulsa os enojava sempre que a lembrança subia dos limites da consciência. Resolutamente eles deram as costas à floresta carnívora e claudicaram em direção ao horizonte difuso e fumegante enfeitado por um esplendor de arco íris.

A paisagem pela qual eles então caminhavam era como o fundo de um oceano recentemente evaporado. Era uma grande planície de lama fedida, de uma consistência peculiar, que cedia sob seus pés mais ou menos como borracha ou algum tipo de tecido resistente, sem se romper. A sensação propiciada por pisá-la era incômoda e desconcertante. A cada passo, esperavam afundar em algum brejo ou areia movediça. Mas compreenderam porque não tinham sofrido nenhuma contusão ou fratura quando as árvores vivas os haviam atirado com tão irresistível violência.

Havia muitas poças de água na planície e, pelo menos uma vez, os homens foram compelidos a desviar de seu curso por um lago estreito e tortuoso. O aspecto da lama resistente era indescritivelmente monótono e não era aliviado por nenhuma vegetação ou extrusão mineral. Mas de alguma forma ele não parecia morto, mas dava a sensação de uma vitalidade adormecida, como se possuísse uma vida própria, obscura e secreta.

Os vapores partiram diante dos raios oblíquos do sol. Não muito à frente Roverton e Deming então perceberam uma elevação baixa em formato de mesa. Mesmo à primeira vista ela parecia uma ilha, e à medida que os homens se aproximaram, as características que revelou indicaram que realmente tinha sido uma. Havia marcas de ondas no solo em torno da base e, em contraste com a total esterilidade da planície, havia rochedos e formas arbóreas nas suas costas onduladas, e também eram visíveis no topo várias muralhas e monólitos arruinados, de uma arquitetura extraterrestre.

— Agora um pouco de arqueologia andromedana — comentou Roverton, apontando para as ruínas.

— Sem mencionar um pouco mais de botânica — adicionou Deming.

Ambos olharam para as árvores e plantas mais próximas com cuidado considerável e grande excitação. Elas eram de tipos similares às monstruosidades da selva, mas eram bem mais esparsas e falhadas, e havia algum outro tipo de diferença. Quando Deming e Roverton se aproximaram delas a natureza da diferença ficou manifesta. Os galhos ofídicos chegavam até o chão e se deitavam sobre ele, mas estavam estranhamente imóveis e sem ação. Vistos mais de perto, estavam murchos e mumificados. Ficou evidente aos cientistas que aquelas árvores estavam mortas há muito tempo.

Não sem repulsa, Roverton quebrou a ponta de um dos tentáculos pendentes. Ele se partiu facilmente e ele descobriu que se desfazia em uma poeira fina entre seus dedos. Vendo que nada havia a temer, ele e Deming começaram a escalar a colina em direção às fantásticas ruínas.

O solo da colina, um tipo de greda cinza e roxa, era firme sob seus pés. Eles chegaram ao cume quando o sol começava a desaparecer por detrás da distante linha dos rochedos que se erguiam da planície como as cordilheiras costeiras de um continente.

Cercadas por carreiras das plantas monstruosas mortas, erguiam-se bem no centro do cume as ruínas que Roverton e Deming tinham vislumbrado desde embaixo. Elas brilhavam à luz com um lustro mortiço e pareciam feitas de algum tipo de pedra estranha, que era fortemente impregnada de metal. Eram aparentemente os restos de vários imensos edifícios e tinham as marcas de algum tremendo cataclismo que levara embora suas superestruturas e até mesmo boa parte dos pisos e fundações. Uma das paredes conservava uma porta que era curiosamente alta e estreita, e mais larga no topo do que embaixo. Havia, também, umas janelas extravagantes bem perto do chão. Os homens se perguntaram quais seriam as características físicas da raça que erguera tais edifícios. Do ponto de vista humano, tudo a respeito daquelas ruínas era arquiteturalmente anômalo.

Roverton se aproximou de um dos monólitos. Tinha uma forma quadrada, uns doze metros de altura por dois de diâmetro e havia sido claramente mais alto um dia, pois o topo estava rachado e irregular onde teria sido quebrado bruscamente. Era esculpido no mesmo material das paredes. Uma série de baixos-relevos intercalados a colunas de letras hieroglíficas tinha sido gravada junto à base. Os baixos-relevos representavam seres de um tipo curioso, com longos troncos finos que terminavam em cada lado com uma multidão de membros com muitas juntas. As cabeças desses seres, ou o que parecia serem suas cabeças, estavam na extremidade inferior dos troncos e tinham duas bocas que se localizavam acima de uma fileira dupla de olhos. Apêndices parecidos com orelhas pendiam das bochechas. Os membros inferiores terminavam em garras como de aves e os superiores, em amplas teias em formato de sombrinha cujo uso estava além de qualquer conjetura. Roverton exclamou com espanto ao chamar a atenção de Deming para tais figuras. Se tais seres representavam uma raça extinta, ou se seus protótipos ainda poderiam ser encontrados naquele mundo bizarro, era claramente um problema insolúvel. Mas os homens logo pressentiram que este mistério seria logo resolvido. E seria resolvido, eles gostassem ou não.

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