¡Por favor! ¡Preciso que você me ajude! ¡Eu sei que tenho um revólver na mão e posso te matar a qualquer momento sem perceber mas, se você ainda não foi morto por mim e se eu ainda não decepei a sua mão, por favor, pega essa caneta e escreve o que eu vou falar porque eu só vou saber quanto me resta de razão quando ler no papel o que ando pensando e dizendo, porque eu não consigo escutar o que está dentro de minha cabeça e nem mesmo o que eu estou pondo para fora e nem o que você pode estar dizendo! ¡Tudo que eu ouço o tempo todo é o zumbido do maquinismo do mundo que range e estala fazendo fundo para as Vozes! ¡As vozes estão por toda parte nos ensinando a fazer o mal e a adorar Satanás! ¡Foram as vozes que me levaram a ser o que eu sou e é isso que eu vou contar a você, meu amigo, antes que elas me forcem ao suicídio!
Tudo começou e está terminando por causa das vozes. ¡Como é doce o sabor do cano desse revólver! Todo mundo dizia que não havia vozes em parte alguma, ¿você me entende? ¡Mas eu sabia que havia porque eu as escutava! Desde criança eu tinha medo do escuro porque sabia que os demônios me espreitavam de dentro do armário enquanto eu estava dormindo. Logo que tive o meu próprio quarto passei a dormir com a luz acesa e tudo pareceu mais calmo por muito tempo. Eu sei que o Black Sabbath tem muita culpa no que está acontecendo no mundo hoje, Beto. Foram eles que começaram tudo! Eles adoravam o demônio sabendo quem ele é, mas não foram eles os únicos, eles apenas foram os primeiros a pôr a coisa em pratos limpos, bem claramente para quem quisesse ver. Mas toda a música está cheia de mensagens subliminares que estão convencendo as pessoas a se afastarem cada vez mais de Deus. O Álbum Branco dos Beatles é o maior exemplo: do princípio ao fim está gravado por baixo um sussurro escondido no chiado que diz e repete sem parar: “Every soul must FOLLOW Satan. Praised He shall be” De lá parar cá não existe mais nada de inocente nesse mundo. ¡Cara! ¿Você está vendo o que as meninas de hoje em dia já estão fazendo? ¿Você tem visto que coisas nojentas andam sendo divulgadas por aí? ¡Eu não aguento mais ouvir os mantras dos infernos que estão sendo cantados pelas bocas das crianças!
Tive até de parar de ir ao cinema. ¡Você não vai acreditar, mas os filmes são pura doutrinação! Enquanto você está distraído com uma cena romântica, está sendo bombardeado por toneladas de informações que você não distingue, mas seu cérebro assimila. ¿Você já parou para pensar na quantidade de coisas que aparecem nas cenas dos filmes e você não consegue identificar? Letreiros de lojas, manchetes de jornais, etiquetas de roupas, dizeres pichados em muros, lombadas de livros, cartazes pregados nos postes, nomes de navios… ¡Sem falar nas mensagens simbólicas que são mostradas em breves frações de segundo: um ancinho de cabeça para baixo, uma roupa de uma determinada cor, uma distribuição característica das árvores! Tudo isso, cara, são lições subliminares que você está recebendo enquanto assiste à mais inocente das historinhas de amor. E tem mais, ¿por que você acha que são feitos e exibidos tantos filmes de guerra e violência? É que com o passar do tempo a doutrinação te torna insensível à dor e completamente desprovido de compaixão. Então você passa a querer assistir brutalidades como distração, preparando-se para o dia em que o comandante do Inferno te convocará para lutar em seu Nome contra os exércitos de Deus. É nesses filmes que um sujeito já meio imbecilizado pela silenciosa lavagem cerebral que sofreu no dia-a-dia começa a desaprender o valor da vida, o prazer de matar especialmente os inocentes e os indefesos, o desprezo pela própria felicidade e pela própria vida que o levará a dar tudo pelo bem do Império e o fará entrar com prazer na mais hedionda das torturas para dar glória a Belzebu e a seus diabos. ¡E é preciso matar gente de bem porque assim você provoca revolta e faz com que outras pessoas boas se cansem e resolvam matar também!
¡Ah! Você não sabe o quanto dói ter descoberto isto tudo, ficar ouvindo estas lições de ódio o tempo todo, dentro de minha cabeça. ¡Se fossem os meus ouvidos que escutassem isso eu já os tinha furado para ter paz! E eu sabia que não podia dormir para não ser doutrinado durante o sono. Quase me matei de tanto tomar anfetaminas para ficar acordado. ¡Eles podiam me matar durante o meu sono e colocarem um demônio em meu lugar para que ele cometesse crimes em meu nome e fizesse os meus amigos me amaldiçoarem!
Estas vozes no vento me puseram louco de verdade. Perdi todos os meus amigos. Um dia briguei com a minha namorada e me gritavam: “Mata essa piranha!” Eu não quis, parei para pensar, rezava em voz alta pedindo que Deus tivesse dó de mim, mas também racionalizava dizendo que se a matasse todos saberiam que tinha sido eu porque todos tinham me visto sair com ela e eu também não tinha como esconder o corpo. Nesse meio tempo eu me lembrei que a amava e comecei a chorar. Quando olhei para baixo, por Deus, quando eu olhei para baixo, ¡eu a estava estrangulando! ¡Eu quase matei o amor da minha vida! Depois disso ela fugiu para Uberlândia com um amigo. Agora, graças a Deus, está casada com ele e é muito feliz lá. Mas as vozes não me deixaram em paz, na verdade, tudo piorou depois que eu fiquei sozinho. Todas as pessoas me evitavam, de longe eu já percebiam que estavam preparadas para me rejeitarem quando eu me aproximasse, muitas vezes se escondiam de mim. Então eu passei a me esconder para não ter de passar pela humilhação de ver as pessoas tendo medo de mim e me evitando. ¡Mas ficar no meu apartamento era um inferno! Eu até entendo que vocês todos me achem um louco. Mas eu juro que é verdade.
Os demônios passaram a me aparecer em formas cada vez mais intrigantes. Um deles era um cadáver de menina, uma negrinha bonita que usava um vestido azul-claro. Ela aparecia na minha janela dizendo que eu a havia matado e que Satanás estava contente com isso, mas Deus havia resolvido não ouvir as minhas orações enquanto eu continuasse matando. ¡Mas eu não matava ninguém! ¡Mas era só eu me aproximar de alguma pessoa na rua, ou em qualquer lugar, para depois essa pessoa aparecer nos meus sonhos, ou até mesmo de dia, contando que eu a havia matado e que Satanás estava contente comigo! Passei a não sair mais de casa. Eu não podia ouvir música porque as Vozes estão misturadas nas gravações, não podia ouvir rádio também. ¡E as Vozes estavam por toda parte! Eu deixava a televisão ligada o tempo todo porque o som alto escondia um pouco o que me diziam. Assim, eu não tinha que ouvi-las perguntar-me se sangue humano tinha um bom sabor, qual a sensação de partir um pescocinho de criança, se era melhor estuprar uma menina de cinco anos ou uma de nove…
Um dia eu estava vendo um filme, uma menina falou, ¡comigo! Eu respondi, ela respondeu. Era uma conversa alegre, quase tola, que até me relaxou e distraiu. ¡Conversamos bastante antes que eu reconhecesse a Voz dela! ¡Meu Deus! Eu passei a ver na TV o que as pessoas estavam fazendo. E tudo que eu via era assombroso e sacrílego. ¡Minha mãe traindo o meu pai, minha ex-namorada chupando o pau de seu marido, meu melhor amigo dando a bunda, meu primo com a minha irmã, minha vizinha se masturbando no banheiro, minha tia transando com um padre sobre um altar e gemendo gostoso, uma irmã de caridade esquartejando uma criança e cozinhando num grande caldeirão, um pastor levando as crianças da escola dominical para o quartinho dos fundos da igreja para fazê-las pegarem no seu pênis! Um dia vi uma mulher linda, com a boca lambuzada do esperma do pênis que acabara de gozar nela, olhando para mim com uma expressão de intenso prazer no rosto e dizendo: “¡O inferno é assim!” Então o homem que estava com ela pegou uma faca e a matou enquanto ela ria a cada golpe e gritava “¡Queremos Barrabás!”
Um dia reparei que a aula do telecurso estava ensinando a construir uma bomba caseira e como colocá-la num local público sem despertar suspeitas. Nem é preciso dizer que eu nesse tempo não tinha mais emprego e nem como trabalhar, estava na sarjeta se não possuísse casa própria, mas as contas sem pagar se acumularam tanto que acabaram por cortar a água e a luz. Foi só então que eu comecei a reagir. Apesar das vozes. Passei a roubar para sustentar o meu vício, eram pequenos furtos em lojas de departamentos ou supermercados. Por um milagre consegui uma resposta positiva de uma das firmas a que mandei o meu currículo — Satanás cuida bem de seus filhos — e consegui conservar toda a minha calma durante a breve entrevista. Minha aparência não estava muito correta e eu estava de certo modo ainda um pouco transtornado, mas meus conhecimentos eram tão extensos e especializados que o nosso chefe acabou me contratando assim mesmo. Eu tinha tudo para voltar a ser feliz, não fossem as vozes me envolverem de novo — ¡e desta vez com toda a sua crueldade me ordenando a fazer um sacrifício! Aqui estou agora. ¿Como consegui esta metralhadora? Eu já nem entendo mais por que matei vocês, meus amigos, eu devia ser feliz aqui. A Darlene até sorria para mim, eu sabia que ela aceitaria um convite para sair se eu tivesse coragem de fazê-lo. ¿Então por que eu demorei tanto a convidá-la? Quando finalmente o fiz ela já era namorada do André…
Eu só entendi o que devia fazer quando descobri que possuía uma Uzi. ¡Meu Deus! ¿De onde ela veio? Um coro de criancinhas me ordenava: “um mundo novo está/ pronto para surgir/ e você tem em suas mãos/ a chave que o abrirá” Eu entrei aqui sem ver, matei vocês sem ver, mas sei que fiz bem feito. Quanto mais tempo uma pessoa vive, mais tempo ela tem de magoar as pessoas, de blasfemar, de ser seduzida por Satanás. Matando-os, meus amigos, eu os estou poupando do pecado que poderiam cometer. Todos vocês estão salvos, Beto. ¡Vocês não são mais obrigados a sua rotina de fermentarem dentro de si o mal! Este mundo está pronto para acabar. Este mundo é morte. É bom matar as criancinhas enquanto elas não sabem o que é um pênis. Me diz, Beto, você acha que eu fiz bem, ou os soldados que estão chegando vão me matar e o mundo vai continuar em seu caminho para o Império demoníaco sem que o meu sacrifício tenha significado coisa alguma? ¿Beto?