Foi numa tarde quente e ensolarada de janeiro que os dois amigos resolveram agir. José e Paulo estavam desesperados pelo calor do sol e pela óbvia ausência de praia e cerveja ao alcance de suas mãos. Como bons mineiros pobres nascidos a centenas de quilômetros do mar, nunca haviam se banhado em águas salgadas. Esta circunstância nunca tivera nenhuma importância, mas naquele dia específico de verão em Santa Maria da Mata esta constatação ressoava em suas mentes como um sino incômodo que interrompe o sono na manhã de domingo.
Decididos a fazer algo a respeito, os dois decidiram de qualquer forma obter o dinheiro necessário para custear sua viagem de sonhos ao litoral. De qualquer forma mesmo. Como o trabalho duro não paga tão rápido quando os hormônios dos dois exigiam, a promessa de fazer amor com suas namoradas nas macias areias de alguma praia os convenceu que o crime era a única solução viável.
O problema desta escolha era que ambos viviam em uma cidade pequena, onde todos conhecem todos. Mais que isso, sabiam muito bem que ninguém de lá tinha o insano hábito de guardar dinheiro em casa. Por isso, embora o seu plano inicial fosse assaltar uma viúva desamparada, acabaram abdicando desta via fácil, mas sem grandes recompensas, para buscarem outra mais lógica: o banco local.
Para uma cidade pequena como a deles até que a agência era bem grande, empregando onze pessoas, entre as quais dois seguranças e um faxineiro. Como era a única, todos os negócios do município a usavam bastante, resultando em razoável movimento. Esta circunstância fez com que nossos ladrões pensassem que seria uma boa ideia aparecer por lá numa segunda-feira, por volta de onze da manhã, usando meias rasgadas para cobrir seus rostos e portando armas de segunda mão enferrujadas, manuseadas nervosa e inabilmente.
Antes de finalmente se decidirem, passaram quase uma hora em frente à agência, sem máscaras, analisando o movimento e criando coragem. Duas vezes eles pensaram que não deveriam agir, duas vezes temeram que não conseguissem levar a termo o plano arquitetado. Mas cada vez um apoiou o outro, nas duas vezes arremataram com doses de cachaça para ajudar até que, enfim, decidiram entrar.
Cruzaram a rua e apoiaram suas costas nas paredes externas do enorme e feioso prédio que parecia um forno rústico com sua fachada de cimento sem acabamento e sua enorme porta de vidro escuro. Fora da vista dos seguranças, esperaram que as ruas esvaziassem um pouco, enfiaram na cabeça suas velhas meias rasgadas e entraram no Banco pela porta giratória que, de forma quase previsível para um lugar pequeno, não estava com o detector de metais funcionando.
Os dois guardas eram duas criaturas desesperadoramente pacifistas. Um deles era um negro alto e gordo, com aparência bonachona e uma tremenda voz trovejando que trazia ecos aos ouvidos quando falava alto, mas falava quase sempre em voz baixa e educadamente. O outro era um magricela sardento e ruivo que parecia um morto-vivo e cujos olhos verde-cinzentos estavam constantemente isolados dentro de profundas olheiras. Nenhum dois tinha o porte ou o treinamento para enfrentar situações de tensão extrema. O ruivo magricela molhou as calças antes mesmo de ver os revólveres ou ouvir o grito de assalto, indo refugiar-se no banheiro tão logo viu os mascarados entrarem. O negro gordo teve a necessária presença de espírito, mas não a agilidade exigida: tentando mover-se rapidamente para trás de uma das pilastras de concreto para poder reagir, levando já sua arma à mão, tropeçou em um carpete e caiu pesadamente ao chão, sobre sua protuberante barriga, perdendo imediatamente os sentidos e ficando lá a retorcer-se como uma baleia encalhada.
Os funcionários estavam todos muito bem treinados para casos de assalto. Provavelmente tinham ouvido muitas histórias de colegas de profissão mortos estupidamente em tentativas de assalto e reagiram como um bando de zebras quando o leão ataca: deixaram cair qualquer coisa que tivessem à mão e abandonando o prédio rapidamente, aproveitando as amplas saídas de fundos, levando consigo a maioria dos poucos clientes. O terreno dos fundos, lamacento após as chuvas, era escorregadio e traiçoeiro, proporcionando hilárias cenas de pessoas desesperadas que se estabacavam atarantadamente. Mais além, na pantanosa margem do rio, toda aquela gente se enredou nos espinheiros e arbustos, finalmente desaparecendo entre os bambuzais.
Este sucesso inicial maravilhou os dois ladrões. Nem mesmo em seus sonhos eles imaginaram que pudessem ser tão descolados. Tudo que tinham a fazer era pular por sobre os balcões e ensacar todo o dinheiro que pudessem carregar. De preferência antes que a polícia conseguisse chegar.
Encontrando mais do que haviam esperado, os dois encheram os sacos e bolsos e deixaram o banco sentindo seu plano plenamente realizado. Correram pela rua principal abaixo como adolescentes que roubaram goiabas do quintal do vizinho e cruzaram a ponte quase querendo jogar dinheiro fora, pelo prazer insano de fazer isso. Entraram em seu carro e se prepararam para fugir.
As primeiras nuvens escuras apareceram no horizonte exatamente neste momento. O carro que usariam para a fuga era um velho Fusca retirado de um desmanche de veículos, uma pobre sombra do carro que um dia fora, uma geringonça que mal conseguia se mover. O velho carro, que funcionara surpreendentemente bem no trajeto entre o ferro-velho e a porta do Banco, recusou-se a pegar por um bom tempo e, quando enfim funcionou, tremeu e sacudiu-se como se tivesse o Mal de Parkinson. Por fim, rendeu as forças do motor de arranque e da bateria, deixando os dois passageiros sozinhos na rodovia, a meros duzentos metros dos limites urbanos.
— Que fazemos agora? — perguntou Paulo.
— Achar um lugar para esconder até a polícia passar.
— Esconder? Onde? Todo mundo aqui conhece a gente!
— Bem, tem aquela chacrinha ali…
— Não, não! Nada a ver. É muito perto da cidade, e pior ainda: perto demais de nosso carro. A polícia vai saber que estamos por perto e vai fuçar em cada buraco desse pasto…
— Bem, pode ser que o carro pegue se a gente empurra…
Quando achavam que não havia mais esperança, veio um ônibus e eles tiveram, no ato, a mesma ideia: acenaram que parasse e subiram, levando o dinheiro do assalto dentro das mochilas. Ninguém dentro do ônibus, que vinha direto, suspeitava de coisa alguma.
— Agora — cochicho Paulo ao amigo — a gente vai até Santana e compra um carro usado lá. Depois a gente liga pras namoradas e pede que esperem a gente em Cabo Frio.
— Só tem um problema, Paulo.
— Que problema?
— A gente esqueceu que esse raio de ônibus passa por um posto da Guarda Rodoviária! Logo ali! — e José apontou com o beiço de baixo para além do morro seguinte.
— Oh, merda! Que bobagem nossa! A gente tinha que estar indo pro outro lado desde o começo.
— A gente tem que descer…
O ônibus convenientemente parou cerca de trezentos metros depois, já dentro dos limites da cidadezinha ao lado. Os dois desceram rápido, quase se esquecendo de pagar. Quando desceram, acabou surgindo outro problema:
— Paulo, estou com uma fome braba agora. Por que a gente não compra um pouco de pão e salame naquela padaria para levar pro lanche? A gente não vai longe sem comer.
— Zé, mas que burro que você é! Veio de barriga vazia para uma fuga destas?
— Bem, ela não estava vazia de manhã quando saí de casa, mas a gente ficou um tempão olhando o movimento sem criar coragem…
Não havia a menor chance de fugirem famintos. O próprio Paulo teve de admitir que também mal se aguentava, de forma que tiveram de comer. Compraram dez pães murchos e meio quilo de salame fatiado para comerem com uma garrafa de refrigerante barato. Pagaram com um pouco do dinheiro roubado, tentando esconder o quanto suas mochilas estavam cheias de notas de baixo valor.
De posse da comida, tinham de descobrir um meio de escapar — o que não era fácil, visto que não tinham nenhum plano desde o momento em que o carro morrera, e talvez desde antes. Não podiam seguir à direita porque havia um posto de Polícia Rodoviária além do monte, não podiam entrar na cidade porque a polícia de lá certamente já fora alertada do roubo em Santa Maria e não podiam voltar porque certamente já eram sendo procurados pelo caminho.
De forma que estavam encurralados no curto trecho de cinco quilômetros entre duas cidadezinhas, unidas por uma estrada e separadas por um rio que eles não podiam cruzar a nado porque, além do dano que isso traria às notas, eles mesmos não sabiam nadar.
A única coisa que podiam fazer era pular a cerca e subir pelo pasto acima, para longe dos lugares habitados, na esperança de se perderem nas macegas. Nem isso, no entanto, acabaram por fazer, já que alguns bois e touros de longos chifres pastavam por lá. Poderiam ter tentado, talvez matando algum que os atacasse, mas não tinham muitas balas e nem coragem de matar tão belos bichos.
Assim, acabaram decidindo esconder-se debaixo da ponte que cruzava o riacho que desaguava no grande rio. Desceram vinte metros desde a frente da padaria, ladearam a encosta e entraram por uma moita de capim-navalha para chegar a um lugar mais ou menos úmido e silencioso sob as pilastras da ponte. Ali, em companhia do mau cheiro do poluído curso d’água e da desagradável presença de baratas, começaram a comer sua refeição de campeões. Lá ficaram por cerca de duas horas, na esperança de que a noite caísse e pudessem sair andando pacificamente pela estrada e atravessar algum dos obstáculos que tinham no caminho.
Mas isto não aconteceu. Depois de finalmente consertarem seu único carro de patrulha, os policiais de Santa Maria vieram preguiçosamente pela estrada, pedindo informações e seguindo as abundantes pistas. No momento em que saíram, já haviam recebido dezenas de informes com sugestões de linhas investigativas, de forma que tiveram de testar várias, perdendo mais algumas horas seguindo indícios falsos, até finalmente se convencerem de que os meliantes haviam seguido mesmo o menos provável dos caminhos.
O delegado de Santa Maria era um bigodudo senhor de meia idade que viera para o interior em busca de paz e sossego para esperar a aposentadoria, mas por muito tempo fora um dos ” durões” da polícia da capital. Descobriu rapidamente a identidade dos ladrões, acuou suas famílias e namoradas, obteve fotos e depoimentos e seguiu com seus policiais em busca dos foragidos.
Achou-os, ainda comendo sanduíches frios de salame e tomando tubaína morna debaixo da ponte. Pela aparência de seus rostos amassados e seus cabelos suados e despenteados, o delegado percebeu que os dois otários estavam quase felizes por serem aliviados do incômodo da fugura. Renderam-se calmamente, mesmo porque uma reação teria sido suicida: não apenas havia cinco policiais contra eles, mas as suas armas, mais tarde testadas, mascaram todas as balas que tinham no tambor.
Levados à delegacia municipal, foram ali mantidos por tempo suficiente para que todo mundo pudesse ir lá rir deles. O delegado ainda foi bacana de arranjar advogado para a dupla. Ele argumentou com o juiz local que suspendesse a detenção em troca de uma pena alternativa, mas isso seria uma espécie de pelourinho. Os dois teriam preferido ir para o presídio, em outro município, do que a vergonha de passar três semanas capinando canteiros e arrancando ervas dentre os paralelepípedos da cidade, alvo da chacota dos amigos e conhecidos.
Foram condenados a quatro anos, a pena mínima para assalto a mão armada. A total inoperância de seu plano convenceu o juiz de que eram dois idiotas em vez de dois facínoras. Depois de poucos meses de cana saíram para cumprir a pena em liberdade e fizeram o que de melhor poderiam fazer: sumir no mundo. José entrou num ônibus para Belo Horizonte, Paulo num para o Rio de Janeiro. E nunca mais se viram, nem se escreveram e nem voltaram a Santa Maria, onde o caso até hoje é lenda.