A internet sempre foi um “antro da liberdade” em um mundo repleto de convenções. Nunca antes na História existiu um mecanismo tão poderoso para agregar minorias, compartilhar opiniões e difundir conteúdos. A liberdade subterrânea, no entanto, também atrai aproveitadores e, com estes, justiceiros cegos e suas táticas arrasa-quarteirão que, com a desculpa de atingir os aproveitadores, miram certeiramente na liberdade.
Através da internet doutrinas antes relegadas ao subterrâneo têm um espaço permanente para sua difusão, podem ganhar adeptos e podem ser entendidas pelos não-adeptos. Movimentos nacionalistas minoritários em nações menores, religiões sem recursos missionários, pregadores de projetos improváveis, criadores de coisas comercialmente inadequadas.
Os aproveitadores são os de sempre: pornógrafos, criminosos, adeptos de teorias políticas intoleráveis, “tribos” urbanas detestáveis etc. Alguns sem dúvida merecedores de castigo, outros apenas minorias incompreendidas, alguns deles vicejando na doce liberdade do subterrâneo. Dos que se aglomeram nestas trevas, uns são minorias perseguidas, que de outro modo jamais poderiam se organizar, grupos de pessoas unidas por interesses incomuns que não teriam como interagir no mundo real devido aos limites físicos à locomoção e à inexistência de espaços livres para as suas preferências. Entre tais grupos, fãs de gêneros musicais mal difundidos, seguidores de religiões exóticas, adeptos de posições políticas incomuns, filiados de partidos políticos marginais e grupos étnicos de que nunca se ouviu falar.
Estes grupos utilizam a internet como veículo para sua organização, para permitir que seus membros interajam, que se estabeleçam entre eles hierarquias, muitas vezes criadas pelo respeito e não por relações de poder. Através da rede doutrinas antes relegadas ao subterrâneo têm espaço permanente para sua difusão e podem ganhar adeptos.
Infelizmente, devido à existência de aproveitadores pervertendo o cyberespaço, cria-se uma desmedida histeria que se volta não contra o criminoso, mas contra o veículo em que comete seu crime. Aplicada à vida material, esta histeria contra a internet é como uma tentativa de banir o automóvel para evitar atropelamentos, ou como a proibição do álcool para evitar embriaguez ou um atentado contra uma empresa para vingar o crime de um empregado.
A democracia é uma flor frágil, há muito pouco desabrochada. Cabe-nos defendê-la ou murchará nas mãos brutas dos que, em nome de sua segurança, querem pô-la dentro de uma redoma e fechar a janela.
A democracia pode ser uma flor frágil, mas é bela. Justamente sua beleza que enfurece a alguns. Há os que têm sonhos de grandeza que não cabem nas pétalas da democracia, têm ambições de se fazerem ditadores, ou pelo menos gostariam de ter leis que proibissem a crítica contra o que fazem. Tais pessoas geralmente fazem muitas coisas dignas de crítica, mas têm grandes amigos.
Chame a um amigo de “filho da puta” jocosamente e ele não se ofenderá tanto, dependendo do contexto. Chame da mesma maneira a um amigo que realmente é filho de uma prostituta e ele não deixará de reagir. Critique a um político honesto e ele responderá equilibradamente, terá provas de sua inocência ou então não haverá provas de sua culpa. Critique a um político safado e ladrão e ele moverá todo a tonelagem da lei contra você. Quanto mais sujo um político é, mais “provas” de inocência, mais amigos, mais advogados e mais mecanismos legais ele tem como mover. O maior ladrão do mundo deve ser, certamente, uma pessoa inatacável pois ninguém teria dinheiro suficiente para vencê-lo numa batalha jurídica e, como sabemos, em nosso país a justiça é só mais uma coisa que se compra (não que se compre necessariamente o juiz, mas o custo do processo e sua duração impedem que o pequeno ingresse contra o grande).
A histeria contra a democracia é um carícia agradável nos ouvidos corruptos e megalômanos de gente que tem e quer conservar o controle da sociedade. Por isso cria-se leis, determina-se procedimentos, ataca-se tudo que se mova.
As leis, porém, não têm alcance internacional. Por isso sempre foi possível, graças à maravilhosa internet, refugiar uma opinião ilegal em um país onde fosse tolerada. Graças a isso os Bahais, perseguidos impiedosamente no Irã, podem divulgar sua fé em sites hospedados na Europa e nos EUA, os anticastristas operam contra Cuba a partir dos EUA…
Porém apareceram recursos nos países onde a democracia é menos amada — entre eles o nosso, onde cada político tem um projeto de ditadura, de mandatos infinitos, de mudança constitucional etc. Tais países empregam chantagem econômica ou política (acordos entre governos) para forçar as empresas que hospedam sites ou administram acesso à rede a seguir as leis de que estariam isentas em razão de extraterritorialidade.
Criados os mecanismos de pressão e estabelecida a histeria, também do lado da justiça surgem os aproveitadores que, aliás, não são propriamente aproveitadores, mas sim os maiores interessados nas políticas de controle. Esses “justiceiros virtuais”, em vez de empregarem as leis para atacar criminosos reais (fraudadores, pedófilos, traficantes), deixam isso para a polícia pois, no Brasil, cooperar com a polícia é quase uma falha moral, a ação da polícia é praticamente uma forma de opressão contra o marginalizado etc. toda essa babaquice pseudo-esquerdista de que os criminosos se aproveitam para continuarem oprimindo e marginalizando. Mas se não têm coragem de cooperar com a Lei no combate aos crimes reais, são muito ativos e corajosos no combate a opiniões minoritárias e à crítica contra os poderes estabelecidos.
Experimente fazer um blogue criticando a administração de um político, uma comunidade no Orkut afirmando o ateísmo, assuma virtualmente uma persona indócil e articulada na defesa de uma posição que contraria os interesses dominantes e veja quanto tempo dura. Os justiceiros virtuais chegarão e agirão contra seu legítimo direito à liberdade de imprensa usando as leis que criaram com a desculpa de perseguir os criminosos que eles, covardes e inúteis que são, não tem coragem de enfrentar.