“Se conselho fosse bom, ninguém dava: vendia.”
— Sabedoria popular (essa que elege o Tiririca e assiste BBB)
“O segredo da propaganda é a propaganda do segredo.”
— Millôr Fernandes
Escritores escrevem e há uma variedade de gêneros possíveis para a satisfação de todas as categorias de pessoas dadas à graforreia. Versos costumam ser o começo de muita gente, embora hoje tenham perdido parte de sua popularidade para a microficção. A ficção predomina, por combinar a atração dos best-sellers com a possibilidade de extravasar a criatividade, ou seja, essa capacidade que o jovem tem de reescrever as histórias que leu nos livros ou viu nos filmes. Só com o tempo o autor se revela, a maioria nunca. Daí quem começou poeta pode terminar escrevendo ficção comercial, quem começou escrevendo pornografia pode terminar filósofo. A maioria termina não escrevendo mais.
Todo autor que chegou a algum lugar gosta de falar sobre o caminho que seguiu. Entreviste um escritor, especialmente um jovem escritor, e descobrirá alguém pronto a falar. Existem até os que falam mais do que escrevem, ou pelo menos mais do que deveriam. Mas um dia descobrem que escrever e falar são talentos diferentes, nem sempre simultâneos, e muito gênio se enrola na própria língua ou perpetra bobagens quando sai de seu meio. Mas é incomum que um fracassado ensine o sucesso.
Lembro isso porque, depois da exaltação da própria biografia, com generosas doses de lamentos pelos tempos difíceis, o segundo tema favorito dos escritores é sempre o ensino de seu segredo. Todos parecem ter vontade de fazer isso, cedo ou tarde, talvez porque ensinar é uma forma de sentir superior, ou talvez porque quando ensinamos o que somos, almejamos reproduzir isto que nos tornamos, o que pode ser confortante para quem é contestado.
O ano de 2013 conheceu a polêmica da Editora Modo, que publicou “bons conselhos” de autores por ela publicados, que incluíam até mesmo que o autor não deveria ler, para não se deixar influenciar, e que deveria evitar descrever cenários e personagens, para deixar o leitor mais livre para imaginar. Na época eu escrevi este artigo para questionar a validade específica destes conceitos, mas não me aprofundei em duas questões importantes: por que escritores buscam conselhos e quem estaria mais capacitado a fornecê-los?
Entendo que buscar conselhos é diferente de buscar aprendizado. Este é um processo solitário e longo, que começa quando o jovem aprende a copiar. E copiar não é vergonha. Negar o valor da cópia seria negar o valor da leitura, pois ela é o exercício de aprendizado da literatura: tal como o desenhista começa reproduzindo traços alheios, o autor começa plagiando histórias de outros. A originalidade é um processo posterior, muito posterior, e não há nada errado nisso.
Mas, se é justo que o começo do caminho seja feito pisando sobre as pegadas de outros, será que todas as pegadas têm o mesmo valor? Os caminhos existentes só nos levam aonde outros já foram. Que caminho você prefere trilhar?
Reconheço que é muito bom trilhar o caminho dos mestres, mas nem todos têm estômago para Machado de Assis. Considero-me feliz por ter lido a Série Vaga-Lume na adolescência: os livros bons para aprendizado não são aqueles que têm qualidade absoluta, mas aqueles que nos abrem a mente. Nesse sentido, Lúcia Machado de Almeida pode ter mais valor que Eça de Queirós. Tal como o talento do professor é diferente do realizador. Livros não tão bons podem ser melhores para iniciar leitores e escritores. Mas livros realmente ruins não iniciam ninguém em nada.
Quando um escritor comenta sobre o caminho que seguiu, é lícito que perguntemos aonde deu este caminho, e por que lugares passou. Os conselhos não têm valor intrínseco: valem tanto quanto quem os dá e tanto quanto sua obra. Por esta razão eu acredito que se atrever a dar conselhos é uma ousadia imensa, que eu espero de autores estabelecidos e bem-sucedidos, não de alguém que acabou de publicar sua primeira obra juvenil, por uma editora de fundo de quintal. Ainda mais que os conselhos dados pelos grandes escritores costumam se chocar frontalmente com as “receitas de bolo” que aparecem nas redes sociais.
Então, amigo/a que está começando a escrever, se em algum momento surgir a necessidade de ouvir uma orientação sobre como escrever, prefira as que foram dadas por gente que gostaria de imitar, não por quem imita os mesmos autores que você lê. Quando alguém me pede conselhos, eu apenas passo adiante os conselhos do Kurt Vonnegut. Se a pessoa não souber quem foi Kurt Vonnegut, é porque os conselhos ainda não vão adiantar. Mas se a pessoa já conhece os conselhos, já não precisa deles há muito tempo.
“Creative Writing 101” (Kurt Vonnegut, Jr.)
- Use o tempo de um completo estranho de uma forma que ele ou ela não sinta que o tempo foi esperdiçado.
- Dê ao leitor pelo menos um personagem por quem possa torcer.
- Todo personagem deve querer alguma coisa, mesmo que só um copo d’água.
- Cada frase deve fazer uma de duas coisas: caracterizar um personagem ou avançar a ação.
- Comece o mais perto possível do fim.
- Seja um sádico. Não importa o quanto seus protagonistas sejam doces e inocentes, faça com que lhes aconteçam coisas horríveis, para que o leitor veja do que eles são feitos.
- Escreve para agradar somente a uma pessoa. Se abrir a janela e tentar transar com o mundo, por assim dizer, sua história vai pegar uma pneumonia.
- Dê aos leitores o máximo de informação, o mais rápido possível. Foda-se o suspense. O leitor deve ter tal compreensão do que está acontecendo, onde e porque, que poderia terminar a história sozinho, se baratas comessem as últimas folhas.
A maior contista americana de minha geração foi Flannery O’Connor (1925-1964). Ela quebrou praticamente cada uma destas minhas regras, a não ser a primeira. Grandes autores tendem a fazer isso._
Eu valorizo conselhos como os do Kurt. Que hoje está esquecido porque ninguém tolera ler suas obras complexas e interessantes. Mas se você não perdeu ainda a capacidade de destrinchar obras interessantes, experimente “Player Piano” ou “Matadouro Cinco”.