Escrevendo em terceira pessoa, eu disse essas verdades a mim mesmo, diante de um espelho.
- Escrever é um privilégio, e não um direito.
- Não adianta reclamar. Alguns nascem com “talento”, outros nascem sem. A única coisa que pode minorar o abismo entre um talento bruto e um reles mortal é uma dedicação extrema, mas mesmo assim os dedicados sempre estarão no segundo time se os talentosos tiverem dedicação equivalente. O remédio para isso? Deixe de amaldiçoar os deuses e faça o que gosta: ser um sucesso exige seu esforço, mas não é como “acerte a bola no palhaço e ganhe um ursinho de pelúcia”.
- Não existe pseudo-intelectual.
- Não adianta espernear, as pessoas são “intelectuais” (cultas) ou “mobrais” (acham que cultura é de comer). No máximo há pessoas que se acham mais cultas do que realmente são, mas se você reparar elas são, de fato, bastante cultas. Muito cuidado, pois os “pseudo-intelectuais” de quem você tem raiva podem ser pessoas mais cultas e mais talentosas do que você: é natural do ser humano ter inveja. Talvez você esteja apenas se negando a aceitar a superioridade de alguém que pensa diferente de você.
- Motivação é algo interno, não externo.
- Basicamente isso quer dizer que qualquer pessoa que não esteja passando a mãozinha na sua cabeça vai reagir mal a chantagenzinha emocional do tipo “se vocês gostarem eu continuo escrevendo”. Eu, particularmente, gostaria de dizer a cada um que posta frases dessas: rasgue tudo e jogue no lixo e vai jogar bola, de preferência nunca mais escreva. Você não deve escrever para agradar ninguém além de si mesmo, pelo menos no início. Simplesmente porque as primeiras centenas de páginas que vai escrever não agradarão nem à sua mãe (mas ela vai elogiar porque te ama). Então, ou você quer fazer isso e está disposto a dedicar-se ou então vai caçar outra coisa na vida para fazer. Uns escrevem, outros colecionam selos, outros fazem academia. O ideal seria se todos lessem, mas parece que nem os que escrevem andam mais gostando de fazer isso.
- Tudo que você escreve é, na maioria das vezes, porcaria.
- Você é a última pessoa que tem autoridade para achar que o que você escreve presta. No máximo, você pode gostar do que escreve, o que, convenhamos, é o seu primeiro objetivo, pois você é (ou deveria ser) o seu primeiro leitor (alguns escritores detestam tanto ler que nem se dão ao trabalho de ler o que escreveram para ouvir como soa). É provável que todos os autores acham que escrevem bons livros (talvez mesmo aqueles que ganharam muito dinheiro escrevendo porcarias e resolveram ignorar a crítica). Eu já vi pessoas dizerem, com vontade, que sabiam que tinham talento e que tinham confiança em seu texto. Em geral não escreviam nada que realmente prestasse, apenas um pouco acima da média. Não quero, porém, dizer que você deva jogar suas porcarias fora. Em primeiro lugar, não faça isso porque dá para ir remendando com o tempo, e o trabalho de remendar pode te ensinar a escrever porcarias menos lamentáveis no futuro. Em segundo lugar, porque pode existir um mercado para porcarias (como Paulo Coelho demonstrou). E em terceiro porque essas porcarias vão sair nas suas “Obras Completas” quando você morrer famoso…
- Seus amigos só te elogiam porque são seus amigos.
- Não confie em amigos, parentes, vizinhos, namoradas, etc. Essas pessoas vão sempre elogiar o seu trabalho a fim de preservarem o relacionamento que têm com você. O melhor elogio é o silêncio daqueles que gostariam de apontar seus erros.
- Não existem “críticas construtivas”, existem apenas críticas.
- Em geral quando uma crítica é feita de forma respeitosa, o criticado tende a entender como elogio, especialmente se a crítica ressalta os aspectos positivos ao lado dos negativos. É a velha história do “saúde dez, educação zero, a média é cinco, então passei.” Por isso as melhores críticas são aquelas que vão até o osso, que apontam impiedosamente cada um dos defeitos do texto, que ridicularizam suas escorregadelas. Assim o autor enxerga onde realmente errou (ou então resolve ignorar e insistir no erro até um dia, lá pelos setenta anos de idade, descobrir que gastou quarenta anos evitando aceitar aquela crítica). Tem gente que acha que isso é falta de respeito, mas falta de respeito pior é alimentar as ilusões de um mau autor, sem nunca lhe esfregar na cara suas carências. Os iludidos não evoluem, ficam achando que são bons e estacionam.
- O seu esforço não vale, me mostre o que você faz.
- É um princípio central da pedagogia moderna: valorizar o esforço do aluno na busca do conhecimento. Aplicado de forma indiscriminada, isso quer dizer que tanto faz ser competente ou incompetente, o que vale é competir. Infelizmente a vida não é uma escola moderna, a vida é uma selva e todo mundo está lá fora para te matar e comer se você não matar antes. Não venha me dizer que você trabalhou dois anos nesse romance, é preferível dizer que foram duas semanas e que você nem revisou. Se ele é ruim isso só vai servir para mostrar que em dois anos de esforço você não conseguiu fazer nada que prestasse e talvez fosse melhor comprar uma vassoura em vez de um teclado novo. Pensando bem, não diga nada: deixe que sua obra fala por si e você vai descobrir, rindo, que as pessoas vão achar nela um monte de coisas que você jura que não pôs…
- Se você fosse um gênio, alguém já teria percebido.
- Ser gênio não é obrigação, nem é necessário. É perfeitamente possível, e talvez até mais fácil, ser feliz como imbecil. Pode parecer estranho, mas mais a maioria das pessoas são apenas pessoas normais. Gênios existem, mas eles não são apenas pessoas dotadas de “algo extraordinário”, eles são, principalmente, pessoas que tiveram condições de desenvolver um potencial extraordinário. Portanto, se você chegou à idade adulta sem ter estourado, não se mate por causa disso: sem o peso de ser gênio fica muito mais fácil ser “bom” naquilo que faz. Afinal, se a genialidade traz uma série de obrigações, a mediocridade traz uma série de compensações e muitos autores que entraram para a História foram em vida tidos como medíocres.
- Não há histórias originais, apenas histórias bem escritas.
- Praticamente todas as histórias que lemos seguem uma quantidade limitada de padrões, que existem há séculos ou milênios, os chamados “arquétipos”. O seu personagem tão pessoal provavelmente já tem verbete na enciclopédia, só que com outro nome. Alguém já disse que toda história narra “uma defesa, uma busca ou uma perda” e que todo personagem será “herói, vilão ou bufão”. Isso quer dizer que toda ideia brilhante que você teve assistindo o filme da moda é parecida, no mínimo, com milhares de outras. A implicação prática disso é que a única coisa que pode dar valor ao que escreve está no texto em si. Faça seu leitor gostar de ler e poderá criar um épico sobre bananas-da-terra samurais lutando contra lobisomens-repolho.
- Esqueça Paulo Coelho.
- Paulo Coelho é a exceção, não a regra. Ele faz sucesso apesar de suas carências, e não por causa delas. Imitar os defeitos dele para atingir o seu sucesso é como repetir os erros cometidos durante a corrida pelo piloto que venceu imaginando que assim vencerá também ou tentar desafinar como Zezé di Camargo esperando ser convidado para ir cantar no Faustão. Você só tem o direito de se espelhar em Paulo Coelho se você for de família rica, ex-parceiro de um cantor famoso e tiver muita grana para gastar em marketing antes de começar a ganhar rios de dinheiro.
- Não Imite Best-Sellers , Imite o que os Autores deles Leram.
- Se você segue as estradas principais, só vai chegar a lugares aonde muita gente vai. E lá, você só vai sobressair com sorte ou se fizer algo chocante, como por exemplo, matar a família e ir ao cinema ou fazer hara-kiri ao som de música folclórica japonesa. Todo best-seller enseja uma onda de imitações: se imitar talvez consiga um limitado sucesso na esteira da fama do livro, mas quando o sucesso passar, as pessoas não vão lembrar de você, porque só compraram por causa do best-seller e você, decerto, nunca viu andando por aí um rabo sem cachorro. Portanto, a menos que seja contratado de uma editora para produzir esses livros-salsicha para fast-food das massas, fazer imitações não vai melhorar em nada sua carreira. Uma outra opção é você conseguir fazer melhor que o original, mas geralmente quem é capaz disso não gosta de imitar ninguém, imitação é para quem tem pouca imaginação.
- A Norma Culta Não Existe Para Humilhar Ninguém.
- Em geral as pessoas “descoladas” que protestam contra a norma culta não a dominam. É a história da Raposa e das Uvas: aqueles que dominam a norma culta não a acham irracional, exagerada, difícil ou mesmo inadequada. Protestos contra a norma culta são fáceis na boca de gente ignorante: filólogos e autores que sabem do que estão falando nunca são arrasadores a ponto de dizer coisas do tipo “o importante é a mensagem, o texto alguém revisa depois”. Alguns autores subvertem alguma norma gramatical ou estilística, mas eles geralmente fazem isso porque sabem aonde mexer: eles não atacam a gramática com marretas, mas com “martelinho de ouro”. Mesmo Fernando Sabino, que dizia depender mais de seu revisor do que de qualquer outra pessoa no mundo, se sentiria horrorizado de ver o nível de baixo-orkutês que anda sendo praticado por aspirantes a futuros acadêmicos. Da próxima vez que for combater quixotescamente as normas caducas da Academia, lembre-se que os modernistas que fizeram isso primeiro escreviam mais certo do que você, tinham mais talento do que você, tinham mais razão do que você… e as normas continuam aí, apenas adaptadas ao uso.
Confesso, abestalhado, que estou decepcionado, como dizia Raul, mas não por ter sido fácil conseguir, mas porque, me parece, que, afinal, não há nada a conseguir. A literatura como eu a sonhava aos dezesseis anos é uma arte que em breve não mais vai existir. No futuro sonoro e visual da humanidade ninguém talvez sequer se lembre mais da forma de um texto impresso.
Este post foi comentado e atualizado em 21/12/2014. Confira aqui o que mudou no meu modo de pensar.