Pseudo-elegia escrita em 19 de setembro de 2009 para um pseudo-perfil de rede social com quem eu interagia bastante e que tinha publicado algum conteúdo de qualidade antes de ser “banido”.
Hoje desapareceu um cara. Seu nome era Patrício Pinto, ou pelo menos era assim que o conhecia. Bem, de fato eu não o conheci, apenas acompanhei sua carreira meteórica. Talvez mesmo “acompanhar” não seja o melhor termo: eu assisti, de longe apenas, a uma parte de suas estripulias. Tornei-me seu fã sem nunca tê-lo visto pessoalmente, admirei-o em cada palavra, mesmo sem saber quais palavras eram realmente suas e quais eram apenas repetições de palavras que outras pessoas haviam dito em outras ocasiões. Mas hoje Patrício Pinto desapareceu sem deixar rastros.
A primeira vez que ouvi falar dele foi há exatos dois anos e três meses. Marquei o dia porque passei a marcar seus textos em meus “Favoritos”. Ele era um debatedor quase inconsequente em um desses fóruns da rede mundial. Aos poucos, no entanto, ele foi adquirindo uma habilidade rara para expressar opiniões polêmicas, sempre de forma bem-humorada, embora às vezes ligeiramente ofensiva. Essa combinação de leveza e brutalidade no uso da língua não surgiu da noite para o dia, mas eu a percebi a partir de certo ponto, e logo notei que tornava os seus textos muito atraentes. Foi assim que Patrício começou a atrair a atenção de muita gente que, como eu, frequentava aquele fórum específico.
No começo foi um fenômeno localizado. Afinal, há tantos fóruns perdidos pela rede, são tão poucas as pessoas que entram em cada um deles! Mas logo começaram a surgir outros fóruns que congregavam mais pessoas, mesmo oferecendo recursos mais limitados. Ter diante de si um grande palco fez de Patrício um fenômeno, uma espécie de tenor na ópera bufa da internet. Assim Patrício teve a sorte de já entrar nas salas mais amplas dos grandes fóruns levando consigo a experiência e a destreza acumulada nos pequenos valhacoutos virtuais isolados onde tantos debates inúteis chafurdam sem nunca revelar seus patrícios.
Tornei-me seu “amigo” em um desses lugares irreais onde cada um é apenas aquilo que uma minúscula imagem de baixa resolução consegue comunicar. Ser amigo nestas circunstâncias é algo meio estranho porque, de fato, jamais soube coisa alguma dele: apenas tinha uma ligação facilitada com as coisas que ele fazia e escrevia. E como ele escrevia! Logo descobri que tinha um diário virtual, onde estavam guardadas centenas de pequenas e geniais histórias, poemas, relatos da vida quotidiana. Participava dos fóruns ocasionalmente postando aqueles textos, mas normalmente preferia comentar o que outros escreviam, interferir em polêmicas distantes das coisas que dizia ser e viver.
Hoje Patrício desapareceu. Amanheceu ausente de todos os fóruns onde participava. Suas mensagens não se encontravam mais, foram todas para o limbo das ideias nunca impressas, para o inferno dos projetos nunca materializados. Circulam entre os seus poucos conhecidos, entre aqueles que uma vez ou outra estiveram realmente diante dele, as teorias mais estranhas, desde abdução por alienígenas até uma simples recaída na fé do culto marginal a que seus pais eram filiados.
Mas qualquer que tenha sido a causa, a consequência se tornou enormemente mais interessante. Onde estão agora aqueles textos todos que ele escreveu? No grande fórum não ficaram traços. Não há lixeira de onde possam ser recuperados, prateleira onde possam estar perdidos. Em vez disso apenas um vazio não demarcado. Ele se tornou uma impessoa, é como se nunca tivesse existido, como se alguém tivesse tomado uma borracha e passado sobre dois anos de memórias dele que eu tinha — e que outros também terão. Somos mentirosos agora, pois nunca houve alguém chamado Patrício Pinto e seus textos, se é que alguém os colecionou, não podem ter autoria confirmada.
Desde este desaparecimento eu tenho tido medo. Quem estará percorrendo os meandros eletrônicos da grande rede e transformando em fantasmas entidades que pareceram existir? Terá mesmo existido um Patrício? Estará neste momento alguém assim chamado, ou que assim se identificava, rezando em algum banco de igreja ou sendo torturado em algum porão de delegacia? Ou terá sido tudo uma grande ilusão? Dizem que a exposição contínua à radiação dos monitores induz a fenômenos tais.
Não sei nem saberei mais se aquelas coisas que eu li foram verdadeiras. Tenho medo de dizer que foram e ser surpreendido pela mesma causa que me levou Patrício. Vou espacejando minhas intervenções nestes arcanos interstícios por onde vagueiam invisíveis ameaças. Vou imprimindo e encadernando, de alguma forma preservando da traça eletrônica aquilo que eu penso, que escrevo, que sou. Se amanhã eu amanhecer também transformado em uma impessoa, pelo menos eu mesmo terei provas de que existi.