Certa vez em um filme sobre mortos vivos algo filosófico o mocinho ressuscitava sua namorada morta e logo ela começava a ter comportamento anômalo, tal como comer carne crua e fazer escarificações na pele. Quando ele lhe perguntou porque as fazia (as incisões) ela respondeu: para sentir-me viva.
Acredito que certas pessoas têm uma dificuldade para experimentar o mundo sensorial, por isso precisam de extremos para conseguir satisfazer-se. Precisam que a cerveja esteja “estupidamente” gelada, precisam correr a 160 km/h dentro da cidade, comer uma pimenta “da braba”, malhar, lutar, beijar um, beijar dois e beijar três. Precisam de música no último volume com 20 mil watts de potência. Precisam, enfim, de sensações extremas porque estão meio “mortas”, ou melhor, amortecidas. Para superar a dormência de seus sentidos em mundo que as bombardeia de informação até torná-las incapazes de enxergar, ouvir, tatear, provar, cheirar o que seja sutil.
São semi-cadáveres? Ou são apenas pessoas que se sentem perdidas num mundo que não as nota e que, por isso, precisam de fazer coisas extremas? Há para ambos os gostos. Há até os que fazem essas coisas precisamente para não serem notados.
Tatuam-se dos pés à cabeça e se cobrem de piercings porque querem ser notadas, mas também, ocasionalmente, porque tatuar-se e perfurar-se é um tipo de rito de passagem no qual “se sentem vivas” e que lhes abre a participação em uma “tribo” (conceito antigo, revivido em nossa sociedade fragmentada). Também porque a dor é uma forma extrema de sensação, para aqueles que não mais se contentam com o sutil.