11
outubro
há 15 anos
Quando comecei a comprar meus primeiros CDs, em 1995, ainda eram primordialmente versões importadas, geralmente dos Estados Unidos ou da Alemanha. Havia uma mensagem impressa neles, ao final de uma breve seqüência de instruções para cuidado e limpeza que, afinal, não era mais do que recomendações de bom-senso: “se você seguir estas instruções, o CD lhe proporcionará uma vida inteira de puro prazer auditivo” (If you follow these instructions, the compact disc will provide you with a lifetime of listening enjoyment). Certamente esta promessa era […]
26
agosto
há 15 anos
Quando passo pela ponte sinto uma vertigem que me atrai em direção à água. É um instante de terror em que quase me imobilizo. Não posso correr, pois isso me desequilibraria. Tenho de ir devagar, medindo os passos e ignorando o rio ao mesmo tempo em que mantenho o olhar fixo em suas águas regurgitantes. Cruzo a ponte todos os dias para ir ao trabalho. Se não me causasse tanta vergonha minha vertigem eu poderia encontrar algum meio de evitar cruzar a pé, mas de […]
25
agosto
há 15 anos
Meu problema é essa teima de poeta, de ser humano, de ter desejos que não cabem nos limites de beijos porque não beijas a inquietude que eu quero. E eu preciso interromper esta agonia de nada acalentar quando sonho. Sonho sim, e não me obedeço porque quero sonhar voos que não devo e é a tua mão que me amarra com amor e com afeto, com açúcar e veneno. Menti que a amava, agora peno consequências de um mal que planejei: a felicidade quieta de […]
23
agosto
há 15 anos
Depois de anos “descendo o malho” em um carinha invisível que faz chover (não me refiro a Manitu, mas ao Paulo Coelho), resolvi encarar o desafio de ler uma obra sua a fim de ver qual é a dele. Eu tive que me dedicar a isso porque várias vezes me acusaram de ser incoerente por minha postura “não li e não gostei”. Pois bem, tomei coragem e li. Eu não gostei. Aliás, detestei muito mais do que supunha que detestaria. Paulo Coelho não é apenas […]
20
julho
há 15 anos
O pobre escritor está há quatro dias sem dormir direito, tentando manter fresca na mente a inspiração genial que teve para terminar seu romance encalacrado há quatorze meses. Enfrenta dias de desespero diante das páginas desafiadoras, tentando transferir para o papel virtual na tela do computador as palavras novas que lhe chegaram. Uma tarefa inglória, uma luta contra todas as artimanhas, armadilhas e arapucas de seu grande arqui-inimigo: a esposa. A esposa do escritor acorda tarde e arruma a casa ao som do rádio FM […]
6
junho
há 15 anos
Um dia Mariana abandonou Roberto, sem explicações e sem rituais. Apenas foi-se embora de sua vida, sem que mesmo fosse para ir viver com outro homem. Revoltado, magoado, diminuído, ele passou dias remoendo a raiva, impotente. Por fim rendeu-se à paixão: ligou para o auxílio à lista e descobriu seu novo telefone. Sem pensar duas vezes, ligou para fazer juras de amor, na esperança da volta. Debalde, quem atendeu foi a secretária eletrônica: — Aqui é 3666–4545. Por favor, deixe seu recado após o sinal. […]
2
junho
há 15 anos
Pode-se viver de amor, mas principalmente morrer. Não faz bem pensar assim, mas é uma verdade que treme quando o homem se consome pensando em pesos contrários e sentimentos marcados. O amor foi uma verdade durante séculos de mito, hoje é um amargo apenas la língua de quem beijou. Fala-se dele como do morto parente que um dia se amou. Pode-se viver de amor, mas principalmente está morto o amor de que se vivia no tempo em que era fácil morrer. Por isso apague aquele […]
12
maio
há 16 anos
As vozes me dizem que você está mentindo, mas eu sei que é mentira delas. Elas estão me perseguindo. Faz uma semana que elas me levaram a fugir de casa, e desde então eu quase não durmo, sonhando com coisas vermelhas e brilho duro. Havia um palor esquisito na face de Helena quando a vi da última vez, estava quieta e nossa relação definitivamente esfriara. Não haviam adiantado as rosas e nem o diamante. Depois de três dias sem mais nos falarmos não consegui suportar […]
7
maio
há 16 anos
Rosana se sentia enterrada cada vez que penetrava o recinto asséptico e formal daquele imenso edifício de cimento e vidro em que trabalhava. Para entrar ali tinha de se vestir com a formalidade que não se usa mais nem para ir a casamentos: terninho, lenço ao pescoço, maquiagem, cabelo preso, sapatos pretos de salto, joias de prata discretas e óculos sem aro. Depois que entrava e mostrava seu crachá na portaria, deixava de ser a Zaninha do André e passava a ser Dona Rosana Couto, […]
21
abril
há 16 anos
Fernanda recebia cada bloco de mármore como outro desafio. Havia muitos, mutilados, espalhados pela sua oficina. Com o tempo aprendera a emendar seus erros transformando grandes obras em pequenos objetos. Uma estátua fracassada virava um monte de pequenos ornamentos, utensílios, pesos de papel em formatos variados. Liberta da necessidade de produzir algo grandioso, infundia ao mármore a inocência de cachorrinhos, escaravelhos, palhacinhos. Tais minúsculas manifestações migravam de seus sonhos para suas mãos e se instalavam na pedra como garatujas de uma adolescente em um caderno […]