13
junho
há 11 anos
Você já deve ter visto antes nas redes sociais: autor semiprofissional ou totalmente amador lança seus livros, lança saite, ou lança palavras na poeira, como eu. Todos procuram um lugar ao sol, mas nem todo mundo tem uma boa assessoria ou uma boa noção do que dizer. O resultado é que esses autores coloquem frequentemente os pés pelas mãos, ou digam bobagens achando que são naturais.As bobagens, curiosamente, sempre se repetem. Não há bobagens ditas isoladamente por uma única pessoa. Uma dessas bobagens que eu vejo frequentemente repetida é a expressão “poeta e escritor” (ou vice versa). O que passava pela cabeça de quem concebeu isto pela primeira vez?Antes que venham me dizer que existe uma razão de ser para isso, eu preciso seriamente indagar a quem pretenda defender esta discriminação:Acaso poetas não são escritores?
12
junho
há 11 anos
A última coisa que vi na noite escura de 26 de abril de 1967 foram luzes azuis e vermelhas no retrovisor. “Malditos milicos, nos acharam!” — pensei e acelerei na vã esperança de fugir, mas logo perdi o controle em uma curva fechada da estrada para Araruama. Jurema gritou e se encolheu, o carro atingiu a sebe com um baque e um farfalho, tudo muito rápido, e caímos pela ribanceira. Apenas tive tempo de pensar que muitos anos depois da ditadura talvez nos considerassem mártires estudantis e dessem indenizações a nossas famílias. A ironia disso me fez suportar tudo sorrindo, enquanto o rádio do Aero Willys tocava Beatles rumo ao abismo: *She’s got a ticket to ri-i-i-de, but she don’t care…*
11
junho
há 11 anos
Em fins de 2008 compartilhei na comunidade literária “Novos Escritores do Brasil” um texto curto intitulado “Ticket to Ride” (infelizmente perdido) no qual eu desenvolvia uma curta história sobre dois (ou quatro) subversivos perseguidos pela polícia nos tempos do regime militar. Este texto, após uma extensa revisão, acabou saindo na coletânea “Sinistro”, da Editora Multifoco, em uma versão condensada que nunca me satisfez plenamente (nada por culpa da editora, apenas percebi tardiamente que o conto precisava de um desenvolvimento mais completo, e que a versão condensada que eu mesmo fizera não conseguia ter a força necessária).A condensação que fiz, a pedido do +Frodo Oliveira, editor da coletânea, aproveitava o desfecho que eu escrevera para uma versão anterior do conto, e tinha cerca de 30% de texto a menos. Na época eu achei que era uma boa opção, pois eu tinha medo que o texto ficasse ilegível de tão grande (hoje em dia já tem quem fale em “literatura no twitter.com”). Hoje mudei de ideia, e por isso aqui estou restaurando a versão original, imensa e mais complexa.Sobre esta complexidade, um dado chamará a atenção do leitor: existem dois desfechos dentro da história, um passado e um presente, e duas técnicas narrativas que se sucedem. Talvez este seja o meu conto mais ousado em termos de concepção estrutural. Tão ousado que deixou de ser conto e virou uma noveleta (termo que eu não conhecia em 2009, época em que o publiquei na dita coletânea).Parte 1Parte 2Parte 3
9
junho
há 11 anos
Como vimos anteriormente, caro leitor, em nossa análise do conto A Paisagem com Salgueiros, as obras de Clark Ashton-Smith diferem da maior parte da tradição literária ocidental por colocarem em primeiro plano a construção do cenário, a ponto de o autor frequentemente transformar o próprio cenário em um personagem (como no citado conto). Esta não é uma opção exclusiva sua, mas na época em que escreveu ainda eram poucos os autores que compartilhavam desta escolha. Mesmo nos gêneros fantásticos os autores, em sua ampla maioria, […]
8
junho
há 11 anos
O planeta levou bilhões de anos para desenvolver vida. Depois levou mais uns bilhões de anos até produzir mamíferos. Mais algumas dezenas de milhões de anos para produzir primatas. Muitas centenas de milhares de anos para produzir hominídeos inteligentes. Dezenas de milhares de anos para produzir o primeiro instrumento musical. Muitos séculos para inventar a música polifônica. Mais alguns séculos para aperfeiçoar uma notação musical eficiente. Quase três séculos ainda para inventar a primeira forma de gravação sonora, o fonógrafo de rolo. Levou 10 anos […]
3
junho
há 11 anos
Dedicado +Félix MaranganhaConfesso que tive durante muito tempo uma certa resistência preconceituosa contra a tatuagem. Coisa de marinheiros, de presidiários, de maconheiros, de nefelibatas, de mafiosos japoneses que amputam os próprios dedos. Nada que caiba no quadrado perfeito em que inscrevo minhas opiniões. O tempo, porém, foi me educando mais a respeito do tema e eu fui percebendo que há tatuagens e tatuagens… Algumas eu posso apensa desconsiderar, outras são realmente desprezíveis, algumas eu devo temer e a maioria é simplesmente sem sentido.
2
junho
há 11 anos
Tem-se por inquestionável verdade que a concepção dos personagens é o elemento central da literatura de ficção em qualquer gênero. Sem personagens dotados de credibilidade e de motivações a história, por boa que seja, tende a fluir de uma maneira desconexa, de forma que os acontecimentos não apresentam sequencia lógica. Tanto é assim que não é raro que certos personagens adquiram um relevo cultural muito maior do que o das obras em que apareceram originalmente. Exemplos desse fenômeno são Romeu e Julieta, Hamlet, Cyrano de […]
31
maio
há 11 anos
Os dois estavam cansados demais de seus trabalhos hercúleos para que pudessem devotar muito tempo e energia à especulações do tipo. Encontraram um lugar abrigado em um ângulo formado pelas paredes e se sentaram. Estavam forçosamente sem comer desde a refeição que lhes fora dada pelos pigmeus ainda de madrugada e parecia não haver possibilidade imediata de encontrar o que comer. Estavam desesperados e não parecia haver nenhuma esperança de aliviar a depressão que envolvia aqueles homens condenados.[…]
30
maio
há 11 anos
Roverton foi o primeiro a recobrar seus sentidos. Sentindo-se muito fraco e tonto, com os pensamentos e a visão turvados, tentou se sentar e caiu de costas, desamparado. Então, quando seus olhos e mente começaram a clarear, um pouco de força lhe voltou e um segundo esforço foi mais bem sucedido. Seu primeiro pensamento foi no seu camarada, a quem procurou, então. Deming ainda estava onde caíra, em uma posição prostrada e espichada no chão.[…]
29
maio
há 11 anos
O cenário no qual emergiu era mais louco e selvagem do que as esquisitices de um delírio febril. Por um instante ele pensou que as coisas ao seu redor eram o produto de alguma alucinação, fruto de seu cérebro e nervos superexcitados. O monstro voador estava estendido no chão e envolto, desde a cabeça até a cauda, nos rolos de algo que Roverton só pode designar como uma anaconda vegetal. Os rolos eram verde claros com manchas irregulares violáceas e marrons e pareciam ter dezenas de metros e comprimento.[…]