Dois escribas, preocupados com o futuro, discutiam à sombra de um juncal, à beira do Rio Nilo:
— Imhotep, tu que és tão sábio, diga-me: Crês que um dia a arte dos hieróglifos terá sido abandonada?
— Merhemptah, querido, temo que sim. Ela está a se perder: não vês que os sacerdotes de classes inferiores já os abreviam e corrompem, que já não se importam mais como antes com a exatidão da semântica, preferindo recorrer aos símbolos fonêmicos? Oh, temo que um dia a expressividade dos hieróglifos se perca, que todos sejam reduzidos ao nível da massa ignara. E a culpa disso, Merhemptah, é do pergaminho, essa estúpida invenção grega. Com ele fica fácil demais escrever, ele aceita qualquer forma de traço, aceita costura, aceita dobradura, aceita o diabo!
— O que vai acontecer com a literatura, então, meu amigo. Responde tu, que és tão sábio e vês tão longe no tempo.
— Ah, eu temo, querido Merhemptah, que os belos rolos de papiro encastoados em tubos de cerâmica, que hoje ornam as paredes de nossos templos do saber… ah, eles serão esquecidos!
— Imhotep, meu amigo, mas isso será algo terrível!
— Terrível, de fato, Merhemptah… as pessoas no futuro não saberão mais o prazer do conhecimento, da leitura, a fruição das palavras, o gozo da escrita. Serão como analfabetos, incapazes de ler e de entender o que hoje escrevemos.
— Então, o que podemos fazer? O que nos resta fazer, amigo Imhotep?
— Ainda escrevemos porque ainda resta a esperança, Merhemptah, de que pelo menos o negro Egito consiga resistir ao pergaminho, pelo menos aqui se conserve a pureza da língua milenar, a tradição do papiro.
— Que os deuses o ouçam, Imhotep. Que os deuses o ouçam.
E os dois escribas terminaram de beber suas cervejas vermelhas, contemplando o rubro pôr do sol. E o Egito continuou sua trajetória milenar, por alguns séculos ainda.