Publicado em 1999 na Revista da Associação Nacional de Escritores, é um dos pontos altos de minha primeira fase depressiva e pessimista (1994–1998) e deve ter sido, provavelmente, escrito em começos de 1998.
As gotas de chuva eram pouco para vencer o calor que se empoçara na cidade prematuramente em nosso agosto, subia um vapor queixoso e sibilante dos canteiros ainda não inteiramente encharcados e Berenice cruzava a praça sem guarda-chuva.
Eu estava em um ponto de ônibus, recém-saído de meu dia de trabalho e não me confortava nada a certeza de que aquela chuva de sexta-feira prometia durar a noite toda. Ela chegou ao meu abrigo com o corpo suado, chuva escorrendo pelos cabelos e o lindo rosto moreno brilhando de calor. Percebeu a insistência com que eu observava e entre dois sorrisos lamentou a chuva depois de toda uma semana seca e opressiva de calor. Eu comentei a minha teoria particular de que estatisticamente chove mais entre a tarde de sexta-feira e a manhã de domingo do que durante todo o resto da semana, acrescentado a possível conspiração do mundo contra a possibilidade de eu vir a ter um fim-de-semana perfeito.
Finalmente ela desarmou-me apresentando a sua teoria particular de que os homens se dividiriam em duas categorias: os de manteiga — que não saem de casa quando está quente — e os de açúcar — que não saem quando está chovendo. Quando eu tentei abrir a boca para tentar criar algum conhecimento entre nós, ela interrompeu-me dizendo que seu ônibus chegara e entrou nele tão depressa que eu mal tive tempo de dizer-lhe um “tchau” tão tímido que ela nem ouviu.
À noite eu a vi, por imenso acaso, sentada com outras pessoas em um bar, de dentro do meu carro ouvindo o tamborilar das gotas grossas eu pensei por tempo demais se deveria retornar àquela rua e tentar entrar na vida dela: quando tomei a decisão era já tarde demais e não estavam mais lá. Sem o que fazer, sentei-me ao balcão com um chope e uma nódoa de solidão no sorriso que eu distribuía tão barato aos poucos conhecidos que passavam. Enquanto aguardava que o destino, ou alguma outra forma de inspiração, caísse sobre mim; a chuva foi descendo o seu peso e a cidade foi morrendo outra noite.
Na agitação das pessoas que se aglomeravam no único local abrigado eu me senti tolhido, solitário no meio duma multidão que me ignorava e espremia. Pude vê-la passar pela avenida dentro de um Passat cinza, mirei-a com olhos famintos mas ela não recebeu minha transmissão de pensamento e nem soube onde eu estava. Abri caminho por um oceano de braços e copos de cerveja afora até romper na calçada vazia, o carro estava parado em frente ao bar seguinte. Corri até lá rabiscando na capa de meu talão de cheques o número do meu telefone, mas antes que eu chegasse a alcançar a janela o carro saiu, jogando água em mim.
E o sábado foi uma flor amarga que nasceu.