Da próxima vez que entrar em algum fórum público na Internet, reservem alguns minutos para analisar a primeira página. Garanto que estará cheia de TÓPICOS COM TÍTULOS EM MAIÚSCULAS FIXAS.
Da próxima vez em que sair à rua, reserve alguma atenção para as pessoas que passam por você: a maioria estará usando roupas em cores berrantes, com acessórios exagerados, piercings, tatuagens, cabelos descoloridos ou alisados, tamancos de salto alto, músculos à mostra e imensas tatuagens.
Quando puder, ouça o mundo à sua volta: seus ouvidos, quase sem você perceber, andam cheios de ruídos de carros com sistemas de som potentes despejando música pop barata na cabeça de todos.
Quando estiver entre seus amigos ou colegas, preste atenção neles, não no que dizem, mas em como dizem. A maioria fala gritando, especialmente os jovens e as crianças. Gargantas que se movem em fúria, pescoços de veias retesadas.
Qualquer dia desses ligue o rádio e observe bem: os locutores falam rapidamente, aos berros e urros, usando frases telegráficas. Apresentam músicas curtas, de arranjos simples, sem sutileza. Uma voz esganiçada, em agudos intoleráveis ou ejaculações guturais, lutando contra instrumentos estridentes, baterias furiosas, mesmo na música romântica, que hoje é tão aeróbica quanto a discoteca de trinta anos atrás.
Em todo lugar aonde vá, estará diante de sinalizações sonoras que competem entre si pela vitória no campo de batalha do seu ouvido: buzinas, apitos, vozes, trilados, campainhas, motores roncando, música barata, vozes de crianças. As pessoas, especialmente as mais jovens, andam conversando aos berros como se fossem gorilas na selva.
O mundo se transformou numa espécie de guerra sonora: só é ouvido quem grita mais alto. Os professores não são ouvidos nas salas de aula porque não conseguem gritar o suficiente para superar a barreira sonora de vozerio e os ruídos externos que invadem o ambiente. As pessoas na rua não são ouvidas na rua porque estão imersas num oceano de barulho. As famílias já não conseguem conversar porque tem que competir com televisores com centenas de watts de som, com objetos sem nome que fazem ruído, com a falta de educação dos vizinhos.
Ninguém para a ouvir alguém que fale baixo, como antigamente se fazia: falar baixo é sinal de submissão, não de autoridade moral. Houve um tempo em que falar baixo impunha silêncio: poder falar baixo era sinal de poder. “O Poderoso Chefão” se comunicava através de um tênue sussurro que metia medo em todo mundo. Hoje em dia mesmo o chefão do crime não consegue isso: ele precisa da aparelhagem de um baile funk com milhares de watts, suficiente para derrubar paredes.
A surdez da humanidade se agrava. Ninguém quer ouvir, mas cada um quer ser ouvido. Eu preciso que o meu carro tenha o som mais potente a fim de se impor ao carro do meu vizinho, para que todos ouçam a música que EU QUERO. Eu preciso ser a pessoa mais espalhafatosa da festa para que EU seja notado. Meu produto precisa ser anunciado no maior e mais vermelho dos out-doors. Nessa competição imbecil as potências seguem aumentando e as cidades se transformam em ilhas de ruído que cada vez se expandem mais na paisagem do mundo. Deveria haver algum tipo de Tratado de Não Proliferação de Armas Sonoras, algum tipo de Acordo de Redução de Mísseis Sonoros Interpessoais. Não há, porque os barulhos não estão a serviço de nações, mas de indivíduos. É a Lei da Selva.
Eu preciso que meu tópico tenha letras grandes, de preferência vermelhas, e, se possível, em negrito, a fim de que somente ele seja lido. Eu não quero ler o tópico alheio, eu vim aqui mostrar o meu, tal como o playboy que chega na esquina com um sistema de som mais potente que o de um concerto de rock e arremessa aquele muro de vibrações contra os presentes, marcando seu território como um cachorro que mija no seu quintal. Esse é o sonho do jovem de hoje, gritar até forçar o resto do mundo a se calar. Mostrar que está podendo.
Infelizmente, nessa ânsia de ser ouvido, a maioria se esquece do que tem a dizer. Daí, quando surpreendidos coma chance de dizer algo, não conseguem coerência nenhuma, acabam fazendo o que fez o lendário “MC Maluco”, que invadiu o palco de um baile funk e pegou o microfone. Mas ao fazer isso, surpreso por ter conseguido fazer, não tinha o que dizer e apenas berrou “Ah, eu tô maluco”.
Talvez no dai em que qualquer de nós tenha a chance de ser ouvido, só nos reste também gritar, “Ah, eu tô maluco!”