Este domingo me ofereceu um desafio literário incomum: minha filha me pediu que lhe ajudasse a escrever uma redação para um concurso. Gabriele tem, aos dez anos, toda a ingenuidade e a fantasia de uma criança que ainda não perdeu a pureza. Ela ainda não conhece quase nada das dificuldades da vida, das frustrações, dessas coisas que nos fazem desperdiçar sorrisos e cabelos com o passar dos anos enquanto vemos esgotarem-se todas as oportunidades que tínhamos sonhado. Por isso ela acha que é possível, da noite para o dia, escrever um texto capaz de ganhar R$ 1.000,00 — com que pretende comprar um tablet.
Tudo foi muito rápido. Eu nem sabia desse concurso até há poucos dias, e antes do domingo nem sonhava que Gabriele quereria participar, ou que eu poderia lhe ajudar. Agora estou aqui, no mato sem cachorro, temeroso de destroçar os sonhos de minha filha, mas ao mesmo tempo incapaz de mentir para ela.
O tema não poderia ser dos mais áridos: a vida do Barão de Mauá, um industrial burguês do século XIX que desperdiçou boa parte da fortuna da família (e uma boa parte de fortunas alheias também) tentando criar no Brasil uma base industrial e financeira que até então não existia. Não é o tipo de coisa que fala ao coração de crianças, e eu imagino o sofrimento que deve ser para uma delas ter que ler sobre a vida sisuda desse homem que aparece nas fotos de penteado estranho e rigoroso terno preto.
Talvez eu esteja traumatizando a menina, mas a minha primeira lição, ainda pela manhã, foi a de que não adianta querer obter algo novo ou bom sem ter uma base. Se ela quer ganhar concursos de redação, deve adquirir o hábito de redigir sempre, porque as pessoas que ganham esses concursos raramente estão participando pela primeira vez — e quando estão, tiveram muito tempo para treinar antes. Disse-lhe que isso não deveria servir para desanimá-la desse concurso, mas para lhe dar a consciência de que era preciso continuar, sempre, pois um concurso literário não é uma loteria que se ganha na pura sorte. Só não tive coragem de lhe falar dos outros critérios que entram nesses concursos, e que asseguram que os prêmios sejam previsíveis. Na literatura brasileira, até a novidade é previsível.
Depois disso eu lhe disse que não adianta copiar da Wikipédia. Isso qualquer um pode fazer e, pior, o jurado, ao perceber o mais remoto indício de cópia, provavelmente passará ao próximo texto da fila, pois ele não tem tempo para ler a Wikipédia com caligrafia ruim e erros de português. Para ganhar o concurso é preciso imaginar algo interessante, mesmo que seja sobre uma personalidade absolutamente obtusa.
Meus conselhos foram solenemente ignorados durante horas. O artigo da Wikipédia foi várias vezes copiado, com diversas variações irrelevantes, resultando sempre em textos sofríveis. De nada adiantou que eu lhe tentasse convencer que a melhor saída seria imaginar-se contando a vida do homem de uma forma lúdica. Tentei fazer com que ela se imaginasse em uma noite do pijama com as amiguinhas, contando-lhes quem foi o tal Barão, mas ela resistiu bravamente, com um argumento infalível: suas amigas jamais se interessariam por um tema desses. E que razão expressa nessas palavras. Nem eu me interesso, na maioria dos dias.
A tarde já vai terminando, a pilha de bolas de papel vai se acumulando na lixeira e eu me vejo na pobre Gabriele. Lembro de meus doze anos, preso dentro de casa em um dia de chuva, sem nada para fazer, lendo clássicos brasileiros e portugueses da biblioteca de minha tia. Os primeiros versos que escrevi e não guardei, os cadernos de notas esquecidos, os beijos que tentei comprar com sonetos e trovas. Depois me olho no espelho e só desejo que ela tenha mais sorte do que eu.