Quando eu era moleque o terror de todo mundo era o “tarado”, esse estranho e incompreensível ser que habitava os romances de Nélson Rodrigues e Adelaide Carraro. As pessoas usavam a palavra como se fosse um codinome do capeta: “Fulano é um tarado” era uma ofensa pior do que dizer que era comunista. Aliás, os comunistas eram vistos como demônios exatamente por serem tarados (“comem criancinhas”, “amor livre”, etc.). Quando alguém mencionava a palavra, instintivamente punha as mãos para trás, num singelo gesto de proteção.
Hoje em dia a palavra está meio esquecida, ninguém mais tem medo de “tarados”. Eu mesmo já ouvi mulheres dizerem que preferem encontrar um tarado do que um assassino pela frente (quando eu era menino era o contrário: todo mundo jurava que preferia morrer do que perder para o tarado alguma coisa que não se devia falar).
O tarado ficou até romantizado: não foi uma louca, mas uma psicóloga que se apaixonou pelo maníaco do parque e casou com ele dentro da cadeia. No Pará um desses grupos tecnobregas decretou: “Sou um psicopata mas tenho muito amor para dar”. Desde que o tarado não desfigure nem mate ele é visto apenas como um pobre ser carente em busca de pregas desavisadas para afogar dramas existenciais e traumas de infância.
Na verdade é até desejável ser tarado. Quantas moças não matam de inveja as amigas dizendo: “meu namorado é um tarado”. Nos anos setenta até as prostitutas tinham medo dos tarados, hoje as moças de família sonham com um, de preferência que tenha emprego estável e cara de ator da Globo. O tarado está para a imaginação feminina assim como a mulher ninfomaníaca bissexual está para a do homem, e em ambos os casos a realidade não é exatamente como a imaginação.
É uma era de extremos, a mesma juventude que gosta de tarados exige um cervejão geladão e vai descendo até o chão na rebolação exagerada do último ritmo do verão. Ser tarado deixou de ser caso de polícia e virou obrigação. Seja um tarado você também ou vão achar que você é gay, como aconteceu comigo.