Uma das diferenças entre pornografia — que não é arte — e erotismo — que pode ser ou não — reside no tratamento do assunto. Na primeira, o conteúdo se resume ao tema apresentado: não há sutileza, não há enredo. Nem questionamento, nem inquietude, nem objetivos do autor. Oferece-se ao público exatamente aquilo que espera, sem levar de contrabando nenhuma semente de rebeldia. Não existe manifestação humana mais reacionária e nem mais conformista do que a pornografia. Talvez por isso, mesmo sendo severamente proibida por todos os regimes, tenha sido sempre tolerada por eles, com a chancela do “proibido”. O erotismo, porém, ritualiza e complexifica o que, de fato, não é mais do que o óbvio. O emaranhado de situações que é acrescentado no erotismo pode não ser artisticamente relevante, mas sempre revelará uma intenção que vai além da exploração do assunto.
Sim, porque pornografia é apenas uma das formas de explorar um assunto de forma superficial, apresentando-o como uma finalidade em si. Pode-se fazer isso com outros assuntos também. Um bom exemplo é a “estética de violência” que está tão no gosto dos jovens escritores de hoje. Apresentar a violência como assunto da obra (literária ou outra), sem oferecer nenhuma reflexão adicional, sem ritualizá-la e nem complexificá-la, sem dar-lhe, enfim, uma dimensão que a enquadre como parte de um processo ou como explicação de uma realidade; fazer isso é explorará-la de uma forma pornográfica. Soa ofensivo? Certamente. Saiba que uma tal abordagem ofende a muita gente. A mim, por exemplo.
Violência e suicídio são fatos dados em uma sociedade, da mesma forma que o sexo. Apresentá-los de forma pura e simples é como filmar um ato sexual e exibi-lo. Se não existe uma razão, uma função, uma reflexão, uma semente de inquietude, alguma coisa, enfim, que torne a exibição um feito artístico, então ela está reduzida a uma “pornografia da violência”. Não existe estética em puramente apresentar um assassinato, da mesma forma que não há na representação gráfica de um pênis penetrando uma vagina repetitivamente até atingir-se um gozo fingido esquemático.
Boa parte da produção literária — e também da cinematográfica — padece deste exato mal: confundir uma representação pornográfica (no máximo erotizada) com uma estética artística. Vivemos uma era imersa em violência e em niilismo, na qual o sexo adquiriu uma função de válvula de escape das frustrações mais profundas do homem. Eros e Thanatos nunca estiveram tão próximos. Exibir ambos os lados, isolados de contexto e de finalidade, é muito fácil — exatamente por isso é pornográfico. Não é preciso ter uma dimensão reflexiva para ter a capacidade de representar o óbvio. São óbvias estas obras que partem do exibicionismo e não vão a nenhum outro lugar. A arte precisa ir além, precisa de mais do que exibir o óbvio.
Nas atuais circunstâncias em que vivemos, a verdadeira revolução estética não está em atirar a realidade à cara da burguesia. A face dos burgueses já está suja de sangue e sêmen há tanto tempo que eles já se acostumaram e passaram a consumir isso. Estas formas rasas de representação da realidade, tentando em vão chocar, se massificaram. Nada seria mais próprio, mais realmente “chocante” do que propor o enigma, o anticlímax, a reflexão. Fugir do óbvio, poupar a cara da burguesia de mais fluidos corporais humilhantes e tentar humanizá-la. Não mais transformar o nosso inimigo em um monstro, mas torná-lo como nós. A conciliação parece ser o mais radical dos caminhos no mundo de hoje. Mesmo porque o caminho do confronto produziu uma estética, mas não uma mudança.
Então prometo fugir destas formas rasas. Prometo não recair na servidão ao tema. As obras que de agora em diante vou produzir não terão a intenção de chocar, mas de aproximar. Não quero ofender meu leitor, mas seduzi-lo. Não quero ser outro artista maldito e revoltado, mas um proponente de outra abordagem.