Letras Elétricas
Textões e ficções. Tretas e caretas. Histórias e tramóias.
by J. G. Gouvêa

[Auto] Censura Prévia

Publicado em: 25/10/2010

Estou aqui com dois ótimos contos, em fase quase de conclusão. Mas estou com receios de postá-los neste blogue. Na fase atual em que me encontro, buscando atenção e uma editora, talvez fosse interessante postar aqui alguma coisa polêmica (e nada polemiza tanto quanto falar de religião, visto que vivemos uma fase de aguçamento das sensibilidades religiosas nesse país). Porém ainda estou em dúvida se estou disposto a pagar o preço de obter tal atenção.

Um dos textos em questão, chamado «Jó e Jeová», nada mais é do uma narrativa em estilo sóbrio e seco dos episódios envolvendo os dois personagens em questão. A história é desenvolvida de forma bem próxima ao texto original, sem procurar adicionar nenhum personagem ou episódio — a não ser um pequeno desvio da trama, para enriquecer o personagem Satanás e dar mais vivacidade ao seu diálogo com Jeová. Temo, porém, que os cristãos e judeus não estejam preparados para ver a história de Jó contada numa linguagem chã e linear, como estou fazendo.

O outro texto é um conto pós-apocalíptico. Literalmente. Uma história que procura imaginar como seria viver na «Nova Jerusalém» descrita no Apocalipse. Esse é certamente mais herético, porque vai além do texto da Bíblia. Esse é o que mais me preocupa. Principalmente porque, em vez de um ateísmo marxistão e simplório, ele tergiversa com misticismos vários, Dante Aligheri e algumas doses homeopáticas de bom senso (para obter efeito contrário, como sói acontecer na homeopatia).

Ocorre auto-censura quando, mesmo não havendo leis que proíbam ou dificultem a produção ou divulgação de certos conteúdos, os autores se sentem desconfortáveis, «desconvidados» a produzi-los e divulgados por receio das consequências difusas que podem advir de sua publicidade. Este sentimento começou quando comecei a postar no meu antigo blog um texto argumentando contra a razoabilidade da crença em revelações divinas. Como o texto começava dissecando as afirmações de Maomé a respeito do Alcorão, recebi uma enxurrada de email enviado por muçulmanos. Alguns educadamente dizendo que eu estava errado e que eles oravam para que eu encontrasse a verdade, tal como os cristãos educados fazem. Outros não eram tão polidos e partiam para ameaças de diversos tipos. Um deles, por exemplo, fez questão de me lembrar que, segundo a teologia islâmica, todos somos criados «muçulmanos» e os que não se submetem de fato vivem em rebeldia contra o seu estado natural, de forma que um clérigo mais radical pode acusar qualquer um de apostasia, mesmo o suposto apóstata nunca tendo declamado a shahadda.

Quando isso aconteceu eu fiquei muito revoltado porque eu não podia aceitar que em um país livre eu tivesse constrangida a minha liberdade de expressão. Depois eu amadureci, com o tempo, à medida em que fui encontrando outras manifestações de intolerância, como os neonazis que descobriram o meu telefone e ameaçaram a minha família porque eu os ridicularizei em um debate sobre o nazismo em uma comunidade do Orkut, ou como os cristãos que disseram que enviariam mensagens ao meu empregador denunciando meu comportamento como contrário aos interesses da instituição. Estes fatos me mostraram que, de fato, não estamos em um país livre, pois não há liberdade onde não há garantia de justiça e, pior, não adianta garantia de justiça quando lidamos com fanáticos que não ligam para as consequências. Como o assassino de Theo van Gogh, que não se importaria nem mesmo de ser executado, pois crê ter prestado um serviço a Deus e cumprido em vida uma missão que é mais importante do que a vida que poderia viver se não a tivesse cumprido.

Estas coisas nos mostram que, de fato, o espírito livre está o tempo todo comprimido, a cotoveladas, pela multidão que pensa em contrário. E isso nos leva à auto-censura, pelo menos enquanto, como no meu caso, não temos poder econômico suficiente para resistir a um processo cível, que uma maneira de punir uma pessoa que não cometeu crime, forçando a gastar dinheiro em uma defesa, ou para contratar guarda-costas.

Por causa desta sensação de insegurança em que vivo, e da imagem pública que preciso cultivar em função de meu emprego, eu desisto de publicar certos textos mais polêmicos e vou postando inofensivos poeminhas e continhos mais contidos. Um dia, se virar best-seller, terei coisas mais polêmicas para postar.

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