Letras Elétricas
Textões e ficções. Tretas e caretas. Histórias e tramóias.
by J. G. Gouvêa

O Mistério de Juninhuuu Prestes a Cair

Publicado em: 20/09/2010

Retrospectiva de um estranho caso de terrorismo poético cometido contra uma comunidade de escritores do Orkut.

Um mistério do Orkut de quase dois anos está prestes a terminar: a identidade de “Juninhuuu Ribeiro”, um fake que postava na comunidade Novos Escritores do Brasil um tópico intitulado “A Minha Saga”, no qual contava as aventuras pornográficas e escatológicas de um alter ego picaresco e inverossímil. Famoso pela “cheirada”, pelo “gol anal” e ereção no teatro; Juninhuuu era uma espécie de mascote da N. E. B., pelo menos enquanto a brincadeira teve graça (e a própria comunidade).

Muito bem, até aqui eu falei muito sobre ele, mas não os deixei tomar informações. Para quem deseja conhecer a “obra” de Juninhuuu, aqui estão os links para as duas únicas produções suas conhecidas:

O blogue também pode interessar, pois lá se encontram alguns textos avulsos do “poeta censurado”, como a aventura de Adamastor, o Explorado. Agora passamos a especular: quem é Juninhuuu?

Especulações iniciais

Sempre suspeitei que Juninhuuu estava equivocado artisticamente, mas que sua atitude tinha objetivos que iam além do texto. Embora na superfície, ele, o texto, parecesse desconexo, nojento e machista — qualidades suficientes para que a maioria dos leitores não perdesse tempo em analisar — uma observação mais detida sugeria que a pessoa por trás do personagem era alguém que sabia fazer melhor, ou que poderia fazer algo melhor, mesmo sem ter essa noção. Certamente Juninhuuu era um personagem criado por alguém que queria mostrar alguma coisa e a “ruindade” aparente de seu texto era obtida através de uma cuidadosa preservação de todos os erros cometidos durante a escrita, por acaso ou de propósito, que provavelmente era feita através de um processo de “escrita automática” análogo ao empregado pelos surrealistas e pelos médiuns.

Inicialmente as suspeitas sobre a identidade de Juninhuuu recaíram sobre Sinki e sobre mim, ou sobre nós dois, embora nunca tenhamos compartilhado sequer um parágrafo em um terreno comum quanto a estilo ou objetivos literários. Surgiram várias teorias, algumas decididamente mirabolantes, houve até quem dissesse que o personagem era criado e mantido por uma mulher — e logo se aventou a possibilidade de Ilka ou Kate estarem por trás disso.

O que sempre foi evidente era que Juninhuuu representava um Id, a parte reprimida e frustrada da personalidade de alguém que tinha certo talento com a escrita, mas que também tinha uma profunda revolta com alguma coisa — e que, no delírio expressivo do criador do personagem, nunca sofre as consequencias de seus atos. O estilo desenfreado, priápico e desbocado com que Juninhuuu se comportava era um desabafo de alguém que teria de ser o oposto disso em sua vida normal: controlado, relativamente casto e educado. Um personagem real que fosse como Juninhuuu, mesmo que parcialmente, não teria desenvolvidas as habilidades (verbais e informáticas) exibidas pelo dito cujo.

A Prova no SENAC

Quando essas teorias começaram a ser ventiladas, surgiu uma suposta prova que teria sido feita por ele. Curiosa essa prova. Para começar está assinada exatamente como “Juninhuuu Ribeiro”, o que é inesperado, se considerarmos que esse não deve ser o nome real de ninguém: pois ninguém se chama “Juninhuuu”. Mais curioso é que essa prova seja mencionada em “Minha Saga”, capítulo 9. Aliás, o capítulo 9 consiste dessa prova, exclusivamente.

Existem outros aspectos problemáticos em relação à prova, mas falemos do momento em que ela apareceu, justamente quando muitas teorias sobre Juninhuuu estavam circulando. Outro aspecto que vale a pena mencionar é que só conhecemos a segunda (ou terceira) folha da referida prova (a que o aluno chama de “concurso”). Por que não existem imagens das outras folhas e por que uma escola como o SENAC não teria nenhum tipo de papel timbrado para fazê-las? Merece também atenção o fato de a prova não ter data, mas se supõe que seja recente, da década de 2000, mesmo assim Juninhuuu se identifica com o Kiss, banda de hard rock setentista que já sumiu de cena há muito tempo. Somente pessoas de mais idade do que dezesseis anos ainda teriam contato com eles. Um personagem tal como Juninhuuu pretende ser estaria mais identificado com funk, hip-hop ou pseudopagode — no máximo sertanejo ou forró. Supor que Juninhuuu seja fã do Kiss reduz a credibilidade do personagem, especialmente se considerarmos o resto de sua “obra” e o contexto social no qual o personagem se insere.

A Aventura Argentina

Depois de algumas discussões sobre sua identidade, Juninhuuu desapareceu, reaparecendo tempos depois com sua aventura escatológico-surrealista na Argentina, momento no qual toda pretensão de realismo desaparece e Juninhuuu deixa de ser um personagem viável para ser uma espécie de ícone das taras e frustrações de seu autor. Novamente desaparecido, ele retorna meses depois com suas aventuras sexuais no teatro, depois desaparece outra vez e retorna com seu relacionamento com a professora e depois com a matrícula no colégio interno.

O segundo episódio, na Argentina, parece deslocado da trama, mas é emblemático do tipo de pessoa que o autor de Juninhuuu realmente é. E os argentinos são vítimas disso.

Evidências da Identidade de Juninhuuu

Claro que eu não posso dizer o nome do suspeito que tenho em mente, para não ser processado por calúnia (atribuir a autoria dos textos de Juninhuuu a alguém é quase um crime, se não for crime mesmo). Mas vou lhes dar muitas pistas interessantes, a partir das quais vocês poderão tirar as suas conclusões.

Vocabulário

Juninhuuu afirma (pág. 4): “eu nao estou nem aí pra inteligência”. No entanto, o vocabulário empregado por ele é curiosamente elaborado para um moleque “rebelde” e ignorante de dezesseis anos. Você já viu algum pivete por aí dizendo ler Álvares de Azevedo ou empregando palavras como “púbis”, “subversão da juventude”, “estático”, “precipitações”, “expressão corpórea”, “nudez pública”, “fumaça cancerígena”, “mente incontrolável”, “porão medieval”, “gárgula voraz”, “prostíbulo”, “revolução doméstica”, “famílias perdidas do século 21”, “liberar endorfinas”, “troglodita diplomata”, “exposição peniana”, etc.?

O nível de vocabulário que Juninhuuu emprega é surpreendente para alguém que teria dezesseis anos e seria um rebelde sem causa. Ele emprega nada menos do que 1458 vocábulos diferentes ao logo de todos os capítulos da saga e mais o conto Adamastor. Pode parecer pouco, mas é palavra que não acaba mais se você considerar que uma pessoa de cultura mediana costuma se sair muito bem com cerca de seiscentas.

Mas o vocabulário de Juninhuuu não é apenas extenso: ele também possui especificidades, como uma estranha familiaridade com termos teatrais, como “palco”, “plateia”, “canastrona”, “tablado”, “ensaio”, “apresentação” e com termos políticos de esquerda.

Sexualmente falando, Juninhuuu não narra nenhum episódio que envolva penetração, muito curiosamente, aliás, para alguém que fala incessantemente de sexo e tem uma verdadeira obsessão em decantar o tamanho do próprio pênis. Isto sugere que o autor pode ser homossexual ou mesmo uma mulher que se passa por homem. Mais provavelmente é um homem adulto sem nenhuma experiência sexual real.

O autor que está por trás do personagem Juninhuuu escreve melhor do que a média dos autores orkutianos: ele só comete erros ortográficos nas palavras de uso mais comum. As palavras raras que emprega são sempre escritas corretamente. Ora, o que será que isso quer dizer? Se você estivesse realmente lidando com alguém capaz de escrever tão mal quanto Juninhuuu, seria duvidoso que ele fosse capaz de olhar palavras difíceis no dicionário (ou mesmo que ele quisesse usá-las). A explicação mais óbvia é que ele escreve errado de propósito um certo número de palavras que qualquer pessoa notará que estão erradas, desta forma marcando o personagem. Ele também adota certas convenções, como não escrever “não” com til e nunca empregar inicial maiúscula. A verdade é que o texto do Juninhuuu comete erros que parecem calculados para fazer seu efeito sem nunca atrapalhar a compreensão — sem falar que ele pontua melhor do que muita gente que é dona de comunidade no Orkut2

Mas ele não se limita a escrever corretamente essas palavras difíceis, ele também as emprega corretamente, sempre em seu sentido normal, algumas vezes até recorrendo às suas conotações. Ele aparenta conhecer e usar essas palavras com frequência.

Organização da Narrativa

Embora o texto seja calculado para parecer tosco (inclusive não empregando iniciais maiúsculas), a verdade é que a aventura de Juninhuuu ocorre de maneira sempre linear, em episódios que se sucedem e que são completos em si mesmos. Na verdade, os diversos episódios da “Saga” parecem seguir uma sequencia lógica, abordando cada aspecto das frustrações de um nerd adolescente:

Outras Indicações

No capítulo 9 Juninhuuu deixa escapar que usa óculos — algo que não combina com um adolescente rebelde, mas com algum nerd que expressa suas frustrações através de um personagem como ele.

Juninhuuu de fato se chama “Paulo”, nome do usuário do computador que compilou o PDF que ele disponibilizou para download.

“Paulo” é um usuário do Windows e formatou a “Minha Saga” usando o Microsoft Word.

Possivelmente Juninhuuuu se chame “Paulo Ribeiro Júnior”, mas é impossível saber se esse é o seu nome real ou do personagem.

Evidentemente Paulo/Juninhuuu possui habilidades com programas gráficos e com desenvolvimento para a web, como se nota pelo blogue e pela formatação do PDF.

Juninhuuu já leu “Os Lusíadas” (ou leu algo sobre esse livro), pois caracteriza um “grande homem” que era “explorado” por “capitalistas” com o nome de Adamastor, curiosamente o nome do gigante que os exploradores portugueses avistam no Cabo da Boa Esperança durante a viagem em busca da rota para as especiarias. É inexplicável que uma associação de ideias sofisticada assim exista na cabeça de um mané qualquer, e é até possível que ela só exista na minha cabeça e a escolha do nome Adamastor seja casual.

A criação e divulgação via web da “prova do SENAC” indica que o criador do personagem Juninhuuu foi tão longe quanto possível para dar credibilidade à sua farsa. Mas com que objetivo alguém faria isso?

Os Objetivos de Juninho — Uma Especulação

O fato de Juninhuuu se identificar como “O Poeta Censurado” merece análise: é mais uma pista de sua identidade e um indício de seus objetivos.

Na Novos Escritores do Brasil nunca foi segredo que os poetas não eram bem vindos. Era política oficial, ditada pelo dono da comunidade, que os poetas só seriam tolerados postando seus textos no Tópico Único. Muitos foram expulsos por não aceitarem isso, muitos se sentiam tolhidos, censurados por isso.

Curiosamente houve um Paulo poeta que foi expulso por justamente rebelar-se. O “Paulo Palhaço” (como o chamávamos, por causa de seu avatar com o palhaço chorando) poderia ser um forte candidato a “pai” do Juninhuuu se a expulsão dele tivesse ocorrido antes, mas não é impossível que ela tenha acontecido mesmo antes, com outro perfil. Há muitos paulos nesse mundo.

Se o criador de Juninho for um poeta expulso então ele deve ter se sentido muito mal por ver tantos textos medíocres sendo aceitos e comentados enquanto o dele, apenas por ser em versos, fora rejeitado. Que melhor maneira de denunciar isso do que fazendo um terrorismo poético e criando um texto em prosa, de qualidade propositalmente horrível, mas de acordo com as regras da comunidade (até certo ponto)? A aceitação do tópico, os elogios que receberia, etc. seriam motivo de chacota para o criador de Juninhuuu e para as demais pessoas que compartilhem do segredo (possivelmente mais de uma). Ver o dono da comunidade, seus moderadores e alguns de seus membros mais influentes tendo que lidar com aquele tópico cheio de grosserias era uma vingança por ter tido um texto poético chutado apenas por ser poesia.

Conclusões

Eu não sei se a partir de algum ponto o Juninhuuu adquiriu vida própria, se o seu criador passou a gostar da coisa e a usá-lo para extravasar as suas frustrações (algo que é possível), ou se ele continua sendo apenas uma destilação de veneno contra Sir Adryan Sinki Peruano Tinen e sua comunidade. Neste caso a pessoa por trás do personagem é realmente doentia, para além de sua fixação masturbatória e de outros indícios de desajustamento psicológico que transparecem do texto.

O que eu sei é que a cada dia fica mais clara a minha tese inicial, que na época ninguém levou a sério: Juninhuuu é uma grande brincadeira que alguém está fazendo (talvez inspirado em uma outra brincadeira que eu mesmo fiz certa vez, usando um fake meu). Em algum lugar alguém está rindo muito de tudo isso.


  1. O link está obviamente expirado.↩︎

  2. Esta foi uma tentativa minha de ironizar a má qualidade da prosa do Sérgio Sinki, dono da comunidade N. E. B.↩︎

  3. Esse episódio é bastante sugestivo das origens sociais de Juninhuuu, porque ele mais uma vez evita contato com uma mulher de classe baixa e aproveita uma oportunidade para mostrar seu gosto musical superior. Em ambas as atitudes notamos marcadores simbólicos de seu pertencimento a uma classe média convencida de seu próprio valor.↩︎

  4. Nesse momento, como em vários outros, expressa frustração por ver pessoas que parecem mais cultas e/ou inteligentes.↩︎

  5. Sendo este, também, o terceiro momento da narrativa em que o personagem ejacula sem ter penetrado alguém.↩︎

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