Frequentemente me pego repetindo em cochicho o que acabei de dizer em voz alta, se a pessoa a quem disse não continua por perto. Porque se ela estiver, então, costumo dizer a mesma coisa duas vezes, com poucos minutos de intervalo, para enfatizar o que estou dizendo. Geralmente uso uma frase para conectar, e então repito o que havia dito antes, com palavras ligeiramente diferentes, com poucos minutos de intervalo, só para enfatizar o que dizia.
Costumo ter animadas conversas comigo mesmo quando estou só. Estas conversas frequentemente se transformam em discussões, e já houve casos em que realmente fiquei de mal. Durante essas conversas é frequente que eu me diga coisas que não estava pensando ou encontre soluções miraculosamente para coisas que eu não estava sabendo resolver.
Quando estou escrevendo à mão, minha caligrafia muda o tempo todo. Sou incapaz de manter o mesmo padrão de tamanho de letra, comprimento de hastes, inclinação, separação silábica, formato das letras redondas, etc. Em uma mesma palavra costumo empregar dois tipos diferentes de “a”, “s” ou “r”.
Meus livros são ordenados na estante segundo um padrão de tamanhos e cores. Quanto mais alto o livro, mais para a beirada. Se dois livros forem de mesma altura, o de capa mais escura fica do lado “de fora” em relação ao centro da prateleira. Por sua vez, os meus discos são ordenados pela ordem cronológica em que foram lançados.
Devo ser o único bancário do Brasil que trabalha (frequentemente, mas não todo dia) de botinas. Gosto desse tipo de calçado desde que era adolescente e trabalhava na Cooperativa Agropecuária de Cataguases. Eu não tinha dinheiro para me vestir bem, então vivia com jeans velhos, botinas de couro e camisas brancas de algodão. Em meus sonhos eu me tornava um astro da música e esse tipo de indumentária se transformava na nova moda roqueira.
Todas estas pequenas excentricidades convivem com o fato de que sou incapaz de manter qualquer coisa organizada. Desde a minha estante de livros, que eu arrumo semestralmente, até a minha mesa de trabalho.
Esta desarrumação também é agravada pela dificuldade com que me livro de entulhos, bugigangas e velharias. Tenho ainda os carregadores de celulares que estragaram há anos, peças de computadores que nem possuo mais. Cabos e fios e caixas de aparelhos que nem lembro o que eram. Revistas que li uma vez e guardei pensando em deixar de herança para o futuro. Rascunhos de poemas e rabiscos genéricos sem nenhum sentido.
Cada vez que me mudo, tenho de rever esta desordem, e com grande dor no coração me desfaço de uma miríade de pequenas coisas — e me arrependo depois. Até hoje sonho em reencontrar nalguma caixa os dois retratos que fiz a lápis nos tempos de segundo grau, e que só sobrevivem na minha memória. Sem falar dos cadernos onde minhas amigas anotaram versos de Raul de Leôni, Vicente de Carvalho e Fernando Pessoa.
Sei, porém, que estas foram perdas irremediáveis, como as que só se pode ter na mudança. E não adianta ter saudade das casas em que não moro mais, dos livros que doei ou vendi, das palavras que disse e já não saboreio mais na boca, por mais que as cochiche. Por mais que eu lembre de manias antigas, não sou o mesmo que era, as coisas e as casas e as pessoas mudaram. Resta-me repetir palavras, fantasmas do que foi, e relembrar mentalmente obras primas que não desenho mais.