“Bem, infelizmente, aqui eu tive de me valer do direito de interromper a leitura” — Felipe Holloway.
“Este é um livro que quando a gente larga
não consegue mais pegar.”
— Millôr Fernandes.
Sou um escritor e batalho pela atenção de leitores. Nenhum escritor em sã consciência pensaria em desaconselhar a leitura, mesmo a de um texto alheio. A nossa arte compete com tantas coisas que desviam a atenção do leitor que hoje é muito difícil capturá-la. Só que certos escritores não têm uma consciência muito sã, e eu me identifico neles. Esta é a razão pela qual me meto a defender o direito de não ler.
Quando falo de tal direito não quero dizer que as pessoas não devam ler absolutamente. Ler é divertido e necessário. Aconselhar a não ler é como aconselhar a não comer. Mas a leitura não deve se tornar uma obrigação. Se surgem sinais de obrigatoriedade, devemos exercer o direito de não ler.
O exercício deste direito é uma medida higiênica. O direito de não ler é a liberdade de escolha. Prazeres só são prazeres se são voluntários. Tornar algo obrigatório é o começo do tédio. Em tudo devemos ter a liberdade de não começar e a de, tendo começado, parar quando quisermos.
Vivemos afogados em um mar de informação. A maior parte é irrelevante ou nociva. Precisamos selecionar o que absorveremos. Os critérios podem ser racionais ou arbitrários, mas devem existir. E se o critério falhar à primeira vista, precisamos da liberdade de parar. Ler é absorver informação da maneira mais direta possível, e é um exercício que demanda tempo. A leitura nos afasta da realidade imediata, nos absorve enquanto nos fixamos no texto. Ler é usar uma parte da vida. Descobrir que uma leitura não valeu a pena traz a sensação de que o tempo for esperdiçado. Parte da vida que temos foi esperdiçada.
O leitor não nos deve nenhuma obrigação. Nós é que lhe devemos. Ele não pode concluir a leitura do que escrevemos e ter a sensação de que esperdiçou um tempo de sua vida. Se o leitor é educado (“não gostei”) ou sem educação (“o texto é uma merda”), o que importa é a reação que o motiva a expressar sua opinião. Ou bem gosta ou não gosta. Tudo deve se resumir a isso. Nem todos os leitores estão capacitados a oferecer uma análise embasada sobre as razões de terem ou não gostado. Somos nós, os autores, que lhes ajudaremos a adquirir tal capacidade enquanto se divertem lendo o que escrevemos. Mais uma vez, nós devemos obrigações a quem nos lê, nunca o contrário. Por isso o leitor tem o direito de parar a leitura quando quiser, até mesmo antes de começar. E o máximo que nós podemos pedir, mas eles não têm a obrigação de dar, é uma opinião sobre as razões que o fizeram não gostar.
Os critérios dos leitores para decidir se lerão ou não o que escrevemos com tanto carinho podem ser arbitrários, ou até injustos. Alguns selecionam pelo título, uns pela capa, outros pelo nome do autor, outros ainda pela opinião de um terceiro. Mas todos voltam a ler mais dos autores de que gostaram. Então, não faz sentido reclamar dos critérios malucos que algumas pessoas usam para selecionar o que leem. Quando esse leitor chega até um texto nosso, temos uma oportunidade única de cativá-lo para que volte, ou de permitir que ele passe a outro blogue neste oceano de informação anódina sem levar lembranças nossas.
Eu não reclamo dos leitores que desistem de mim. Eu lamento que não tenha sido bastante competente para mantê-los comigo. Eu agradeço aos que deixam algum comentário que me oriente melhor sobre a qualidade do que faço, mesmo que sua opinião seja abusiva ou a sua apreciação, ofensiva. Uma opinião rude é melhor do que o silêncio de quem vai embora sem dizer porque.